quinta-feira, 29 de julho de 2010

estréia hoje a peça já viu como um pinguim anda?, com textos de minha autoria

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Estréia hoje no Teatro Novelas Curitibanas a peça Já viu como um pinguim anda? ou Cuidado, um abismo nublado pode estar tramando algo inimaginável.
Direção: Fátima Ortiz.
Elenco: Alexandre Bonin, Amaranta, Julyana Spriscigo, Pedro Bonacin e Vanessa Corina.
Textos: Luiz Felipe Leprevost.
O trabalho é uma criação do Círculo de Encenação e Pesquisa Pé no Palco.
Acontece de quinta à domingo, às 20h.
Informações: (41) 3029-6860.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

manual de putz e pesares

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Quem é ingênuo?
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Ela decide matar o Senador ela sabe que não passa de
uma mulher de salto alto, reumática, de cinta-liga e
com estrias, viciada em notas de 50 e em pagar boquete para
poderosos debaixo da mesa, no escritório
às 10 da manhã a pior coisa que fez em toda sua vida foi
ter se mudado para Brasília afim de continuar
prestando serviços ao Senador ela sabe que não
passa de uma embarcação pirata singrando o
macio das línguas de outros engravatados em
boates com espelhos no teto e sofás vermelhos quando
já acabou o expediente ela não almeja dores, mas sustenta
o câncer da praticidade bebe doses de tardes
derrubadas nos fundos dos edifícios, desavisada, entre latões
de lixo, restos de comida e as entranhas dos
gatos sarnentos mais combalidos, é péssimo
o lugar em que mora ela decidiu que vai mesmo fazer
isso que está indo fazer ela desistiu de tudo, de tanto que
dinheiro compra dinheiro, de tanto que o que reluz retém o
escuro, de tanto que se fosse uma atriz
de cinema bastaria Don Corleone estalar os dois dedos
indicando quem deve fazer o serviço e quem vira
comida de verme por isso adoeceu a valer ela
compreendeu que o que sobra relampeja e agora
o que a seduz é uma Beretta 92 que ela viu na
internet empunhada com firmeza isso, e não seus sonhos
de felicidade é hoje e agora ela vai arrasar já está no
apartamento do Senador em pensamento reproduz um
diálogo tirado de um filme que assistiu
tem muito tempo: Você é ingênuo, senadores e
presidentes não matam faltam dois minutos para
as 8 horas quando ela entra no quarto
do Senador ele ainda dorme é uma sexta-feira
Quem é ingênuo, Kay? esse é um diálogo que ela
gosta, dá coragem para fazer o que está fazendo o
Senador não quer acreditar, mas quem disse que há
tempo para o espanto? Você? Eu mesma ela fez um
pacto, agora chegou sua vez não é ela quem dá o
beijo na boca do Senador sussurrando Você é meu, mas o cano
da arma ouve-se o tiro ela está tranquila só não
sabe em quem votar nas próximas eleições.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

domingo, 18 de julho de 2010

notas para um livro bonito

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.....Tem vezes que a chuva atravessa as calhas de meus olhos e eu sequer reparei. Tenho um cinza enclaustrado na pupila e não espero que ele vaze. Todo desertor é alguém de gelo. Não consigo sorrir sem rachar os lábios. De que serviriam hoje submarinos em Vila Velha? Claro que teus passos se fazem movediços. Mas você caminha. Coisas invisíveis nos residem como micro insetos dentro de frutas. Muitas vezes o vazio nos serve melhor como panos quentes. E quando as mãos abanam sabemos que faz calor ou um adeus meio bobo.

sábado, 17 de julho de 2010

uma epígrafe

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...acha que quando chegar nós vamos trepar
e não sabe que na verdade nós vamos mesmo
é fazer amor. Amor de cólera e doença e
carne e saúde e sangue de vida. Nós vamos
sofrer juntos como devem fazer os que amam
e vamos gritar de dor e se beijar e
molhar a boca com saliva e sangue
contaminando de raiva e de vida.
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Botika
Uma Autobiografia de Lucas Frizzo

sexta-feira, 16 de julho de 2010

fragmento de a neve não tem gosto de algodão doce

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.....Com o cheiro do café, Nanda acorda. Vem para sala enrolada no edredom. Seus olhos vermelhos de sono feito maçãs em chama. Meu coração é um paúl, um ninho de hematomas melhorando aos poucos. Cinco anos... e agora ela está aqui.
.....Como é que você consegue desenhar, Júlio?
.....Não consigo mais, esses são os piores desenhos que já fiz.
.....Então ela: Todas as vezes que tentei fazer um desenho eu estava chorando.
.....Podia ser pior, digo.
.....Os olhos dela se turvam, há chuva dentro dos olhos de Nanda. Ela está em silêncio. Eu, em pânico.
.....Júlio...
.....Deus, como ela é doce ao chamar meu nome.
.....Oi.
.....Me conta o fim... com um desenho.
.....Não dá, sou incapaz de desenhar nossa história até o fim.
.....Nossa história é um osso fraturado, Mr. Karneval.
.....Pode ser.
.....Ficamos um tempo em silêncio. Depois ela diz: Vou ficar poucos dias em Curitiba, Júlio, depois volto pro Rio, você sabe disso, né?
.....Lá fora faz sete graus. Estou desconcertado, isso é... Eu e minha garota novamente, frente a frente. A encaro por alguns segundos, esboço um sorriso.
.....E o Rio?, puxo um assunto qualquer, como vão as coisas por lá?
.....Do mesmo jeito, diz ela.
.....Fedido e lindo?
.....Engraçadinho.
.....Não é basicamente isso a Cidade Maravilhosa?
.....Claro que não é basicamente isso, você é um exagerado, ela sorri, dá um gole no café.
.....Sorrio junto. E ela pergunta: E você?
.....O quê?
.....Não sente saudade do Rio?
.....Às vezes.
.....Do quê?, ela mastiga a broa, fala de boca cheia.
.....Sei lá, de algumas pessoas, sinto mais saudade dos amigos do que da cidade.
.....Sei.
.....Você encontra alguns amigos meus de vez em quando?
.....Você não tinha “alguns” amigos, Júlio.
.....Uma meia-dúzia deles eu tinha.
.....Você tinha o Eldorado.
.....Ficamos um tempo quietos recordando a figura de ÉL.
.....Você gostava dos chopes que ele vivia te pagando, isso sim.
.....Que maldade, Nanda.
.....Maldade é?
.....Eu gostava da companhia do ÉL, das conversas, da sabedoria dele.
.....Dos discursos despropositados, ela diz isso fazendo um movimento grandiloquente como que mimetizando o modo com que ÉL se expressava.
.....Verdade, Nanda, eu adorava os surtos dele.
.....Ela concorda: Ele era divertido às vezes.
.....O melhor ÉL era aquele das cinco da manhã aos berros no Baixo Leblon... Você tem visto ele?, pergunto.
.....Encontrava de vez em quando com ele no Baixo, um dia nos cruzamos na praia.
.....Você detestava ele, Nandinha.
.....Não detestava não... Eu só detestava encontrar vocês dois podres de bêbados.
.....A gente vivia podres de bêbados... Você tem visto o ÉL?
.....Nanda subitamente entristece. Sua boca retraída parece não querer dizer a frase “ÉL morreu”.
.....Como assim, quando, por quê?
.....Faz três meses, confirmou Nanda.
.....De repente me assalta uma lembrança ruim, a de um ÉL sombrio, não o de sempre, mas o que às vezes me perturbava. Como daquela vez num fim de madrugada, numa Lapa suja e coberta por escuridão silenciosa, quando ele me perguntou quanto tempo eu achava que ele levaria para se auto-destruir, caso resolvesse.
.....O quê, que merda cê tá falando, ÉL?
.....Se eu quisesse morrer, mas não tivesse coragem de me jogar do prédio, ou dar um tiro na boca, quanto tempo?
.....Sei lá, experimenta, burro.
.....Falando sério, Júlio, sem cinismo, quanto?
.....Que papo aranha é esse?
.....Eu posso me drogar.
.....Você já se droga.
.....Posso me drogar com método, se eu fizer isso, cê acha que em seis meses consigo acabar com minha raça?
.....Talvez fumando crack.
.....Com esse ÉL auto-destrutivo na cabeça volto para Nanda: Como foi que ele se matou?
.....Overdose.
.....Que merda.
.....Ele foi encontrado dentro do carro.
.....O carro era um conversível da década de 50, lataria vermelha, que mantinha polido com esmero. Uma pequena relíquia, dizia ÉL. Ficava no segundo piso da garagem subterrânea de seu prédio em Ipanema.
.....Fazia um calor de fornalha na hora em que ele foi achado pela zeladora enquanto lavava a garagem. ÉL estava sumido há dois dias. Devem ter pensado se tratar de mais uma de suas extravagâncias. ÉL vivia se hospedando em hotéis da Lapa. Às vezes ficava uma semana por lá. Eu perguntava o que ele estava fazendo afinal de contas. E ele: Pesquisando, pequisando, meu caro, Júlio.
.....E o livro, ÉL, quando fica pronto?
.....Tenha calma, moleque, ele chegará no momento certo, cada coisa em seu tempo e lugar.
.....Mas o livro de ÉL nunca apareceu. Nunca sequer li uma página que fosse do seu trabalho. Chego mesmo a acreditar que não havia livro nenhum. E que as pesquisas de ÉL diziam respeito mais a prazeres que ele devia proporcionar a si nessas aventuras do que outra coisa.
.....Então Nanda me diz uma frase que conheço bem, é uma frase de ÉL: Tudo o que ainda não foi experimentado atrai.
.....Não dá para dizer que ÉL não produziu literatura.
.....Quanto a frase do ÉL, você tá certa, Nanda, só não sei o que você veio fazer aqui em Curitiba.
.....Como assim “não sabe”?
.....Eu e ela já nos experimentamos à exaustão, segundo a frase de ÉL, não deveríamos mais nos sentir atraídos um pelo outro.
.....Estamos fazendo nosso papel, Júlio, só isso.
.....Que papel?, pergunto.
.....E ela: O de refutar as teorias dos filósofos que nos antecederam.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

faces

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Lynn Carlin em Faces (1968), de John Cassavetes

quinta-feira, 1 de julho de 2010

notas para um livro bonito

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Mensagem de despedida
ou Boa nova
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Conheci uma garota que não é dessa cidade
e que muda de cor
e produz minúsculas chamas saídas pelos poros
quando está acasalando.
Ela me disse que todas as mulheres
lá de onde ela vem
são assim.
Já encarei como algo problemático
em mim
isso de ter uma índole científico investigativa.
Digo, de querer mesmo tirar a prova dos nove
de tudo que existe (e até do que não).
Mas nesse caso é diferente,
porque até que estou curtindo a idéia
bem mais do que sempre curti as minhas,
digamos,
obrigações de cientista.
Veja bem, precisarei ir a fundo
para confirmar se isso é um fenômeno isolado
ou algo da biologia das moças daquela região do país,
tão distante daqui.
Infelizmente durante o tempo da pesquisa
ficarei incomunicável.
Quero dizer, não poderei sequer enviar notícias,
abrir e-mails, facebook, tuiter, nada.
Peço desde já que os familiares e amigos
não se preocupem
e sejam fortes.
Eu sei que a saudade vai apertar,
mas também, diz a verdade aí,
minha ausência não será nenhum fim de mundo
e tampouco definitiva,
espero (tô brincando).
Perdoem a pressa, mas, bem,
até a volta.
Desejem-me boa sorte.
Se bem que, acredito, não vou precisar.
É, não me desejem nada.
Ter conhecido uma garota dessas
já faz de mim, parece-me,
um afortunado, não é mesmo?
Então é isso.
Obrigado por tudo (mesmo).
Fiquem bem.
E até um dia.
Ps. Por gentileza,
tentem manter os invejosos
desinformados dessa boa nova.