quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

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Meus estúpidos estupendos contemporâneos, desesperadamente querendo não fazer parte do senso comum. Impondo. Conquistando. Cada um o rei em sua tribo. Cada qual tão bem resolvido. É meu estilo de vida! Eu sou assim! No fim, vai que todo papel é o do coadjuvante falando com as paredes e, que remédio, o mais comum entre os comuns. Oh, parabéns, estamos tão orgulhosos.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

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na bagunça do meu apartamento de solteiro as lâmpadas têm a chama das birutas. igual a alguém que come vento, vou me consumindo. vou me consumindo como o sabonete na saboneteira. escuto falsos suspiros de falsos espíritos, e o meu espirro. criaturas e criador dividem a mesma mesa de trabalho, a mesma cama de descanso, a mesma pessoa em ensaios que escrevo sobre literatura. em outro momento, um disco soa, um avião cai, alguém leva um tiro. o desespero, borboleta sem asa, a mesma ternura. não devia haver tempo para dor. também é carnaval quando já não há o carnaval.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012


a idade é uma filha que eu tenho. e a manhã seguinte, sempre essa insistência de ressurreição.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

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Brincando nos fizemos todo o mal necessário. Julio Cortázar

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

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nunca tinha tido alguém em quem pudesse caminhar por dentro à vontade com os pés descalços.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012


fiquei bêbado dos 16 aos 32 anos. estive destroçado esse tempo todo, até mais ou menos agosto do ano passado. não sei se sou romântico o bastante. tenho simpatia por gurias com penteados tribais e roupas estravagantes (um contrabaixo acústico na mala do táxi) e pela ideia da ciclomobilidade. e por casais dançando ó jardineira porque estais tão triste descalços no salão, pisando na pasta de cerveja, confete, suor e serpentina no fim do mundo.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012



só é ilusão aquilo que não esqueço, o resto foi real. a memória resiste na umidade, no mofo que agarra onde pode. a memória, falsificadora de quadros de água, não empoça, onda que bate na orla e desmancha. o esquecimento, o que em nós foi comido por cardumes de peixes. nem é estourada feito a luz a memória nem completamente escura. pode que um espelho estilhaçado: grãos do indefinível, fagulhas de universos. é necessário ir aonde somos ínfimos, olhar cada pedaço isoladamente e, quem sabe, apalpar algo do que um dia fomos sem comparação. lembrar não doeria se a lembrança não aprisionasse o que esqueci. o desespero da memória é reinventar esquecimentos. e no futuro extremo há o fogo ou a terra com suas bibliotecas de ossos.

Acordei, abri o olho direito, depois o outro, me virei, sentei na cama, os pés no chão, levantei, lavei o rosto, mijei, apertei a privada, liguei o gás, abri a água quente, um pouco da água fria, tirei o pijama, entrei, peguei o sabonete, esfreguei, tirei a espuma, desliguei o chuveiro, abri as portas de INOX do BOX, peguei a toalha, me sequei, pendurei a toalha, fui até o quarto, abri o armário, irei as roupas, vesti as roupas, fui até a porta de saída, virei a chave, apertei o botão do elevador, o elevador subiu, abri a porta do elevador, entrei, apertei o T, o pantográfico fechou, o elevador desceu, o pantográfico abriu, empurrei a porta, ganhei a calçada, não sei onde fui, não sei mais o que, dei por mim abrindo a porta de vidro, entrando no prédio, dando boa noite ao porteiro, no elevador, no apartamento, no banheiro, no banho, na cama, fechando o olho esquerdo, depois o outro, milésimos de segundo antes de adormecer, pensando hoje eu não fiz hoje fiz hoje.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012


você esqueceu quem sou

saio da área iluminada pelo velho bocal pendendo do teto com uma lâmpada amarela e enfraquecida, dirijo-me a um lugar escuro, apenas minha silhueta, tenho um acesso de vômito, penumbra, quase não posso ser visto, agachado, respiro com dificuldades, estou vomitando o cheesburguer recheado com profecias, estou vomitando os próprios olhos, comi-os no almoço
agora me recompondo, tento afastar para o lado nacos de treva, suo, tremendo lavo o rosto e a boca na pia, um gole de água, molho os cabelos, fito o rosto no espelho e beijo minha boca fedida de vômito, como qualquer um que tenta beijar sua própria imagem, a boca a única parte do corpo que aceita o beijo
sempre ordenava aquela mulher ao censurar meus atos de criança mimada, engulo o choro, eu a enfrentarei em instantes, não me permito derramar uma única lágrima em sua frente
o cérebro não pensa, mais rápidos são meus passos, o que deu certo em minha vida? sem grana, sem talento para futebol ou violão, sem carro importado ou casa própria, apenas um exímio chupador de bocetas, por aí jogado na sarjeta, a verdade é que a gente sabe que gosta mesmo de uma mulher quando depois que goza não quer enxotá-la para fora da cama
me aproximava, ela aguarda minha chegada com ansiedade, ela tem vontade de me esganar, não pretende me conceder seu perdão, algo amargo no interior de seu peito trinca, pedir desculpas? não concordo
o corredor é longo, conheço o assoalho como ninguém, sei como caminhar para que as madeiras não rosnem, mas dessa vez avanço como se liderasse a cavalaria, as tábuas reumáticas avisavam: não entre no quarto desta senhora, parecem enxergar que em breve eu a farei dobrar as mãos, retorcerei seu coração qual se faz com uma toalha encharcada, como seu peito ainda fosse de substância penetrável e o hábito do mal não o tivesse empedernido em bronze que nem couraça, sentimentos, só resquícios
após tantos anos fora, agora em meu lar, odeio as escadas sem corrimão, as paredes frias de pedra, os quadros pendurados quase que na treva, a casa jogada às traças, a mulher em depressão avançada, posso antevê-la a chorar horrorizada no quarto
um corredor de luz sem largura ou comprimento, o corredor do casarão, avanço, não há recuo, paradas sim, estou no início do corredor com óculos escuros
uma espécie de prece, não completamente inaudível, um farelo de som, move meus lábios
ela quer escutar o que de mim, ter que provas?
sou minhas atitudes hediondos
indaga sobre o que faz minha língua vibrar contra ela com tanto ódio, degenerações que cometi, o quê?
talvez não muito, talvez demais, certamente um ato daqueles que empalidece a graça e o rubor do recato, daqueles que chama a virtude de hipócrita, daqueles que arranca a rosa da bela fronte de um amor inocente e põe no lugar um sinal infamante, um ato que torna os votos conjugais tão verdadeiros quanto promessas de viciados, uma coisa que arranca a própria alma do corpo de um juramento e transforma a santa religião em rapsódia vulgar
a verdade é que não dou à minha vida o valor de um alfinete, não estou disposto a revolver o que me trouxe aqui, não existe mais o lado de dentro e isto é o próprio caos
ela não entende, nem finge
que ato é esse, cujo simples prólogo ruge tão alto e me ameaça tanto?
mas se fomos feitos para esquecer, esqueçamos, não há conhecimento capaz de ser superior a falta de memória, o que valem ciências, literaturas, povos primitivos diante da terrível capacidade humana de acumular esquecimentos? talvez esqueçamos tanto e tudo com a intenção unicamente de preservar a sanidade, esquecer pode que seja o melhor modo da gente
atinjo o clímax, a orquestra desafina tanto que as cordas dos instrumentos se rompem e os músicos estão mais surdos que os afogados, a sanidade é uma impostora, mais cedo ou mais tarde acaba desmascarada, cruzo as janelas enormes e posso ver como a face do céu se torna púrpura, a terra sólida e compacta, aproximava-se o momento, tudo é um doloroso ar e talvez nem seja outono
ainda não sei que vim cometer um crime
não sei que em determinado momento a obrigarei sentar e lhe direi
não vai sair daqui até que veja diante de um espelho a parte mais funda de si mesma
ela achará que eu estava prestes a matá-la, gritará por socorro, escutarei a outra voz asquerosa vindo detrás da tapeçaria libanesa pendurada na parede do quarto, a voz de um rato
a raiva a correr em meu sangue, sinto nojo de mim, de todos, soa ó voz de rato, rato agora morto, fui traído, acredito fazer parte de um jogo sórdido, saco a faca que trouxe escondida na blusa e enfio no tapete da parede, o ratorosto se esconde ali, o golpe e olho dentro dos olhos de quem assassino
ah ação sangrenta e absurda, não pior do que matar um rei e casar com o irmão desse rei
adeus, infeliz, tomei-o por um ser maior, aceita seu destino
e ainda, sopro de cinismo ou pesar? tento lhe deixar partir, ser prestativo demais tem seus perigos, embora o espírito de um fraco seja capaz de se tornar esperto após a morte
o rato morreu porque contou estórias terrível a meu respeito, instruiu minha mãe, dissera-lhe para falar-me com firmeza, que minhas extravagâncias tinham se tornado demasiadas, não mais suportáveis, que minha mãe havia servido de escudo se interpondo entre mim e o ódio que suscito
pobre ratomem, conhecia-o bem demais, era um rufião, parecia-me honesto no que fazia e ser honesto é ser um em dez mil, pobre diabo, jamais foi capaz de compreender que mesmo o sol, tão puro, gera vermes em um cachorro, é curioso mas os deuses gostam de beijar carniça, puxa-saco de merda, julgou-me louco, imbecil era você, dizia-me não querer roubar meu tempo quando não havia nada que esse paspalho me roubasse que me fizesse menos falta, exceto minha vida, velho estúpido e entediante, fez minha caveira para minha mãe
escuto meus passos batucando a madeira do corredor, ela pensa
será possível que aquele garoto brincalhão tenha chegado a tal ponto? não quero acreditar, meu filho, insano? o estômago emite sinais nauseados
segundos antes de eu entrar no aposento ela abre a gaveta da cômoda, pega o vidrinho de pílulas e ingere duas, eu ainda não sei, o maldito rato está com ela no quarto, confabulam, um maricas fofoqueiro asqueroso, temendo ser pego em flagrante se escondeu atrás da tapeçaria
ela tenta controlar a respiração e se acalmar, irrompo pela porta do aposento, grosseiro, na defensiva
e agora, mãe, qual é o problema?
ela, ainda em jejum, o estômago a subir-lhe à garganta sob o efeito dos ansiolíticos, fuzila-me colérica
você ofendeu teu pai
vou esbravejar, partir contra minha mãe, mas não compreendo com que forças fazê-lo, proponho um jogo psíquico
mãe, você ofendeu meu pai
ela sabe, sou bebê mimado, garotinho com medo de escuro, adolescente aventureiro, otário romântico, nunca um adulto justo, ma debochado, cínico, espanta-se, também eu nunca havia escutado ela falar de maneira gaguejante
espera aí, espera, você está me respondendo numa língua idiota
odeio a palavra idiota porque ela me defini melhor que qualquer outra, mantenho o tom, áspero embate, ela jamais esperou isso de mim, seu filho único, que a exemplo de outros, via-se agora, transformado naquilo que Nelson Rodrigues denominou monstro de circo num cavalinho, mártir, mártir do pai, mártir da mãe
seu coração surpreendido, que lamentável surpresa, joguete psicológico infame, nos abominamos por submeter um ao outro, minha crueldade à tona, mostra as presas com veneno
espera aí, mãe, você está me perguntando com uma língua imbecil
a minha resposta a golpeia fundo, a tentativa de ver sua autoridade imposta e respeitada é vã, estar viva é um suspiro de descrença, e o pequeno impulso de leoa anestesia de pílulas, aviltada
o que é isso, Hamlet?
e minha máscara de cinismo começa a derreter, o ar de fúria entre nós se contém qual granada clamando que alguém puxe a porra do pininho
qual é o problema agora?
aproximo meu rosto, ela está prestes a ser agarrada e chacoalhada, a última gota que derramo é mais virulenta, sou um torturador medieval
QUAL É A PORRA DO PROBLEMA AGORA?
ela não se subjuga, ao contrário, posiciona-se, está pronta, macho e fêmea, búfalo macho, búfalo fêmea, ambas as testas iradas, ao ponto de derrubarmos as paredes de pedra que alicerçam nossa casa sem o crânio rachar, ela então
VOCÊ ESQUECEU QUEM SOU?
a obviedade da resposta faz com que eu desconfie de mim, será que eu realmente sei quem é ela? o quê?
responderei com a raiva, e mentindo, ela me acertou, levou-me à lona, quase, é, cambaleei, engulo seco, rasga-me a garganta, então respondo, sabendo e não sabendo o que respondo, sendo e não sendo, respondo
não, por deus que não, você é a rainha, mulher do irmão do teu marido e, seria melhor se não fosse, é minha mãe

oh beibe, dei tchau e sob a chuva vim pra casa cogitando. como posso escrever tua história de amor se dela já conheço o tudo são clichês? se dê uma chance, você diz. e apenas não posso, seria voltar atrás, por mais que suspeite que isso nunca terá fim. meu passado é um cachorro já sacrificado. não sei chorar por ele. talvez cantá-lo...? sorte que a maioria das canções têm três minutos. e é claro que todo mundo sofre um pouco (ou muito), vem da doença de ser humano. dê uma chance aos clichês, digo pra mim influenciado, mesmo sabendo que não é bem isso o que me pede. histórias simples, por que não me permitem mais entrar em vocês? ah, amigo, tenha paciência, o olhar da tua menina está desfocado dos pássaros, deixe que eles venham beber água ali e a sorte vai virar. oh beibe, se eu ainda soubesse me ver ao teu lado mais do que ensaiando uma orquestra de beijos. pra onde foi este desejo, qual dos seus dois namorados o roubou de mim?sem isso, como posso escrever tua história? sabe, acho que no fundo falávamos, apesar da calma, de viver estupidamente, escrever bestialmente, deixar-se amaldiçoar. e algo assim não pode ser tão simples. se não cuidamos, feito bichos acostumados ao cativeiro, as lágrimas se atrofiam. deixa a tristeza escorrer. se ao menos eu agora estivesse bêbado para justificar qualquer coisa, mas não, hoje não. aceito e pronto, este texto é já um clichê mal escrito. sei que você vai gostar dele.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

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veio a descoberta da biblioteca herdada de seu avô, repleta de clássicos. e um pouco depois lembro dele esperando ansiosamente a chegada das Feiras do livro, na escola. eventos que à época, por intuição eu detectava, de algum modo lhe diziam respeito. ele nunca foi bom no colégio. suas notas eram péssimas. reprovou duas vezes de ano. era rebelde. no recreio brigava até sangrar com os colegas. quantas vezes fiquei inchada, latejante. ele se quebrava na rua. sendo sua, como sofri. ele se esforçou nos esportes. em alguns até conquistou destaque. mas teve esse dia em que escrevemos uma redação que contava a estória dele com aquela menina. daí em diante só ficou mais difícil. não sei muito o que dizer, vai que a vida é distraída feito a mulher que perde o sutiã na praia entre ondas, e por imagens como esta é até legal, não é mesmo? o problema é que a solidão arma o bote. de qualquer maneira, enquanto a gente tem unhas e dentes, a gente tem ferrão. e enquanto a gente tem ferrão, está ok. a solidão arma o bote, a vida é distraída, mas arranha. eu sou apenas uma mão, dependo do resto dele para agir. não sei como ajudá-lo mais, sou apenas a sua mão. só não sabia que o fármaco fosse tão (como direi?) tóxico, e começasse (num poeta) justo por mim.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

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não eu, ele, o que invento.

a mão sua. lambo a palma salgada. olho para ela. as marcas. as linhas da vida, as que espantaram a cigana em frente ao Dentadas Pub. tenho uma machadinha comigo. lambo a lâmina, texto o corte de seu fio com a língua. suave. passo os dedos, as pontas se mancham de vermelho. a mão chora: não faça isso comigo. cale a boca. não, eu imploro. escândalos são cuspidos, ferroadas de luz, choques fedorentos. pobre mão. aplico a anestesia, ela corre o lado direito do meu corpo. com a esquerda, a morta canhota que nunca falou, a canhota inábil, seguro firme a machadinha. respiro fundo. minha testa pinga. a camisa está molhada. a canhota é a única que não titubeia. é agora! NÃO, grita a mão selvagem, apavorada. o golpe é certeiro. o barulho de veias, ossos e cartilagens, plástico que se partisse. o sangue, terracota, ensopa a página amarela do caderno aberto.

sábado, 11 de fevereiro de 2012

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Melodias de granizo
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Pianos chovem no que vai pensando a garota no trajeto que a leva para casa. O vidro do ônibus em que a diviso uma última vez mandando um beijo que contém gelado o tchau. Sei que lhe pesa no estômago as nuvens de fim de tarde do verão que a todo tempo anuncia fogo gera calor que gera tempestades. O ônibus avança na direção do subúrbio. Há poucos minutos estávamos nesse motel central. Você não pisca, não franze os lábio, não respira até que sua garota surge assim feito os segundos que antecedem a composição de uma melodia. Aí você dança, fica todo babado. No quarto, a cama com uma colcha ordinária bege com padrões roxos desenhados. O ar sufoca como a pólvora. Ela liga a televisão, filme pornô, desliga. A compressa de calor das axilas dela derretem seu coração de margarina até não restar mais que um pouco de saliva queimada, ínfima mancha no lençol. Você a lambe. Animais na noite. Saliva e gosma. Você olha para o lado: cadê? Ela sobe, some, assombra. Por que não é de outra forma? Depois que você deságua lentamente, inteiro, pede licença para a ausência e vai arranhar o espelho do banheiro até apagar a própria imagem e substituí-la. E é o apelo agora o seu rosto, que não pisca, não franze os lábios, não respira. A garota que foi sua um dia. A da ciranda dos quadris que giravam rápido demais. A dos beijos que funcionavam às vezes feito moedores de sussurros. Por ela, ainda por ela, você perde a madrugada lendo um a um os 233 e-mails que trocaram tentando entender em qual deles escreveu a frase que botou tudo a perder. Agora que os olhos dela mudaram de cor sem que você compreendesse por quais deletérios foi deixado para trás. Ainda outro dia, o nosso motel, a nossa espelunca. Pianos com melodias de granizo no que vai pensando a garota no trajeto que a leva para casa. Carregará, quem sabe, o medo das pessoas sem as paisagens do outro? Sentirá saudade? De quem, do que de nós? A chuva para. Anoitece. Agora a luz dos postes a flutuar feito a lua de dentro dos vaga-lumes. Seus olhos vão fixos nas poças d´água das calçadas de fevereiro. O ônibus chacoalha, afasta-se oito, quinze quarteirões. Ela encosta a cabeça no banco e quase dorme. E se dorme, sonha? O sonho é o corpo dela. Lá atrás, num boteco do centro, um homem bebendo cerveja cheira a ponta dos dedos. Sim, é comigo, esse levíssimo suspiro de brisa na noite que entra em alguém que embaça os olhos.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

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Dízimas periódicas
para Rogério Tostes
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Vertigem e para ela a mente era uma espécie de computador, música no ar e por dentro na musculatura tão frágil, tão frágil, tão frágil música, tão esquiva quanto central, na cidade da Lapa, naquela lindo teatro da cidade da Lapa.
Quando éramos noivos ele me levou a um concerto.
E desejo. E como voltar no tempo? E nada é inocente. E ela se virou na direção da vitrine da loja um bocado atormentada, não entendia a comoção que lhe dominara ao piano, seu olhar perdido no sol, no miolo que é o vermelho do sol, o vermelho a se pôr atrás da montanha verde musgo. Era a paisagem no enorme cartaz na vitrine de uma loja de calçados esportivos. E a matemática que também fora um esporte, mais que isso, sempre fácil, sempre ao alcance das mãos, do que desejassem os olhos, o estômago, o olfato, tudo o que se precisa para que os outros considerem como que a primeira riqueza em alguém, quer dizer,
a saúde vem primeiro, não é assim?
E tinha seu neto, o montanhista, era tudo o que queria da vida e estava longe da avó, também longe dela o seu filho, o pai do neto, e a nora, mãe do neto, viviam no interior de São Paulo, foram para lá com a garantia do emprego melhor na fábrica em que o filho, pai do neto, trabalhava, o filho engenheiro químico, bem criado por ela e por seu esposo, a nora porém uma maleducada ingrata, mas só com ela, com os demais não, a nora rica de nascença,
e eu?, perguntava-se.
Não, não tanto quanto a norinha, mas que não era nada, não para ela, apenas nora e só, e que lamentável, a nora fazia esportes e lipos e boutiques eram sua terceira casa, perdendo para a academia, a nora e sua saúde implacável, e ela, ela mesma, não a nora, ela, dias poucos atrás explicou ao médico, esportista também, o que considerava em relação a mente, sim, que para ela a mente era um sistema computacional, um tipo de computador desenvolvido qual procedimentos de seleção natural aplicada em demais campos da biologia e
uau, fez o médico, a senhora é cientista agora?
Não, não sou.
Não era, mas não que não possuísse algum talento nem que fosse o de se espantar, ao menos o de se convencer com artigos lidos na sala de espera do consultório daquele preguiçoso que fazia seus pacientes esperar mais de uma hora, e ele que não viesse agora com esse negócio de esportes, que ela estava por aqui com os esportes, e que ela era uma viúva e exigia respeito, mas o que o médico tinha com isso? Ela detestava suar, mas se era obrigada iria tentar, e o médico
ao menos trinta minutos por dia.
Ela já afinal estava com quase setenta anos.
68, retrucava.
Que seja, o médico já não conseguia ser simpático.
Ali estava ela diante da vitrine, a paisagem mais linda que vira nos últimos anos, em que país teria sido? O neto certamente estivera lá, durante todos esses anos em que ela fora absorvida pela música, o neto certamente estivera longe dela e a música, a música, a música, ela não era boa musicista, aprendeu o instrumento por ter facilidade em matemática e digitação, não por aptidão musical, ter talento não lhe coubera, esforço sim, o piano dela era um pianinho que se tornou um vício masoquista quase secreto, um secreto modo de ficar sozinha, talvez porque quando adolescente era triste e feia, era assim que se sentia e queria. Então aquele teatro da Lapa e eles fizeram amor e doeu nela, no hotel, na cama do hotel da Lapa e fazia frio e ela não queria mais estar sozinha, ele a abraçou por trás e ela soube como era bom e ela nunca mais quis que ele saísse dali e seis anos depois ele morreu, sim, enforcado, então ficaram ela e o bebê, o filho que anos depois foi embora para São Paulo estudar, o filho que tem um filho que foi ser montanhista e agora parece que está numa aventura pelo deserto beduíno, e ela mais sozinha do que nunca, sem talento para música, tendo para si somente a música e de si a música a oferecer. Dava aulas particulares por prazer, não pelo dinheiro, ela era pianista e não precisava de dinheiro, seu pai , querido pai, deixara uma pensão gorda, seu gordo pai, bondoso pai que permitiu que ela fizesse o que gostava e nada mais desde pequenina, seu pai num escritório bonito, duas poltronas de couro, poltronas marrons, onde ela ia dormir toda encolhida com seis, cinco anos e agora era ela ali naquele shopping impessoal onde trabalhava, talvez não dê para dizer que fosse um trabalho, de pianista, talvez chamar de hobby, muito mais, por que estas lágrimas logo agora aqui no shopping como nas épocas da poltrona do pai? Não fosse a boa aposentadoria herdada. Couro marrom, e sua mãe vindo lhe chamar, sua mãe vindo em silêncio, ela está neste shopping uma vez por semana, todas as semanas, faz sua caminhada diária, e no dia em que vem ao shopping a caminhada é vir ao shopping, é vir da Praça do Japão até o shopping. Para ela aqueles eram bons dias, ela não tinha do que reclamar, fazia sua caminhada, o médico sorria na consulta e pronto, não tinha do que reclamar e não reclamava, os dias em que ia voluntariamente tocar no shopping, na ala reformada, na parte nova,
eles colocaram um ótimo piano, a acústica é uma tetéia, ninguém presta atenção.
Ela seguia em seu masoquista prazer, e voltava de táxi para casa uma hora e meia depois de ter sentado e feito soar a primeira nota, a administração do shopping não permita que ela tocasse mais do que uma hora, depois ela fazia um lanchinho na praça de alimentação ou no café que fica ao lado do piano. Naquela tarde sua mente, seu computador, estava diferente, era uma máquina velha, cansada, ela sabia-se um cacareco, estranhou quando certas lembranças
sabe-se lá porque
surgiram, eram verdadeiras punições, foi por isso que abandonou o piano tendo tocado nem mesmo trinta minutos e caminhou perdida pelos corredores imensos, e parou diante da vitrine com a paisagem do sol se pondo. Dias antes tinha decidido só pegar o táxi, o táxi de sempre, para o qual nem precisava ligar, pois havia um combinado entre ela e o motorista, às 16 horas em ponto na saída da Sete de Setembro, mas se ela precisasse dele antes era só ligar, ele estava à disposição, talvez fosse um amigo, talvez apenas um homem cordial, além disso ela precisava respirar, respirar, puxou o ar, encheu os alvéolos, respirar antes de tomar qualquer atitude, respirar enquanto as lágrimas continuavam vindo, o sal molhado que desde aquele momento ao piano lhe subira, as lágrimas vinham de alguma reentrância de há muito, ela via agora, falsamente esquecida, comprovadamente insuportável, era tão claro que nada, nada estivesse solucionado, seus antepassados insistentemente vinham ter com seus contemporâneos, as imagens despertadas pelo Noturno que tocara, aquelas imagens eram tudo o que ela enxergava, liquefaziam-se em suas lágrimas, sua mãe como um borrão, sua mãezinha tão frágil, lábios finos sem que soubesse mais se bonita ou não, os olhos do pai fugidios mas intensos,
qual a cor dos olhos de meu pai?
Não lembrava, só sabia do marrom da poltrona, sua mãe fundindo-se com a poltrona, e o pai
o amor é gratuito ou não é amor.
O pai o pai o pai agora sem olhos sem olhos, seus neurônios, os dela, nunca lhe tiveram amor gratuito, apenas o amor do
toque o piano para as tias e os primos.
Ou
vamos vamos você tem que estar bonita para o recital.
Ou ainda
esta vai ser concertista.
As imagens chegavam em profusão enquanto executava seu Chopin, os que foram aprendidos como fossem dízimas periódicas, por isso precisou sair correndo do piano, e então a paisagem da vitrine, por que ela estava ali diante daquele horror da natureza que é o sol se pondo, horror, sim, para os sensíveis como ela, para os que não o desprezam em seu movimento de diário desaparecimento, horror horror horror para os que temem a noite, para os que não tem ninguém a lhes esperar em casa, por que ela parou justo ali? Por que sentia outra vez sua vida inteira aos pedaços, mas ainda assim num fluxo de tempo que não contente em envelhecer as cenas apenas uma única vez ao longo da vida, passava agora a imprimir uma velocidade em padrões incessantes como a de um carrossel vertiginoso que lhe obrigasse uma súbita consciência de si mesma. Fechou os olhos talvez por muito tempo, talvez nem mesmo o tempo de uma piscadela, quando os abriu, mais do que os abriu, arregalou-os, o sol estava quase sumido, o fim da tarde com seu azul escuro já passava a preencher a paisagem, como se um balde de tinta houvesse sido jogado contra a vitrine da loja de calçados e a tinta escorresse para dentro da garganta de seu neto montanhista talvez perdido no deserto beduíno sem água e comida, logo o neto que amava a humanidade, o neto que amava todas as nações, o neto que se sentia cúmplice e irmão de todos os homens e, sim, talvez naquele momento ela estivesse compartilhando algo com o seu netinho, por isso ela o odiou tanto, ela o desprezou com todas as forças do coração que lhe restava, fazia muito frio, ela suava, ela detestava suar, sentia-se vasta e secando por dentro, sua mãe apareceu novamente, monstruosa mãe lhe flagrando na poltrona do escritório nua aos 14 anos bulindo na xexeca, esfregando-se no áspero couro, quanto mais a menina de 14 anos que ela fora ficava excitada, ela, a velha pianista de agora, sentia mais frio, e seus olhos se quebraram assim como fossem taças muito muito finas, e o calor da menina ia se esfriando sob a enormíssima mão da mãe, e aquele teatro na Lapa de seu primeiro amor entrando nos Noturnos de Chopin, e as vozes das pessoas no shopping ao seu redor no deserto
a senhora está bem?, chamem um médico!, aqui!, alguém!

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

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Aquela fofura
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Meu irmão entra na sala chorando, desesperado. Não entendo o que ele fala. Nem o que a empregada dos seguidos ai meu Deus, ai meu Deus, ai meu Deus. Levanto e vou para fora. O motorista do meu irmão está pálido: ele veio atrás da gente, eu não vi e. O carro do meu irmão é uma Mitsubishi Pajero. O motorista: eu dei a ré e ouvi o grito. Boa noite, senhoras e senhores. Desculpem o atraso, tive um imprevisto um pouco antes de vir para cá. Comecemos sem mais demora nossa... O corpo estendido na calçada com sangue. Dentro de casa, meu irmão chora e fuma. Ele tem uma reunião, liga para a secretária pedindo que avise que vai se atrasar. O motorista pega um saco de lixo desses pretos e coloca o corpinho dentro. A empregada é só ai meu Deus, coitada da sua mãe, ai meu Deus, ela vai ficar arrasada. Não sei o que fazer. Meu irmão liga para meu outro irmão. Meu irmão entra na sala chorando, desesperado. Não entendo o que ele fala. Meu outro irmão é prático: enterrem. Onde? Aqui em casa mesmo? No terreno baldio aí da frente, vou mandar um funcionário meu para ajudar, diz meu outro irmão. Sinto muito, mas não consigo. Se não for um transtorno, gostaria de transferir esta reunião para quinta-feira. Estou realmente abalado. Perdoem as lágrimas. Pensamos mesmo que não nos acostumaríamos com ele. Mas desde o primeiro dia sua presença iluminou a casa. Peço para empregada me ajudar a encontrar uma enxada. Ele tem uma reunião, liga para a secretária pedindo que avise que vai se atrasar. Meu irmão e o motorista. Precisam sair. Ele tem um compromisso importantíssimo em alguns minutos. O motorista do meu irmão é um sujeito agilizado. O motorista do meu irmão está pálido. O motorista: a ré, o grito. O tempo de eu vir até a cozinha beber um copo d´água e voltar e o motorista está enterrando o saco preto no barranco do terreno baldio. Aí não, eu digo meio puto da cara, na primeira chuva que der ele vai ficar exposto, vamos fazer direito. Vou buscar a lanterna do meu pai. Vou. Volto. Subimos o barranco do terreno baldio. Vencemos o arame farpado e eu começo a cavar. Meu irmão aparece: precisamos ir. O motorista do meu irmão é um sujeito agilizado. O motorista do meu irmão está pálido. O motorista desce o barranco. No mesmo momento chega o funcionário que meu outro irmão mandou pediu enviou para ajudar. Foi minha mãe, acompanhada do meu sobrinho, quem o trouxe. Disse que bateu o olho e se apaixonou. Meu outro sobrinho o batizou: O funcionário sobe o barranco e ai, coloca a mão no rosto. O pedreiro que trabalhava numa obra vizinha à nossa casa desce a rua empurrando caindo de bêbado sua bicicleta: o que foi, você está bem? Ai, ai, aiaiai. O que aconteceu?, pergunto parando de cavar. Rasguei o supercílio no arame farpado, fala o funcionário. Leve ele para o hospital, vou eu mesmo dirigindo para a reunião, você se vira aí sozinho, né, será que o vizinho não pode dar uma força, hein vizinho, depois me lembre de dar uma boa recompensa, diz e diz e diz meu irmão dando ordens a cada um de nós. Daí entra na Pajero e vai. O pedreiro sobe o barranco e vem ver o que estou fazendo. O motorista entra em casa e pega outro carro, uma Mitsubishi Pajero. O funcionário entra na Pajero. Daí entra na Pajero e vai. Estou tão mal, não consigo nem pronunciar seu nome. Não sei como pôde acontecer. Uma fatalidade inacreditável. No mesmo momento chega o funcionário que meu outro irmão mandou pediu enviou para ajudar. E eles partem rápido para o hospital. O que tem no saco?, é a voz do pedreiro. Não interessa, respondo. Vamos enterrar no terreno onde moro, aqui você não vai conseguir cavar, tem muita raiz, é muito difícil cavar onde tem tanta raiz assim, lá na obra tem um buraco pronto já. Descemos a rua carregando o saco. O buraco em que ele larga o saco está cheio de entulhos. Vamos enterrar no terreno onde moro. Temos que cobrir com terra, eu digo. Amanhã eu faço isso, pode ficar tranquilo. Fazia apenas uma semana que estava conosco. Tinha tomado banho à tarde. Depois ficou um tempo deitado com meu irmão no sofá. Brincamos um pouco. Ele fez coco no lugar errado. Tudo isso era um novo modo de convivência para mim, que nunca antes... Não estou gostando nem um pouco de como o pedreiro conduz a operação. O pedreiro que trabalha numa obra vizinha à nossa casa desce a rua empurrando caindo de bêbado sua bicicleta: o que foi, você está bem? Não acho que seja digno abandonar o saco em tais condições, no meio dos restos de uma construção. Prefiro não enterrar ele aqui, eu digo. Ah, então amanhã eu levo para um lugar melhor, mas vou precisar de um troco, porque vou perder a manhã toda de trabalho. Maldito meu irmão que vive oferecendo recompensas. Não vou deixar o saco passar a noite nesse buraco. Ele dorme comigo no barraco e amanhã eu enterro direitinho, pode ficar tranquilo. Não, vou enterrar lá em cima, onde já comecei a cavar. Subo a rua carregando o saco. Meu outro irmão é prático: enterrem. Peço para empregada me ajudar a encontrar uma enxada. Onde? Aqui em casa mesmo? No terreno baldio aí da frente, vou mandar um funcionário meu para ajudar, diz meu outro irmão. Subo o barranco. Venço o arame farpado. No mesmo momento chega o funcionário que meu outro irmão mandou pediu enviou para ajudar. O funcionário sobe o barranco e ai, coloca a mão no rosto. Pego a enxada e volto a cavar. Eu podia sentir sua felicidade, por isso me sentia feliz também. Sua alminha vibrava com a nova vida. Tinha apenas cinco meses de idade. Tivemos que enrolar seu corpinho branco com um pano. E o colocar num saco plástico preto. E lavar a calçada. O pedreiro ao meu lado não para de falar. Não entendo bem o que vem da sua língua entorpecida. Talvez ele estivesse um pouco certo, o terreno é sim cheio de raízes. Talvez ele estivesse errado, as raízes são superficiais. As raízes são superficiais, digo a ele, você estava errado. Nunca falei nada sobre raízes, onde você quer chegar com isso? Consigo vencê-las, abro um buraco de uns setenta centímetros. Fico na dúvida se devo tirar o corpo do saco. Enterra com o saco mesmo, diz o pedreiro. Num instante estou acertando a cabeça dele com um golpe de enxada. Noutro, estou tendo dificuldade de enterrá-lo junto com o saco, o buraco é pequeno para dois corpos. As luzes da casa ao lado se acendem. Alguém nos olha um tempo da janela. Cubro tudo com a terra agora fofa, finalizo o serviço. Desço o barranco com a enxada nos ombros, todo sujo, suando. O pedreiro bêbado grudado em mim qual um zumbi, falando sem parar sobre raízes. Me livro dele com duas notas de cinquenta: descanse a manhã toda, a tarde venha buscar a recompensa que meu irmão prometeu. Estou muito triste. Preciso sair daqui. Quinta-feira nos veremos novamente. Perdoem o seu diretor. Boa noite a todos. Entro em casa, dou a enxada para a empregada. Vou tomar um banho, falo para ninguém. Arranco as roupas. Espero a água esquentar bem e mergulho na ducha. Aquela coisinha linda e indefesa está no sofá comigo minutos antes de meu irmão entrar chorando na sala. Aquela fofura tinha acabado de voltar do banho, tão limpinho e cheiroso. Dou a enxada para a empregada com seus ai meu Deus, coitada da sua mãe, ai meu Deus, ela vai ficar arrasada. Aquela fofura.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

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"São muitas as exóticas gangues invisíveis nessa cidade. São inúmeros os objetivos, as formas como se movem, os planos que traçam e as formas como comemoram quando uma missão é cumprida com êxito. São inúmeros os uniformes, códigos de comunicação e transportes usados pelas exóticas gangues. Cientistas sociais descabelam-se à procura de explicações teóricas para o atual crescimento espontâneo de diferentes vertentes e segmentos e crenças que fluem líquidas nas veias desse fenômeno urbano. As pessoas andam nas ruas com medo de um ataque repentino ou de uma ameaça catastrófica ou de um elogio repentino ou de uma explosão estética fisicamente inviável. A polícia está atenta e vigia cada passo de quem é suspeito. Inventam que acontecem reuniões nos esgotos da cidade. Que seu próprio filho pode estar envolvido. Que os líderes são muito inteligentes e convincentes. Que esses líderes recrutam os mais jovens e formam legiões de firmes conceitos convincentes e estufados peitos orgulhosos. Há um clima calafrio na hora noturna que a cidade, tremendo, acolhe. Dizem que, nas escolas, professores impoliticados trocam bilhetes com alunos esquisitos. Que já está montada uma rede mundial de exóticas gangues. Que um dia todas elas vão atacar de uma vez só e esse dia vai marcar a história da humanidade. Dizem que já está riscado a lápis no calendário o dia em que a gordurosa rede de gangues atuará sobre o asfalto gelado em que deslizam os pneus de nossos veículos infames. A população se tornou mais caseira e acanhada num andar trêmulo de palavras trêmulas." Botika - Búfalo.