Dias nublados
No velório do nonno Breno, minha mãe cheirava a Leite de Rosas. No
velório da minha mãe (a nonna Bia cheirava a Leite de Rosas) um carro preto estacionou, dois
homens desceram. Do porta-malas tiraram o caixão e trouxeram para dentro da
casa. Minha mãe no quarto, lavada, vestida para o adeus. Elza e tia Ruth (nunca
me aproximava de tia Ruth, que cheiro tinha?) na sala a orientar a colocação da
fúnebre caixa. Um tempo depois, um dos homens foi até o carro e trouxe uma maca
dobrável. Colocaram minha mãe sobre a maca e a trouxeram para sala. Em seguida
a pousaram dentro do caixão. Depois da ação toda, Elza foi até meu pai (que
cheirava a loção) e disse
alguma coisa para ele, que levantou e foi até a biblioteca e voltou de lá com
um cheque na mão. Elza pegou e pagou os homens da funerária e eles foram
embora. No velório do meu pai (não acompanhei de perto seus estertores),
tomei um porre de vinho. Vinho: uva. Uva: terra. Terra: minhocas. Catávamos
minhocas na lama e as colocávamos em latas. Muitas vezes, arrebentávamos o
corpo das minhocas. Há quem saiba ler a lição da
terra no apodrecimento de um fruto na fruteira. Mais lógica que selvagem a
natureza, o céu que dá de beber a terra para fazê-la fértil. As correntezas dos
mares os marinheiros conhecem. As correntezas da terra são tão complexas
quanto. A terra, dentro dela, a cama mais macia sob a chuva. A terra, o
oxigênio das flores. Respiro e o lugar em que piso é até onde vim.
Pisco, esfrego o rosto como acordasse de um enterro, os olhos estão tampados. A
cabeça pesa, preciso espremê-la como a uma esponja com água suja retida. O
coração é um vaso rústico arrebentado pelas raízes que não se contentam com o
espaço restrito. E aqui está, redondo rosto, róseas bochechas, minha mãe
nascemos de novo dos nossos filhos quando nossos filhos nascem.
Tinha estes olhões amplos, claros, olheiras que igualmente definiram minhas
feições, leve tom arroxeado ao redor dos olhos verdes e um jeito sempre poético
de
os Brennelli descendem de rezas.
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