segunda-feira, 28 de maio de 2012

quero ter esta fé, de que vim ao mundo para me despir, não para me vestir. todos os nossos pertences no meio da rua. o que são os preços para quererem tocar o ar? invocações das dimensões incógnitas da vida, venham para mim. eu sou louco, quero atravessar objetos. quero dançar com você.

segunda-feira, 21 de maio de 2012


Crítica publicada no jornal O Tempo, sobre minha novela E se contorce igual a um dragãozinho ferido.

A decadência do amor
por Luciana Romagnolli
O Tempo, 12/05/2012
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Luiz Felipe Leprevost é figura conhecida no ambiente cultural curitibano, onde reverencia com o devido deboche a tradição literária e a verve de Paulo Leminski e outros conterrâneos seus nas conversas em cafés e bares, enquanto trama uma nascente obra autoral, que se insinua por teatro, prosa e poesia.

Seus escritos rotineiros estão no blog Notas para Um Livro Bonito. Livros mesmo, já conta cinco, como "Manual de Putz sem Pesares" (2011), ora sucedido pelo lançamento da novela "E Se Contorce Igual a um Dragãozinho Ferido" (Arte & Letra).

Neste pequeno volume, Leprevost cria um protagonista-narrador que (tal como o autor fez anos antes, para estudar atuação) se lança ao Rio de Janeiro, deixando a fria capital paranaense.

Sua ambição na cálida cidade, porém, é imprecisa. Julio é ilustrador, fracassa em alguns trabalhos, mas sobrevive mesmo é da mesada da mãe. Algo que, para ele, não parece ser problema maior do que alguns atrasos no pagamento à senhora de quem aluga um quarto.

O jovem erra pelo Rio imantado pela paixão por uma atriz também medíocre, Nanda, com quem se envolve num caso amoroso desencontrado e obsessivo. Sem vocação para grandes atos de transgressão nem para mais profundos questionamentos - ainda que sua inquietação seja evidente, a desesperança é maior -, ele é atraído pelo submundo e pela decadência.

Frequenta bares sujos, tem como amigo um pretenso escritor de sabedoria delirante, faz (ou impõe - difícil dizer) favores sexuais à senhoria, vai à sarjeta por um coração partido. Sempre como quem não se encaixa nem entre os grandes nem entre os pequenos, vencedores ou miseráveis - por mais que veja com mais romantismo esses últimos.

Leprevost conduz a narrativa fraturando o tempo na época em que Julio vagava pelo Rio e no momento quando, já de volta a Curitiba, é novamente procurado por Nanda. Minúcias do cotidiano e das cidades permeiam os dois tempos - com a distinção de que, em sua terra natal, Julio se entrega a um relato mais desconexo e poético, feito de lacunas e silêncios.

A escrita do autor recorre a uma vastidão de citações, como a hora em que Julio "salva" Nanda: 4h48 - referência direta a Sarah Kane. E se torna mais interessante quando mais se distancia dos clichês para elaborar metáforas ricas de sentidos e sensações. Aliás, as quais ele não hesita em acompanhar das observações mais rasteiras.

http://www.otempo.com.br/noticias/ultimas/?IdNoticia=203197%2COTE&busca=leprevost&pagina=1

quarta-feira, 16 de maio de 2012


Estou tão bem física e (que seja) espiritualmente e ali se aproximando mais e mais de meu nariz o imensurável sofrimento do homem. Como bons amigos birrentos que vivessem inflados de indignações a discordar e há muito não se vinham (é vinham mesmo), ou se vinham era porque estivessem a se negarem vir, sorrimos um para o outro nem sei se com a ternura e o cinismo ocupando a mesma boca em cada um de nós.

quinta-feira, 10 de maio de 2012


Abro a porta e entro. Fim de tarde, não bate sol, o apartamento é um freezer. Acendo a luz. Largo o saco de pães na mesa de toalha florida. Tiro a japona. Passo a mão no excesso de água da cabeça. Enxugo na calça. A xícara. Abro a garrafa térmica e me sirvo. Arranco um pedaço do papel toalha. Assôo o nariz, estou gripado. O corredor e o escuro quarto. Olho uma foto minha em um dos porta-retratos: três anos de idade, bermudinha preta, coxas grossas, joelhos engruvinhados, meias brancas, sapatos tipo botinha ortopética, camiseta azul escura por baixo do casaquinho de fio. Em outro, o meu aniversário de nove anos. Todos nós sujos e suados de correr pela chácara, terreno protegido por pinheiros. Finais de tarde úmidos de sereno, com a pândega de quero-queros tristes dentro do rigoroso inverno. E as lavagens dos porcos que a gente fazia com os restos que sobravam dos restaurantes do bairro. Nauseavam-me. Gostava de olhar a geada pela manhã. Eu não chorava, nada no mundo era uma resposta. Vô Breno nem bem acordava e eu: por que temos que preservar essas bobagens arcaicas, o mundo não é mais assim, existe o açougue, por que temos que criar porcos e então matá-los? Para sobrevivermos. E a temperatura baixando cada vez mais. Eu demorava até me decidir mover da cama, meus membros a trincarem como gelo. Na foto estou comendo pão com linguiça e meu pai a beber com obstinação, Tadeu segura uma bola de couro com os pés e ao fundo Elza da um tchauzinho enquanto ia arrumar os talheres na mesa, colocada no jardim. Neste aniversário, vô Breno me deu uma caixa de ferramentas. Aos poucos a fui equipando. Era um investimento à médio prazo. Tadeu e Camilo, quando chegaram nesta idade, também ganharam as suas e rapidamente aprenderam a diferenciar os tipos de madeira. Aprenderam como protegê-las para que não estragassem. Quando uma vez a tábua da cozinha onde eram amassados os pães quebrou, Tadeu, de um dia para o outro, confeccionou uma nova, de qualidade superior a que havia estragado. Ele se vangloriava por saber confeccionar banquinhos, criados-mudos, armários com perfeição. Mesmo que ninguém perguntasse, explicava, repetindo ensinamentos do vô Breno: a madeira, apesar de sólida, é de fácil manejo, é elástica, está viva. Como marceneiro a única coisa que consegui fabricar foi um banquinho com pernas assimétricas. Gostaria de falar mais detalhadamente sobre a tradição de marceneiros na família. Mas não saberia. De vô Breno, sim. Ele era mais carinhoso que um edredom. Distribuía abraços e sorrisos. Vô Breno era uma árvore, cada passo seu movimentava raízes. Esta árvore, um marceneiro primoroso. A marcenaria é dar forma à loucura da natureza, dizia. Este aniversário ficou marcado porque incendiamos o galpão da chácara. Tadeu roubou um charuto do meu pai: é o meu presente para você, me disse. Chupei o charuto e tossi feito um tísico. Quando voltei a mim, o fogo crescendo nos fardos de jornais que minha mãe armazenava para o inverno. Com uns vinte fósforos acesos ao mesmo tempo, Tadeu tinha feito o estrago. Meu pai roncava os efeitos do vinho no sofá da sala. Vô Breno colocou as mãos na cabeça e só as tirou depois que a situação foi controlada. As mulheres da casa, foram elas que, com baldes e a mangueira do jardim, não deixaram o incêndio se alastrar. Ninguém se feriu. Eu levei toda a culpa e Tadeu saiu de vítima. A memória é um galpão incendiado. A saudade, as cinzas. Meu quarto está uma bagunça. O apartamento precisa de uma faxina. Tiro os tênis, me dispo. O frio, agulhas menores que pulgas, a me entrar na pele. As meias ficam. Um pouco depois da época das bermudinhas pretas, ficava descalço no inverno para afrontar os pais. E vó Bia nervosa, para minha mãe: olha o menino pisando no chão gelado, Gica, vai ficar doente. Vó Bia, seus olhos tão claros, as mãos leves. Gostava da textura de sua pele. Visto o pijama. Nada guarda mais o meu cheiro que este pijama. Nunca gostei de usar roupas limpas, escondia-as para que Elza não as lavasse. Era como se sem aquelas roupas e o cheiro que nelas ficava eu nunca mais pudesse saber quem eu era. Vou até o banheiro, só agora lavo as mãos. Assôo o nariz com a água da pia. Enxáguo o rosto. Olho-me no espelho, tão distante dos porta-retratos.

sexta-feira, 4 de maio de 2012


olha para si como para uma tela em que se entra. dentro do frio faz frio, dentro da dor, dor. o instinto não é uma casa, é uma selva. o instinto, carnaval do sangue, festa da fera. olha para si, entra e fica. exala, morde, o instinto e sua falta de bom-senso. o corpo não escolhe, não é no humano o que se confessar. o corpo não sabe que o amor se chama amor, que a culpa responde por tal conceito. o caos clama. a violência clama. a paixão tem os pés invertidos a funcionarem assim: caminha-se numa direção, chega-se em sua negativa. olha para si qual em alguém entrasse: escuridões que mordem, bisturis da bruma. o medo é por aqui ao encontro do instinto e não ser possível ir mais rápido que as próprias pernas. nada profundo, superfície apenas e que nada espelha. vem, senta, do dentro talvez fora assiste o que você é.

quinta-feira, 3 de maio de 2012


a saúde íntima equivale ou não a saúde pública (isso não é uma pergunta). onde, aliás, o tempo das perguntas (inclusive as tolas)? há um resumo que diz: escovou os dentes direitinho hoje? depois, como pedir desculpas sem que nos pesem as irresponsabilidades da injustiça? na hora do recreio, na escola, a gente costumava comer sagu e brincar de esconde-esconde (aí alguma saúde, tão íntima que era de todos). ou então, nomear uma a uma as escuridões, uma a uma as escuridões na escuridão (eis um método para a iluminação pública). não, somos mais o abilolado que passa madrugadas a chutar o poste com a lâmpada acende apaga, acende apaga. ah, pode mesmo que não exista o diabo. então, quem é esse que tanto gira com fúria de abocanhar o próprio rabo (não é uma pergunta). batam os copos: tim tim.