segunda-feira, 31 de maio de 2010

sexta-feira, 28 de maio de 2010

conto de paulo sandrini

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Deviam ser "belos dentes"
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Você já teve uma pessoa amada
Sim, uma pessoa amada
De quem você acha que conhecia tudo
Sobretudo o corpo?
Mas não
Não conhecia
Você já teve uma pessoa assim?
De minha parte, digo que sim
Sim, já tive essa pessoa
E achava como muitos acham
Que conhecia tudo nela
Mas não
Eu só achava
E achar é uma besteira
Nessa coisa de achar
A gente sempre se perde
E ao se perder fica no escuro
É, no escuro
E o meu escuro
Um escuro constrangedor
Nesse caso
Era
Ou melhor
Foi
O escuro da boca
Sim da boca dessa pessoa amada
E era uma mulher como poucas
No que diz respeito à compleição física
Vamos dizer assim
Feito um escritor preguiçoso escreveria:
“Era uma bela mulher”
O adjetivo belo serve para muitas coisas
Inclusive para dizer que as coisas são belas
Assim é mais fácil:
“Era uma bela mulher”
E pronto!
Zaz!
Lança-se mão de um recurso fácil
E tudo se resolve
“Bela”
“Uma bela mulher”
Ou “uma bela paisagem”
Ainda: “uma bela imagem”
O.k.:
Era uma bela mulher
Se assim o leitor prefere
E ponto
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Para poder voltar ao ponto
O ponto que me incomodava
Naquela relação em que as bestas humanas
Acham que conhecem tudo da pessoa amada
Mas no fim conhecem pouco
Às vezes nada
Ou quase nada
Então nada
E nada
E morre nessa praia
Que se chama “praia do conheço minha amada”
Ou amado, se o leitor ou leitante
For de gênero feminino
O gênero é algo muito
Muito
Mas muito importante em literatura
Não sei se é importante quando se trata do leitor
Mas bem que poderíamos ter lá
Nas disciplinas da pós-degradação em letras
Uma tal, chamada: Estudo de gênero do leitor
Ou leitora
Ou da leitante
Ou da leitante lactante
Qual uma indispensável subdivisão
Dentro do gênero “Leitor(a) feminino(a)”
Se a leitora estiver lendo e amamentando
Ao mesmo tempo, é claro
Porque se for
O gênero leitor
Apenas no masculino
“O Leitor”
Isso nos faz supor que é apenas
Um estudo de gênero do leitor homem
Com H ou com M
De Macho
Assim mesmo:
Com M maiúsculo
Ou não
Pode ser também com minúsculo: de machinho
machinho também serve
Machões não leem
Os machinhos podem até ler
Acho que os machinhos leem
Os machinhos baixinhos leem
Usam óculos
Vestem terninhos elegantes
Papatinhos envernizados
E calças com preguinhas
Tudo para impressionar os leitores
Leitores de gênero feminino
Ou leitoras
Ou leitantes
Ou leitantes lactantes
Como você, senhorita, senhora
Madame, moça quiser
Os machinhos baixinhos leitores
São assim
Às vezes eles nem são baixinhos
Nem carequinhas
Mas por complexo e autoafirmação intelectual
Usam óculos
E eles andam por aí
Nos corredores das universidades
Lendo muito
Lendo ao descer as rampas entre os andares
Os andares da universidade
Leem na rua, caminhando
Leem no banheiro
No elevador
Leem até quando estão dirigindo
Seus carros comprados com o salário
Bem pago pelo governo
E do qual eles sempre reclamam
Eles leem
Afirmo: eles leem
E os leitores do gênero feminino?
Bem do gênero feminino
O que nos interessa aqui é outra coisa
A parte desconhecida da pessoa amada
Nesse caso, reitero:
Pessoa amada do gênero feminino
De quem eu supunha conhecer tudo
E nessa coisa de achar
A gente sempre se perde
E ao se perder, fica no escuro
Pois então, hoje me encontro no escuro
No escuro da boca dela
Rememorando os fatos
(Sexo
Beijos
Abraços
Amassos
Conversas
Brigas
Ou seja: essas coisas que envolvem os corpos
e sobretudo as bocas)
Me detive no seguinte e intrigante ponto:
Nunca vi os dentes daquela minha pessoa amada
Seus lábios eram grossos
Salientes
E sensuais
E isso fazia com que eu me esquecesse
De detectar o que havia por trás daquela
Massa de carne delineada em lábios
“belos lábios” diria, só pra economizar analogias,
metáforas, sinédoques, metonímias, essas porras todas
de figuras de linguagem
“Belos lábios” ela tinha
E eram grossos
Carnudos
E era bom beijá-los
Mas eles tinham uma função muito específica
No caso específico daquela pessoa amada:
Ocultar sua arcada dentária
Lá dentro, e disso jamais me esqueço,
Era puro breu
Nunca enxerguei nada
Se eram brancos
Os dentes
Ou amarelados
(Ela fumava)
Ou mesmo se tinham falhas assustadoras
Se lhe faltava algum molar
Incisivo
Canino
Felino
Bovino
Equino
Ou seja, tudo que fizesse
Ou permitisse
Morder
Mascar
Ruminar
Concluir esses atos de voracidade
Que fazemos com as bocas se temos os dentes
Pois se os temos, tudo fica mais fácil, claro
Em se tratando de:
Voracidade
Mas aqui, no meu caso,
Se trata de vertigem
O escuro da boca dela, por trás dos lábios
“Belos lábios”
Me causava uma sensação de estar caindo
Caindo num buraco sem fundo
De um negro caudaloso
Apesar de saber que possuia dentes
Sim, possuía
E me parece
Na quantidade exata
Sem faltas
Falhas
Mordia meus lábios e minha língua
E eu sentia que ali havia dentes firmes
Dentes de verdade
Mas e a cor?
E a forma?
Em que fôrma foram forjados?
Tinham cáries?
Ou seja, pequenos buracos negros dentro
De um grande buraco negro?
Fato é que
Disso já não posso mais dar conta
De saber dos dentes
Dos dentes da pessoa amada
Pois no dia em que ela desapareceu
Numa noite escura levando
Consigo sua boca negra por dentro
Tempinho depois foi assassinada
O corpo queimado
Achado dentro do carro
O carro dela
Sim, era o carro dela
Mas o corpo
O corpo carbonizado
As digitais não existiam
Só sobrava a arcada dentária
Para o reconhecimento
Do corpo da minha amada
Problema foi que as únicas
As únicas
Únicas
Coisas que os bandidos levaram
Foram seus dentes
E mais nada
Deviam ser “belos dentes”
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Paulo Sandrini

segunda-feira, 24 de maio de 2010

tábua de frios

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.....Tábua de frios

.....Sala luxuosa de um apartamento. Dois homens, um por volta de 42 anos, o outro com quase 50. Garrafa de uísque pela metade. O mais novo fala.
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Desisti. Não posso fazer.
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Silêncio.
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Filho da puta. Como é que alguém pode pensar numa coisa assim? Vai ser melhor pra quem?
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Silêncio. Afrouxa a gravata. Desabotoa o colarinho.
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E daí? Tá fudido? Vai trabalhar. Que culpa eu tenho se você não sabe admistrar porra nenhuma. Caguei pro futuro dos teus filhos. Caguei se ela já não tem escolha. Eu não sou assim. Não posso fazer. Faz você.
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Pausa. Passa a mão com força na cabeça.
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Faz você. Eu conheço muitos cegos que são fotógrafos. Você consegue fazer com facilidade. Elas são leves e silenciosas hoje em dia.
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Silêncio. Ele come queijo, azeitona de uma tábua de frios. Ele bebe uísque, dois pequenos goles e um maior. O outro continua sentado na poltrona de couro, apenas observa, está sério, determinado por baixo de seu silêncio, que é incômodo. Ele passa a mão de novo na cabeça. Respira fundo. O outro apenas olha, com agulhas no lugar dos olhos, suas mãos sobre os braços da poltrona não se movimentaram até agora.
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Você é um merda. Que filho da puta que você é. Não aguento mais isso. Não aguento. Eu não…
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Silêncio. Mais silêncio.
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Tá certo. Vou fazer. Foda-se, vou fazer. É isso. É. Eu vou. Isso. Eu entro lá de madrugada. E dou um tiro na cabeça. Acabo com essa merda. Cê tá certo. Cê tá certo, tá certo. Mas não é… não é por causa dos negócios. Não é… pela herança, fique bem claro. Eu só não suporto mais ver a mãe definhando de câncer numa UTI.

domingo, 23 de maio de 2010

um soneto de fabio salvatti

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.....Enlatados é um soneto de Fabio Salvatti. Numa dessas noite memoráveis na casa de Octávio Camargo, transformou-se nessa bela canção popular, de autoria de Fabio Salvatti, Troy Rossilho, Octávio Camargo e Luiz Felipe Leprevost (eu mesmo, rs). No vídeo a interpretam Lala Nowak, Troy Rossilho, Helena Portela, Octávio Camargo e Chiris Gomes.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

um poema-rubrica teatral, de fabiano vianna

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Grandes pedaços de algodão flutuando sobre a cena, no palco.
Algodões parecendo nuvens.
Céu nublado sobre os atores.
Eu acrescentaria na descrição da arte, um carcomido.
Seria um noir carmomido.
Ao invés de preto e branco, bege, marrom, preto e branco.
Manchas de podre e mofo.
O mofado pela umidade e frio.
Sintomas do envelhecer.
Algo que um dia foi branco, mas já não é mais.
Bege como a barba do escritor, que cresce sem ele perceber.
Como um caderno que foi muito usado e o couro da capa já está bem gasto pelo tempo.
Não é mais preto nem marrom.
Algumas folhas marcadas por café.
Gotículas de café.
Papel carcomido, rasgado.
Pêlos são como ferrugem.
As manchas se sobrepõem como aquarela.
Como layers sobre as fotografias de Dave Mckean.
Sobreposição de tinta, borrifos brancos e negros.
A tinta como algo inacabado, arremessada sobre uma tela branca que nunca se finaliza.
É a obra que nunca termina.
O caos que nunca chega.
O escritor é também transparente como aquarela.
Atravessa a luz dura dos ambientes.
Feito um fantasma.
Espectro a perambular.
Sempre procurando sua consistência.
Que nunca encontra.
As manchas das construções envelhecidas compõem o seu rosto.
A ferrugem, o mofo.
Sua barba como trepadeiras alvorotadas.
As plantas nunca são podadas.
Não há tempo.
É preciso escrever, escrever.
Barba mofada.
As plantas crescem melhor na umidade.
Plantas que gostam de inverno.
Como nas fotonovelas, há uma sobreposição de imagem e texto.
As palavras, matéria prima do escritor sobre a fotografia noir amarelada.
É possível ver algumas palavras projetadas sobre o palco.
Sobre o corpo do ator.
De repente um pano com texto escrito a mão invade o palco.
Projeção de tela de computador ou máquina de escrever.
Pelas paredes.
Por cima da pele do personagem.
Tipo tatuagem.
Fabiano Vianna

peso pena

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Peso Pena
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terça-feira, 18 de maio de 2010

da série especulações sobre o amor simples

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...Só o beijo que rasga não é esquecido. Ela se atem à cabeça, depois à base, pentelhos, engole, a boca mais aberta, movimentos lentos, masturbação oral, látex não, não conhecemos camisinha. Ela bate uma siririca, eu olho. Ela lambe meus mamilos, calmo ziguezague de línguas, ela é uma cientista da anatomia do meu corpo, começa a me cortar, aos poucos. Depois volta para o saco, lambidela no cu, fujo. Ela não é uma dominatrix, eu não sou um cara com uniforme de bombeiro. Optamos por carinho e cuidado. Posições ginecológicas? As pernas em ângulo de quase 180 graus, pornô, sim, mas com amor. Não são exatamente besteirinhas o que falo nos ouvidos dela. Opto em ser atencioso, nem ela parece adepta do sadomasoquismo, nem há roupas de enfermeira nos cabides, tampouco escolhemos sexy-langeries antes de chegarmos aqui, ela não veste espartilhos. Sabe me segurar pelo cabelo, a parte de trás da minha cabeça enquanto eu a chupo. Sabe prender com dez dedos o redor do meu punho, melhor que algemas a pressão que faz. Sabe agarrar os pêlos do meu peito e quase arrancá-los feito rasgasse uma camiseta. Ela sabe ir por minhas artérias, alcançar meu sistema nervoso, me hipnotizar, ir me sarrando, me permitindo provar canapés de sua polpa, o que chamo xana, chamo xota, chama, enxame. Ela me beija sobre a cueca, tira minha cueca, chupa, tenta aproximação anal, fujo. Ela monta em mim, rebola, não feito puta, mas bailarina. Depois, sim, é puta e não deixa de bailar, nem seu carinho diminui. Nem são posições do kamasutra, são uma técnica de desde sempre, e muito nossa. Nenhuma semelhança com frango assado. Que idiota sussurraria tesuda no ouvido de sua garota sem resultar no enrubescimento do próprio pau? Esperma, é o meu esperma, são as carnes pudendas dela, lavou, tá novo. Mas não nos lavamos, prosseguimos, às vezes sem tirar de dentro, esperma lavando esperma, camadas de gosma seca debaixo de gosma nova, e o odor. Chame fetiche quem queira. Talvez ela guarde vibradores na gaveta, mas não vou conferir, não me interessam essas coisas com formato de pepino, avestruz, capitão gancho. Ela cavalgando interessa, suas pernas fadigadas, as panturrilhas suadas, a nuca querendo se esticar e lá no alto o pescoço de leão a girar feroz, a alcançar sua jugular para sugar sua pureza e doença de ser mulher. O colchão nos engole, sou eu o causador de uma voracidade traiçoeira, estamos nos metendo pelo corpo um do outro, sozinhos mas não separados, sozinhos feito aleijões um do outro, sem ela estou inteiro mas aleijado dela, uma parte de mim, não uma perna, talvez mais do que isso, não existe, um lado meu, moral, metafísico, interior, fundo, é removido dela, por ela, sua revelia é toda aceitação. E o grelo está aqui na minha frente, a mulher ao redor de uma buceta, o grelo um bichinho sem escrúpulos, qualquer movimento e é imprescindível que criemos garras. A matéria do que ela é feita treme, quase uma inconsciência sísmica, agora ela manobra sobre mim, 69, estou embaixo, calcanhar de um no lóbulo da orelha do outro, saco, virilhas, o cu dela, ela vai no meu, não tenho aonde fugir. Somos bife sobre a chapa borbulhante, as fibras endurecem, células se contorcem, mangue branco, as pálpebras querem virar do avesso e levantar vôo para dentro de um céu que é o interior do globo ocular. Acreditamos ser pássaros libertos, morcegos frutíferos. Há lugares em que só chegamos apostando na incerteza, abismos podem ter rede de proteção ou não. Ela não é capaz de conter gemidos, o busto se empina como que por conta própria, em alavanca, a lombar em ângulo convexo, minha boca, os dentes dela, a língua dela, saliva, nossas línguas duas lesmas dando nó. Os dedos, palmas das mãos, as barrigas, umbigos, o ventre, os pentelhos sem depilação. Calado, concentrado me dedico à foda, à função de fazê-la gozar, de deslizar, e ela às vezes diz mais, às vezes pede sim. Os seios, bicos rosáceos, ora marrons, um par de tetas não é o melhor amigo das melodias, só se for capaz de se assobiar e chupar cana ao mesmo tempo, não que eu não seja, eu sou, mas nós dois somos um tácito acordo entre silêncios, silêncios que se traem em sussurros, dengos, pedidos, ordens, súplicas. Meu pau bomba, teu pau, ela sussurra. Lentamente de novo o que fazemos é amorzinho gostoso, um exercício de maratonistas que não pretendem cruzar a linha de chegada. Punheta. Chupeta. Sem que haja precipitação, e ela é um precipício outra vez. Como chegar ao fundo sem que eu me espatife lá dentro? Meus pentelhos nos pentelhos dela, estou duro, ela encharcada, somos gosma e cheiros fortes. Penetrar uma mulher é recuar até o lugar no tempo em que o tempo esqueceu de si. É recuar aonde nos alcança o susto, o baque que nos pega desprevenidos. Sempre o despreparo, surpresa e júbilo mais maldição, catarse e dor. Continue é a palavra pendurada nos lábios dela. Não, não é uma palavra, é uma ordem. Encaixe e simultaneidade, a mais reveladora das intimidades é a menos familiar. As polaridades mais incomuns entre nós dois provocam as mais esquisitas identificações. Estamos conectados qual fios que ligam nas tomadas as máquinas, grudados feito cão e cadela na sarjeta. E temos harmonia, ela abraça minha perna. Ela aperta as unhas roídas nos meus ombros, alguém que acaba de ser salva. Ela age, é assim que me executa. Lógica não há, quando muito a tudo a lógica esfacela. Manchas nos lençóis, os lençóis não interessam. E a lógica é um acontecimento com o qual não nos preocupamos agora, somos da raça das feras, dominamos como ninguém o ofício de sermos animais. É um trabalho, ambos nos dedicamos. Eu baixo os lábios feito fossem insetos suicidas abandonados no suco de pólen entre coxas. Ela de algum modo se infiltra por baixo da minha pele, subcutânea bóia na maré convulsa de meu sangue. Fazemos cócegas às epidermes um do outro, e pau, pau e buceta, gozamos de novo e não tiro de dentro, estou agasalhado por seus sons guturais de fêmea ferida, seu fundo é agradável e convincente feito uma prece. Até que ela perde o controle da respiração, na falta de ar se perdem seus xingamentozinhos, ela treme, evapora em meu hálito, depois é osso, também as cartilagens dobram. Mordidas, nós nos latimos, rimos, mastigamos um o outro, não somos vampiros, ou vampiros tenham dentes afiados no corpo todo. Meus joelhos têm dentes, o abdômen dela abre a mandíbula e destroça minhas orelhas, nacos de gemidos, farelos não de lábios que sangram, porém os glóbulos do sufoco. Agora vai findando a noite e estamos nas preliminares de novo, os movimentos dos corpos se abandonam à humildade de sermos migalhas desde o princípio. Isso, migalhas de paixão, restos, isso, restos de sopa de saliva, não nos pertencemos quanto nos perdemos. Somos mais que dois, e um, estamos sem controle e ainda não enlouquecemos, porém nos afinamos com insanos e insones, debruçamo-nos fora da cama, joelhos ralados, de quatro, pêndulos flamejantes. Ela levanta o quadril à procura da minha fuça, a palma da língua, os dedos dos lábios, e é a boca dela maior do que ela inteira é a boca de dela, nos engolimos, escorregamos no tobogã da garganta, a goela, minha porra, ela lambe. Subimos pelos umbigos, barrigas, peitos, pescoços, queixos, bocas, de novo as bocas, nos beijamos e é um beijo de quem sabe amar também de olhos abertos. De tanto nos olharmos fazemos transfusão de olhos, ela me vê com meus olhos, eu tenho os olhos dela e não sei se suporto o vislumbre de tanta dor em suas paisagens, a agonia dos recantos depredados de seus afetos. Fingimos, nem sabemos se é incesto, queremos o mesmo sangue em nosso sistema venal. Enganamo-nos tão bem até chegarmos à essência de uma verdade, e somos fragilizados por ela, penalizados. O prêmio esconde algo de demoníaco nos recantos, o que somos de subterrâneos. Ela é o diabo que me carregue. Eu devo ser algum cristo em suas chagas. O meu é um coração de búfalo. A ciranda dos quadris dela giram rápido demais, e eu não consigo me acostumar, tenho ânsias de vômito. Nossos beijos funcionam às vezes feito moedores de gritos. Ela é minha garota, e está de bruços.

sábado, 15 de maio de 2010

notas para um livro bonito

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.....Ao meu passado para deixar que o futuro passe bem. Agora sou meu pai, a maneira abrupta com que minhas mãos acabam de abrir a porta fazendo o trinco sofrer, e o tambor dos passos dentro dos meus calcanhares a entrar nos azulejos da cozinha. E agora sou minha mãe, a música de uma voz violeta, os alarmes que há em mim, a cantiga de água que meu corpo embala. Agora meu irmão, o modo e horário em que me sirvo no filtro, antes do primeiro gole as tossidinhas, e o copo d´água escorregando da minha mão. Agora o outro irmão, o mais novo, se dissimulo um acordar cantado por sonhos com broncas de velhas curandeiras clarividentes. E então me sei nosso cão se perpetuo uma presença na casa com cheiros fortes e ganidos contínuos para lua. Então, sou meu avô chegado dos aperitivos pelo bairro aos sábados por volta de meio dia, uma voz de trovão, um jeitão de galã do interior com muitos braços e conselhos. E minha avó se compreendo esse silêncio alargado no ar, chegada como se aqui não estivesse, tão digna na dor, tão adornada com flores, risos, brincos e colares. E sei que sou meus sobrinhos, meus filhos, pois só estou nascendo agora, amanhã, amanhã, amanhã. Isso, vou acontecendo o que ontem me aconteceram, seres de meus outros aniversários, biologia, galerias do meu peito, meus múltiplos corações.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

sarau nas nuvens

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.....Domingo vou participar do Sarau nas Nuvens, cantando recentes composições feitas em parceria com Raphael Moraes, vocalista da Banda Nunvens http://nuvens.net/Joomla/. Apareçam.
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Clique na imagem pra ver maior

domingo, 9 de maio de 2010

curitiba 12 horas

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Sergio Dias, Os Mutantes - por Gianna Roland
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......Foi ducaralho o evento Curitina 12 horas, que aconteceu no Parque dos Peladeiros (Cajuru) e no Parque do Semeador (Bairro Novo). A banda Eles Mesmos, com Fernandinho nos vocais, com uma pegada pesadona. Relespública melhor do que nunca, com Fábio Elias mostrando como é que se faz o mel do rock´n roll. Blindagem tocando o barco com alegria, com força renovada, do jeito que o rei Ivo queria que fosse, agora com Rodrigo Vivazs uivando como um príncipe cantor que tem o domínio total do palco. E depois Os Mutantes, puta que pariu, como eles tavam inspirados, acho que presenciei um dos melhores shows da minha vida. Sérgio Dias fez um solo em Balada do Louco que penetrou a platéia pelos poros. O grau de sensibilidade desse cara dialoga na moral com divindades, não tenho dúvida. Mais ou menos como disse o Giovanni (da banda Giovanni Caruso e o Escambau, que infelizmente não consegui assistir): "parece que os caras nos carregaram pra dentro de uma nave, ainda não tô entendo bem o que aconteceu, só sei que foi uma experiência maravilhosa." Em meio a todos esses artistas sensacionais, foi precioso pra mim participar desse projeto Curitiba 12 horas, falando meus poemas ao lado dos mestres Ivan Justen (que fez as platéias gritarem com vontade os nomes de nossa cidade e estado), Edson de Vulcanis (o cara que encontra poesia da melhor qualidade em TUDO, um filósofo ímpar) e Jorge Barbosa (que falou uma séria de pérolas, mas em especial uma reza às avessas, que já nasceu clássica). Chegamos no Parque do Semeador quando a apresentação do Batista de Pilar estava acabando, mas ainda deu pra ouvir as pessoas ovacionando o poeta, isso é raro e transformador. Por essas e outras, registro meu agradecimento ao Ferreira e ao Rodrigão (da Homem de Ferro Produções Artísticas), e a todos os demais envolvidos que trataram a todos com atenção e respeito exemplares. Quero ainda dizer que não houve nenhuma briga, nenhum tumulto, nada, só alegria. O rock´n roll, a poesia, a dança e a cidade de Curitiba tiveram um inesquecível dia de GRAÇA.
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O Ivan Justen já escreveu a
respeito em seu blog também.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

arnaldo antunes

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Hotel Fraternité,
poema de Hans Magnus Enzensberger,
traduzido por Aldo Fortes
e musicado por Arnaldo Antunes.

terça-feira, 4 de maio de 2010

o pé esquerdo, o pé direito

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O pé esquerdo, pé direito
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Pedras com lama sobre as pedras.
E uma bota de borracha azul, isso, caída na lama.
A lama, é, a lama entrando no cano da bota.
Não é possível dizer se é o pé esquerdo ou se é
o pé direito da bota o que ali está.
Ou melhor, é o pé esquerdo.
Isso, o pé esquerdo.
E que está no lado esquerdo da, vamos chamar assim, cena.
Já no lado direito da, isso, está o pé direito da bota.
O que tem de diferente agora é que nessa parte da, isso,
nesse lado não há lama.
É, a lama do lado direito da, isso, já está seca.
E, uau, o pé direito da bota está sendo mastigado.
Um javali?
Não, não pode ser.
Ops, pode ser sim.
O pé direito da bota está sendo mastigado por um javali.
E... deixa eu aproximar a câmera... Caralho!
Atrás do javali, ossos... Meu Deus, ossos,
talvez nem isso mais, o que restou do Sr. Lincon.

sábado, 1 de maio de 2010

pra gabizinha, por intermédio de sabrina lopes

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Muito querida
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quem retém fezes
fica enfezada
é necessário sacudir a barriga
pra dar risada
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são siameses
os namorados
e não nasceram grudados
seus corações melados
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uma salada colorida
tá cheia de vida
também degusta o molho
quem ganha
um beijo de olho
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não se atravessa o mar
com uma braçada
leva nove meses
pra alguém
ficar grávida
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viver é uma única ida
querer querer
querer
você
é muito querida
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*Ontem ao acaso encontrei minha
amiga Sabrina Lopes, no Café Mafalda.
Ela me contou que sua sobrinha,
Gabizinha, gosta muito dessa canção.
E que elas vivem cantando e tentando
lembrar minha letra,
mas em alguma estrofe emperram,
por não tê-la anotada em parte alguma.
Então aqui está,
pra quantas consultas forem necessárias, rs.
Beijos em vocês duas, Sabrina e Gabizinha.
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*Essa canção foi feita na casa do
Troy Rossilho, numa noite que não
quero esquecer jamais. Meu poeminha foi o
deflagrador dessa singela "doispraládoispracá",
que o Carlito Birolli gosta de chamar de,
mais que Muito querida, Valsinha do cocô.
Além de mim, Carlito e Troy,
também estavam lá Uyara Torrente
e Matheus Lacerda, de modo que
somos todos parceiros dessa belezura.