sábado, 1 de agosto de 2009

da oficina da minha novela a neve não tem gosto de algodão doce

Entre recusas e afirmações tem algum tempo venho me debatendo com a escrita de uma pequena novela chamada A neve não tem gosto de algodão doce. Vivo a me perguntar: Por que tamanho trabalho para tão poucas páginas? Para se obter a síntese, claro, para ganhar em potência, em mistério, para dialogar de modo inteligente com o universo subjetivo do leitor. Mas, sinceramente, o que a síntese pode nos dar afinal de contas diante de um mundo tão cheio de contradições, catastrófico, fraturado, abundante, é muito pouco. Não estaremos nos iludindo ao acreditar que é possível ordenar com esmero algumas idéias numa sequência de páginas? Talvez a contribuição seja ínfima, mas é tudo o que alguns podem fazer. O que ora publico são fragmentos de minha caótica oficina de composição. Anotações, pensamentos sobre o ofício. A dificuldade de lidar com as personagens etc. Quase um diário curto, mas sem data e hora que especifique ou clareie o passado que já não posso apalpar. São notas que venho aos poucos recuperando de caderninhos Tilibra, da época em que morei no Rio de Janeiro, ou seja, mais ou menos dos anos de 2005, 2006.
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Há essa garota de cabelos encaracolados. Não sei se por ela, ou se apesar dela, sigo em frente, mesmo quando o passo seguinte é precipício. Posso dar fim agora para essa merda toda. Basta jogar numa centrífuga cada página desse caderno. Posso mesmo dar fim a tudo isso e não é preciso assassinar ninguém, nem cometer suicídio. Algo parecido com literatura, nenhum dos personagens existe, meros factóides. Vivem dentro das páginas de um caderno, em parágrafos, representados por símbolos que originam o alfabeto que, por sua vez, origina palavras. Só literatura, nada mais. Alguém um pouco mais esperto sabe que Hamlet não existe fora do campo simbólico, assim como são impraticáveis os próprios personagens do Irmãos Karamasov. Tudo não passa de um punhado de palavras, desenhos, códigos que nos permitem crer em algo. O que seu olho vê não é realmente aquilo que acontece. Por isso resolvo usar uma palavra capaz de acabar com tudo. Posso escrever uma frase, um verso, contar a infame historinha para boi dormir, e tudo é inexistente. Por isso não preciso me transformar num assassino ou num suicida. Para isso o dicionário contém a palavra fim. Embora nada acabe porque nada disso existe. É como nesses filmes super-8. Alguém mexe no trinco. Lá fora, uivos, e a lua um outdoor prestes a despencar. Do lado de dentro as cortinas cochicham febres. Ela supõe (e não supõe errado) que estou estendido no inverno do abandono. Que vivo entre calçadas esburacadas e as garras da guitarra curando minhas ressecas, embrulhado em cobertores de febre. Se não reclamo ninguém presta atenção, ninguém escuta. Isso acontece o tempo todo, a Cidade Maravilhosa ainda é maravilhosa? A garota de cabelos encaracolados está mesmo recuperada? Meu herói..., ela me chama de herói, mas os heróis não duram nada em nossa época. Não sei. Espero não ser um imbecil por deixá-la entrar no meu caderno, na minha vida. Dane-se ela, vou voltar, Curitiba me espera. Estou chegando. Curitiba está pronta para mim. Minha garota carioca, não.

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