segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

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"Curitiba tem uma cena dramatúrgica de ponta, de textos sofisticados. Só há paralelo a isso no melhor da cena europeia. Não tenho dúvida de que, em dois ou três anos, Curitiba estará para o teatro o que foi Seattle para o rock nos anos 90", afirma o dramaturgo Roberto Alvim.
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Ótimas notícias sobre o
Núcleo de Dramaturgia do SESI - Paraná
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sábado, 29 de janeiro de 2011

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Leopoldo Scherner - foto de Antonio Costa
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Nênia para ninar Leopoldo Scherner
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Quando um homem se faz Ícaro,
é justo que o céu lhe seja dado,
ou no mínimo um púcaro búlgaro
pois quem tem sede será sedado.
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Ao homem Leopoldo ainda resta vida.
Por que chorar sobre a cera derretida?
Chorar? Antes sonhar: não custa nada
num naufrágio ser náufrago que sobrenada,
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ser navegador e ser Adamastor,
ser o ser que sente além da dor.
Nenhuma questão agora lhe é estorvo.
Até o nunca mais já está no bico do corvo!
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Antonio Thadeu Wojciechowski
Ivan Justen Santana
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*Fui buscar lá no blog do Solda

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

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O velho bigode-nicotina que tem lugar cativo no balcão do Dentadas Pub

O Dentadas é o meu escritório. É que meu escritório fica em qualquer lugar que venda cerveja gelada. O Dentadas vende a mais gelada da cidade. Além do mais, cê vem aqui ouvir velhas pérolas do cancioneiro abolerado paraguaio-brasileiro, e elas são diuréticas. É sério, quem ouve tem logo que correr se aliviar. E, bem, no banheiro do Dentadas o cheiro de limão no gelo se mistura às canções mijadas pelos frequentadores, voltando pro teu nariz, empapuçando-o de versos tristes. A Miroca, já cansada santificada há mais de 34 anos dona do bar, sabe bem que conquistar clientes é conquistar pentelhos. Sou um desses pentelhos? Só se sou o famoso "pentelho consigo mesmo" pelo fato de viver sozinho por aí por aí por aí por aí. E, digo mais, nunca pendurei nem pedi de cortesia uma porção de amendoim que fosse. Sou pentelho? Sou sozinho. Bom, todo mundo sabe que existem os companheiros de copo e as companheiras de corpo. Veja, no meu caso, o que vai dentro do copo é a minha única companhia de corpo. Ou seja, uma moça de composto nome Estupidamente Gelada e a partir de certo horário só lembrada pelo sobrenome Destilado. Lady Destilado. Há muitas maneiras de se referir a um amigo alcoolizado. Uma delas: Estava podre de bêbado. E outra: Saiu daqui miando. É assim que Marica me conhece, por Sr. Estava Podre de Bbado, vulgo Saiu Daqui Miando. Como sei que ela só pronuncia tão simpáticas palavras pelas minhas costas com os outros clientes, para os quais geralmente não dou à mínima pelota, acaba que eu mesmo, quando estou descendo a Saldanha Marinho em direção de casa, tenho que falar comigo: Sr. Podre de Bêbado, hoje você saiu de lá miando, meu Deus, como você tem se estragado, você vive podre de bêbado, meu caro Saiu Daqui Miando, daqui, de lá, do velho Dentadas Pub, miando, que ridículo, miando.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

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Começo de uma caveira
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Os dentes são os únicos ossos
expostos do corpo, o sorriso é
o começo de uma caveira.
Toco de caneta bic
e uma coca-cola vazia,
improviso o cachimbo.
Olho pra lata, que ri.
Coloco a bic na boca,
tenho poucos dentes,
lábios rachados.
A chama do isqueiro
na pedra, chupo, a língua sente
o gosto, amargo estrume.
Engulo a fumaça
prendo, a mágica bate.
O bem que faz é veloz
feito jegues que afundam dando
coices no sangue.
Sou atacado por morcegos cuspidos dos
olhos e ouvidos.
Luxúria é uma coisa, nóia,
eletricidade outras bem diferentes.
Vou perdendo os dentes
e a memória.
Quem fui? Eu não era
magro desse jeito.
Aguente, é tudo que
digo pra mim.
O estômago dói.
Tô comendo sem molho
minha própria caveira.
Comecei pelo sorriso.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

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Mick Jagger
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kazuo Ohno
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Processo de O Butô do Mick Jagger

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

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Processo de O Butô do Mick Jagger
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Processo de O Butô do Mick Jagger
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Ciliane Vendruscolo e Débora Vecchi
pela lente de Rosano Mauro
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você quer que eu te xingue que eu te maltrate obviamente que eu te xingue que eu devo ser muito cruel eu devo adorar essa situação eu devo senão não continuava nessa montanha russa só pode ser eu devo eu adoro te humilhar mostrar como sou mais feliz como tive pais que me amaram que foram generosos com você já que eu adoro te humilhar eles te acolheram como filha deles evidente filha deles claro minha presença provoca isso eu tô viciada nisso eu devo estar do mesmo jeito que você é porque se eu quisesse se tem um gênio entre nós esse gênio é você a única pessoa nessa garagem capaz de arrancar os próprios olhos os olhos os olhos se você me perguntar ser você talvez eu quisesse se eu sinto inveja disso sim / eu sinto inveja (fragmento da peça O Butô do Mick Jagger)

domingo, 23 de janeiro de 2011

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Primeiro de fevereiro imperdível
e muito mais
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sábado, 22 de janeiro de 2011

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Possivelmente os robôs
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Você não é a porcaria de um robô. O que fazer com a necessidade de fazer as coisas diferentes se não sabemos nem para onde olhar? Se não sabemos quando será positivo pôr as mãos no bolso ou depreciativo acariciar o gato? O que fazer se não temos onde ir senão às favas? Que confusão dos diabos. Você se decepciona consigo e acaba patinando. Agora mesmo dá para ver seu rosto se retorcendo como se tivesse mascado limão. Você não sabe mentir por muito tempo, a falsidade é a mais perfeita denúncia. Banhos de fogo lavam mais do que água, mas o preço que se paga é muito alto. Assim, vez ou outra, queimamos as solas dos pés vasculhando bibliotecas de navios afundados, furamos as palmas das mãos com espetos, vazamos os olhos em tragédias gregas exemplares. Sempre que alguém está prestes a desesperar chora baixo, tranca-se num cubículo qualquer. E o dia lá fora não é exatamente um bibelô azulado e limpo que até parece de mentira. E então virá a óbvia reflexão: santo Deus, não passo de um obsceno comedido. A nudez que encontro em mim corre feito o rio de Heráclito e a cada dia me sinto mais feio a apodrecer. Então sons de alaúdes soarão em excessos de balbúrdia, que são o meio possível para contribuir com esquecimentos momentâneos. De resto, só as contrações inexprimíveis. E é isso o que você conhece porque é isso que existe. E é isso que existe porque é isso que você inventa. Uma nudez que vem por baixo da nudez. Os olhos abertos feito lanternas que procuram alguém perdido na escuridão. E esse alguém é você mesmo com olhos que também são lanternas a procura de alguém perdido na escuridão. Tudo como um apelo. No apartamento, livros e vídeos de histórias. São coisiquinhas tão infantis a dividir prateleiras: odes mundanas de páginas apunhaladas que, para o bem de todos, jamais se farão compreender totalmente. E a filosofia então não significa mais que a escavação dos próprios pulsos em parágrafos apunhalados, frutos sanguíneos que em meio a nervos e cartilagens restituam a vida. Mas quem sabe nada disso seja possível ou verdadeiro, ou até mesmo plausível de ser cogitado. Então você pensa em qualquer personagem da literatura com a qual tenha absolutamente se identificado. Eis, monstrinhos semióticos. Jamais serão felizes. Você os vê sussurrar entre lábios enquanto na sala do apartamento soa alguma balada do Nick Drake, pairando como morcego ferido sobre o tapete rubro. Você reconhece os silêncios cujos meandros não são perscrutáveis, eles desejam sair ilesos dali, mas se convenceram que a tua tartamudez é um privilégio porque podem bebê-la nessa tarde cinzenta do mês de julho. E é claro que há o risco de cães latirem no lado de fora, assim como é possível que os pestinhas dos vizinhos da frente espionem o semi-sublime festival de ininterruptas e perfuradoras presenças fantasmáticas no bailado sutil das respirações em equilíbrio entre o chá quente e o bafio da fera humana em repouso quase absoluto, com o Uivo de Allen Ginsberg numa das mãos. É esse quase estóico cidadão em quem você se transformou. Justamente ele, o que jamais será feliz. Mas que bobagem tal estupidificado desejo, dirão os inteligentes. Felicidade é não precisar dela, mas isso qualquer leitor de revistas e livros de auto-ajuda já pensa, ou pensa que pensa. E você, o tolo, poderia perguntar a cada um: o que é terrível, amigos? Para você? Você? E você? A resposta chegaria em uníssono: a treva tentando entrar por baixo das cobertas, criaturas bestiais do desejo a se proliferarem nas gavetas, lágrimas que rasgam as faces feito hélices de helicópteros, etc. Eis um rascunho do medo. Mas essas são apenas suas mínimas dimensões, um nada de suas medidas. Então de novo você perguntaria, dessa vez (há muitos por aí, basta olhar) para um bobo de Shakespeare: o que é terrível? E ele: só o que é terrível. Daí que você pode entender que tudo o que não for péssimo, desastroso, nauseabundo, será apenas o mundo se abrindo em bondade sem que sejamos capazes de descrevê-la em especulações sobre o amor simples, ou até mesmo nos darmos conta. E, afinal, talvez o bem jamais venha dos que se fecham em seus frágeis casulos. O que dizer dos que são eles seus próprios bunkers? É claro que a felicidade, esse último capítulo das sessões da tarde, é uma balela. Mesmo assim, apesar do clichê, é imperativo a todo momento nos perguntarmos se estamos ou não alegres e não esperar resposta alguma. E, analisando de longe, seguros (seguros?) em casa, termos a sensação de que sem umas gotas de ódio ninguém teria conseguido. Mas conseguido o quê? Chegar a tal e tal e idade, já que elas são um pouco a idade de sua raiva, de seus lamentos, de seus arrependimentos, de seus amores. Sem isso ninguém, ou pode ser que alguns consigam, é possível, possivelmente, possivelmente os robôs consigam, os robôs e todas aqueles engrenagens a nos gritar que sim, que podemos, inclusive, anestesiar a realidade. E todos seremos nesse momento o espírito de Hamlet baixando feito um Exu nos motores das máquinas, nas engrenagens a contradizer qualquer ilusão dopada pelo fato de que não se sobrevive a tanto.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

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"Quanta tristeza pode um único poema suportar sem se tornar ridículo?" Richard Yates.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

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Foi você! Foi você!

Com uma voz de barriga, porosa, ela pede: Me chupa.
Ele se abaixa. Ela abre as pernas manchadas com hematomas azul-rosáceos. Loiro é o menino. E sem barba. O seu é um rosto liso feito um bloco de gelo que lentamente derretesse. Ele afasta a calcinha dela para o lado. Os pentelhos surgem duros. A boca dele vence o tufo e sua língua encosta na parte úmida, na carne borbulhante. A língua é um punhado de neve que ao sutil toque na frigideira evapora. A mulher geme baixo. Um sussurro grave e falhado vem ao mesmo tempo em que pede: Me bate.
Ele, sons misturados em suas orelhas, pensa ter ouvido errado.
Quê?
Me machuca.
Isso eu não faço.
E a mulher: Faz sim, estou pagando.
Ele reage: Não gosto de bater nas pessoas.
Se você não gosta, quem foi que fez isso nas minhas pernas?
O menino sabe que não foi ele. Essa é a primeira vez que se encontra com a mulher. E ele jamais a machucaria. Está confuso. Como que para elucidá-lo a mulher começa a narrar a minúcia com que ela o fizera espancar suas coxas na noite anterior. A cada barbaridade explicitada com ênfase e gozo por ela o menino diz “como?”
Meu Deus, pensa, bem que me falaram que a mãe do Silvio era uma louca ninfomaníaca.
É uma situação incômoda para ele. Um deleite para ela. Ao final da terceira o menino entra em colapso, fica catatônico, rijo feito um bezerro de frigorífico. Então, sem mais o que sugar, a mulher, entediada, veste-se e sai do quarto. Ele a alcança. É seu escravo agora.
Tenho família, preciso que você vá pra casa, meu fofo.
O menino se veste e sai. Mas ela se arrepende e vem atrás na escada.
Volta, por favor, diz a mulher.
Ele faz que não. Ela o puxa pelas mãos. Entram no apartamento. Ele vai para o banheiro e mija. Demora-se um pouco. Volta ao quarto, sobre a cama vê a mãe de seu amigo vestindo calcinha apenas.
O dinheiro?, ele exige.
Pode pegar na minha bolsa.
Ele vai até a poltrona, abre a bolsa, a carteira, pega tudo o que tem. Conta e guarda no bolso. Então se volta para a mulher. Não pode não achar bizarra a quantidade de hematomas nas coxas dela. As manchas parecem a todo instante acusatórias gritar “foi você! foi você!”
O menino sabe que precisa ir embora dali o mais rápido possível, pode estar assinando sua sentença de morte, alguém pode chegar a qualquer momento. Mas a voz porosa, vinda do ventre da mulher, penetra em seu sangue feito curare.
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É desse lugar que falo

a liberdade afirmando ser um jogo
de xadrez num lugar onde não há lua
quando olhamos pela janela

e eu procurando pretextos tenho muitos rios
em especial um chamado Narciso
tenho praças, e essa Nomeiodonada
e Nuncamais, o lixão que não admite reciclagem
depois que algo é posto fora

tenho Singélida, a cidade onde habitam
os que desprezam quando admiram
e se entregam de olhos fechados, mordendo os lábios
ao mesmo tempo em que se preparam pra dar o bote

é desse lugar que falo sobre um tipo de ódio
que vem engarrafado, antídoto
tomado em doses homeopáticas
no intuito de evitar que a história
seja sempre fraturas expostas

sabe, a passividade embrutece mesmo agora
quando apenas faço meu trabalho e morro de medo de
sem me dar conta, mais uma vez estar participando
de um banquete pra urubus

é que a gente percebe
quando mesmo o amor mais devotado
nos quer jogado no lixo