sexta-feira, 30 de abril de 2010

antologia eugénio de andrade

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Eugénio de Andrade
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Há casas
cuja beleza começa no projecto;
outras, e são talvez as mais belas,
existem só na cabeça do arquitecto.
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Há casas feitas à medida do homem,
outras há para andar de bicicleta;
há casas sobre cascatas
onde ao sortilégio da água
se junta a música de Bach.
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Há casas tão ajustadas
como fato por medida
ou um verso de Cesário,
outras de tão confusas
não viram régua nem esquadro.
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Há casas de papel, casas de madeira,
casas de palha e de barro;
casas que trepam pelo céu,
casas que cheiram a jasmim do Cabo;
há casas só para dormir
parecidas com um sudário.
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Há casas onde
habitar é o começar da morte;
há casas de pátios caiados
com varandas para o mar;
casas onde apetece estar sentado
com um gato nos joelhos
e o coração apaziguado.
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Há casas com recantos para amar,
há outras onde o amor
se faz em cinco minutos
e às vezes já é demais;
há casas como um dedal
e geometria de abelhas,
casas de perfil atento
ao rumor das nascentes e das estrelas.
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Há casas como um cristal,
casas de luz circular,
casas onde não é possível
ouvir correr o silêncio; há casas
que de casas só têm o nome;
há casas que nem para cães.
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Há casas tão inteligentes
que não consentem qualquer margem
para luxos e arrebiques,
casas onde a alegria se instala
sem tempo nenhum para a mágoa.
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Há casas onde o pão é triste
e a roupa mal lavada;
há casas que são um rio, há casas
que são um barco;
outras têm pomares
onde os diospiros ardem;
há casas com terras de vinha e trigo
e muros a toda roda.
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Há casas que são um poema
para dar a um amigo.
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Eugénio de Andrade
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Relações de casas boas
e más para juízo dos
arquitectos Carlos Loureiro
e Pádua Ramos.

terça-feira, 27 de abril de 2010

uma epígrafe

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Fico na janela, de costas para ela, olhando um pardal bicar estrume fresco. Incrível como é fácil o pardal se manter. Chove um pouco, pingos bem grandes. Eu achava que um pássaro não conseguia voar com as asas molhadas.
Henry Miller

domingo, 25 de abril de 2010

uma epígrafe

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Somos anátemas
os párias da razão
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Por que é que estou ferida?
........................Eu tive visões de Deus
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....................Sarah Kane

sexta-feira, 23 de abril de 2010

balbucios de blues

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Allen Ginsberg
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.....Meu caro Ginsberg, foi você quem me ensinou: sem ter visões é duro comer merda. Seria mentira deslavada eu dizer que tô feliz, mas também não vou tão mal quanto Catulo lamentando à Cornificio. Se bem que preciso dar um jeito de ganhar um pouco de dinheiro. E, olha, cê tá certo quando diz que minha namorada não é nenhuma Joan Burroughs grávida de outro cara e viciada em benzedrina. Mas é bem bom pra mim ter encontrado alguém que de vez em quando me envia esses torpedinhos: “Todo mundo sofre um pouco, querido, mas tenho mãos milagrosas”. É isso, como pode notar o teu louco bróder não vai tão mal assim, embora você não me dê uma palavra da mais fácil, da mais barata misturada aos hambúrgueres com catchup desses sanduíches da realidade convulsiva. Bom, espero que não esteja puto comigo. Se bem que você sabe, não tenho tido muitos amores, a não ser agora o dessa guria que vive embrulhada em casacos de lã e que não sai das cafeterias e dos cinemas e, quem sabe por isso, há quem pense que é um pouco maluquinha. E talvez ela seja mesmo. Mas sabe, Allen, quando a gente tem uma garota que nos propõe brincar de Guilherme Tell quase todas as noites, acaba obrigado a flertar um pouco com o paraíso.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

balbucios de blues

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.....Sempre que vou me encontrar com ela preparo um roteiro de elogios, mas acabo errando o texto, engolindo as frases. Treino carinhos na guitarra e tudo que consigo é uma orquestração de gestos hesitados, como se suas coxas, barriga, axilas, sua nuca não pudessem reter minha música depois do gozo. Então volto pra casa chutando pedra, trazendo o Básico Instinto do Fausto Fawcett, que fiquei lendo depois na cama, em voz alta, tentando impressionar as orelhinhas afinadas dela. E uma sacolinha com dois filmes do Wim Wenders, que ela diz ser transformadores. Acredito, mas nesse momento não tenho vontade de ver nenhum, aluguei por alugar, porque ela e o cara da locadora ficaram tirando sarro da minha cara, não acreditando que eu ainda não conhecia essas obras primas. Já em casa, pedi uma pizza, mas nem sequer toquei. Agora que estou faminto, o queijo parece um chiclete salgado. Do lado de fora a madrugada venta morcegos nas copas das árvores. Há luas crescendo febris nos meus olhos. O orvalho sobre a grama preta é uma rara tapeçaria. Na rua não passa ônibus e a sordidez da solidão, com uma faca entre os dentes, se esconde atrás do poste da esquina esperando que algum ingênuo passe por ali. Seguro o cigarro com a boca sem acender. O isqueiro na mesa me diz “lembre-se da lei antifumo”. A garrafa de Coca arrota quando giro a tampa vermelha. Bebo. Não sei dizer se está sendo uma noite difícil ou não. Onde estão os cachorros da vizinhança? Cansaram de uivar? Abro a janela. O ar está um pouco frio e o céu entediado com a maioria dos anjos da guarda roncando leve. Volto pro sofá. Fico aqui raspando a unha no visor do celular pra não perder a vibração da última mensagem dela: “Tava com saudade”. “Eu também”, sussurro pra pornochanchada que está sendo exibida no Canal Brasil. Já são três e quarenta da matina. Estou dormindo sentado, igualzinho meu avô nas tardes de sábado. Estou esperando sentado não sei bem o que e amanhã vai ser um longo dia, começando por minhas cuecas que vou ter que lavar no chuveiro.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

estarei ao lado de fausto fawcett e chacal, terça, dia 20, no wonka bar - APAREÇAM

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Como diria meu amigo Fabiano Vianna, estou tendo um mês de abril selvagem. E terça-feira, dia 20, minha apresentação no Wonka Bar ao lado de Fausto Fawcett e Chacal, será o auge dessa selvageria, rs.

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Aqui vai um dos textos que vou falar amanhã na festa, com algum vinho já correndo no sangue:
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Este é o plano A. Agora pra mim é como é: Punk. Ela é toda suíngue, a mancha duma pessoa emoldurada pela claridade. Larga o serviço por volta de três da tarde e tem um casaquinho de gola v amarrado na cintura. E sua sombra dança quando ela desce a rua desde lá do Alto do São Francisco até aqui no Café Metrópolis. Vem assim, a mania que ela tem de usar camiseta Hering, os peitinhos vulneráveis. Ruiva, agora ela é ruiva. Agora eu saio ileso dentro de suas pálpebras que se fecham por milésimos de segundos guardando minha imagem. Agora ela gosta de usar meias coloridas e sou um dos poucos privilegiados a quem ela revelou esse segredo. Agora na verdade eu não sei, não dá pra saber, mas tô com muita vontade de me espremer assim, até o coração sair em forma de fumaça por algum cano de escape. Agora sempre quero que uma cena bonita como essa vá parar no cinema: Ela ali, a cidade vazia, prédios enormes, de repente uma rapaziada passa e mexe com ela, venta, e eu me aproximo com meu andar de Rock Balboa depois de ter levado uma surra no ringue, então faço a pergunta certa. Agora é domingo, já anoiteceu, etc. Agora vivenciamos acontecimentos estranhos, eu sei que pra ela o mundo cheira a veneno. E tudo que eu também quero é dividir um pouco de vinho. Agora isso aqui é uma foto dela num plano lá atrás, as veias do pescoço saltando gargalhadas fora. Ela me conta aquele episódio que comprova porque é a guria mais solitária do bairro, e eu acho isso legal. Sei que é triste, mas acho legal. E só mesmo a gargalhada dela é o grande antídoto pra essa coisa no mundo de maxilares travados de indiferença. E deduzo que ela deve ter estudado balé clássico pela modo como pára ao lado de uma árvore no Passeio Público. E ela gargalha, sim, o fogo sendo comido dente a dente. Agora são zumbidos de abelhas e nem mesmo a chuva que cai com força é capaz de borrar o desenho dela que tenho comigo na mente. A vizinhança quer assistir a novela das oito em paz, mas a visão que tenho comigo é a dela gargalhando como fosse parir punhados de flores da boca, um montão de pétalas de lovelovelovemetender. Agora eu conto pra ela aquela estória de quando pousei sobre uma bolha de sabão do tamanho de um carro e fiquei ali flutuando durante quatro horas seguidas. Agora vejo essa guria desembarcar na rodoviária e acho que é ela, quero que seja ela com seus casacos embolorados. Mas não, eu tô errado, porque na verdade ela tá partindo pra Paris e eu tô pensando que sua primeira providencia em Curitiba, quando voltar de lá, deverá ser comprar um cachecol. Isso mesmo, agora faz sete graus. E eu tô esperando ela vir tomar sopa de tomate comigo num restaurante chamado Akrótona. Quer dizer, não é exatamente assim. A verdade é que é primavera e estamos caminhando na direção do Mercado Municipal, comprando castanhas, mastigando. Agora ela é invisível. Não, não é. Se fosse invisível não estaria aqui, eu não a estaria vendo. E ela está aqui, está. Agora já não estou mais vendo. Agora é a vez do plano B.
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domingo, 18 de abril de 2010

entrevista para o estado do paraná

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Fotografado na biblioteca aqui de casa
por Daniel Caron
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....Entrevista publicada hoje, 18 de abril, no caderno Almanaque do impresso O Estado do Paraná. Assina a matéria a jornalista Paula Melech, a quem agradeço o interesse e a anteção. Confira.
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....."Pescador da barca bela/Onde vais pescar com ela/Que é tão bela/Oh pescador?". O poema Barca bela, do escritor português Almeida Garrett foi apresentado a Luiz Felipe Leprevost por um professor do Colégio Paranaense, em Curitiba. Ele estava na sétima série e ainda guarda na memória as estrofes declamadas em sala de aula.
.....Talvez ali fosse o início do que os próximos anos lhe reservariam. A sensibilidade em observar as coisas do mundo começou cedo e logo ele percebeu a folha de papel como cúmplice de seus conflitos e alegrias.
.....O curitibano de 31 anos é escritor de frases que expressam os sentimentos mais íntimos da alma humana e também um espectador crítico da vida. Entre as principais publicações do autor estão o livro de poesia Ode mundana (2006) e os de contos Inverno dentro dos tímpanos (2008) e Barras antipânico e Barrinha de cereal (2009) ele ainda mantém um blog, o www.notasparaumlivrobonito.blogspot.com.
.....Leprevost é um artista multifacetário. A poesia o levou para o teatro e as questões cênicas foram aprofundadas na Casa das Artes de Laranjeiras (CAL), no Rio de Janeiro. A experiência como ator e dramaturgo o conduziram para uma vivência diferente de sua obra. "Experimentar os textos no seu próprio corpo é sempre um aprofundamento, é sempre se rever, se reinventar".
.....Ultimamente, ele tem se destacado em Curitiba como dramaturgo, principalmente em parceria com a diretora Nina Rosa Sá. É dele o texto das peças Na verdade não era - que esteve em cartaz por três temporadas - e Pecinhas para uma tecnologia do afeto.
.....Depois de comprar seu primeiro livro aos 14 anos, Antologia poética, ele queria ser como Vinícius de Moraes - ao mesmo tempo escritor e compositor. Motivado pela canção Geni e o Zeppelin, de Chico Buarque, ele percebeu que a música pode ser "vista com os ouvidos" e se encantou com a ideia.
.....Hoje, ele cultiva parceiros como Troy Rossilho e acredita que existe um tipo de poesia feita para canções. Para o escritor, letra de música é poesia, é "um jogo que você propõe com as palavras, como você encadeia essas palavras e procura a musicalidade nelas".
.....Nesta entrevista, que aconteceu no Café Mafalda, Leprevost falou sobre as palavras em suas mais diversas formas de expressão.
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.....O Estado: Você se lembra do momento em que a poesia surgiu na sua vida?
.....Viajava com a família. No rádio do carro tocava Cabocla Tereza, de Raul Torres e João Pacífico. Os vocais combinados às violas, que tornavam pública uma trágica estória, me fisgaram os poros. Eu era uma criança de dez anos, e tive um alumbramento.
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.....O Estado: Que motivações o levam a escrever?
.....Talvez os humanos mecanismos de se estar sozinho e sem explicação em mim sejam preponderantes. Talvez por acreditar que a literatura é uma das boas chances que a memória tem de perdurar e nossa ancestralidade se fazer inextinguível. Mas quem pode dar certezas? Escrevo mesmo para ter dúvidas e contradições.
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.....O Estado: Quando você percebeu que já era um escritor?
.....Quando notei que passava horas debruçado sobre o caderno. A mão direita doía mas não largava a caneta. Me via obsessivamente anotando fragmentos de vidas, as minhas e as dos outros. Inventando. Me transformei num fazedor de cebolas, confeccionando a partir do miolo, de dentro pra fora, devolvendo-lhes camadas, num exercício pra vida toda.
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.....O Estado: Que caminhos o levaram ao teatro?
.....Nutria o desejo de produzir textos teatrais. Em 2002 fiz uma oficina de final de semana para atores. Não parei mais. Precisei me formar ator, experimentando textos com o corpo, pra só daí me sentir capaz em relação à dramaturgia. Então, em mim, quem escreve pra teatro não é o escritor, mas o ator. O que é um paradoxo (que me agrada, aliás), já que sou essencialmente escritor.
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.....O Estado: E a música, como foi esse encontro?
.....Aos 14 anos me deparei com Geni e o Zepelim, do Chico Buarque. Recebi tal potência intuitivamente. Hoje posso apontar algo de suas inúmeras qualidades: A indicação da hipocrisia. O fato de ser uma canção narrativa, com personagens e ação central que evolui. É música pra gente ver com os ouvidos. É literatura sonora. É ontológico, vem da nossa necessidade de enunciação.
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.....O Estado: Como é para você fazer parcerias no trabalho com teatro e música?
.....Minhas parcerias começam com o afeto. Sou incapaz de criar com alguém sem que a amizade chegue antes. É o caso de meu providencial encontro com a diretora Nina Rosa Sá. Também isso se dá em relação às canções que componho ao lado de Troy Rossilho e, mais recentemente, Thiago Chavez. E mesmo em literatura, nos projetos desenvolvidos com Fabiano Vianna.
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.....O Estado: Quais são as especificidades de produzir um texto dramatúrgico?
.....Claro que há técnicas e estratégias de composição, mas vão nesse ofício também fatores imponderáveis. No meu caso conta o endereçamento, para quem escrevo e a que tipo de provocação respondo. No mais, adoro ver o texto se levantando do papel, como se Frankenstein viesse ter no mesmo plano de Mary Shelley.
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.....O Estado: Como acontece o seu processo criativo para compor uma letra de música?
.....Prefiro letras que nascem do convívio com os parceiros, de conversas inteligentes. Nós humanos nos expressamos por metáforas, analogias, de modo que há poesias órfãs por aí na fala das pessoas, pedindo existências mais cantáveis. Basta que estejamos abertos e as canções se agarram na gente.
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.....O Estado: Como você analisa a produção literária em Curitiba?
.....Se olhamos trabalhos de Assionara Souza, Paulo Sandrini, Carlos Machado, Daniel Gonçalves, Fabiano Vianna, Otávio Linhares, Greta Benitez, Rodrigo Madeira, Edson Falcão, Fernando Koproski, Léo Glück, Sabrina Lopes, Alexandre França, Paulo Biscaia, podemos nos gabar de em Curitiba haver uma das melhores literaturas do País. Incluídos os mestres, Dalton Trevisan, Paulo Venturelli, Thadeu Wojciechowski, somando-se ainda Manoel Carlos Karam, Jamil Snege, Valêncio Xavier (que deixaram obras monumentais), aí não tem pra ninguém.
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.....O Estado: Quais são as dificuldades de ser um escritor no Brasil?
.....Não só a dificuldade de sobreviver em termos práticos, em relação à moradia, comida, contas, etc, mas também a necessidade de superação do diletantismo, a coragem pra seguir mesmo sem certezas, agindo com fé na amplidão humana.
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Paula Melech

sexta-feira, 16 de abril de 2010

revista coyote 20

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Eu (LF Leprevost) pela lente de Fabianno Vianna,
conferindo a Revista Coyote nº 20, na qual
vão publicados poemas de minha autoria
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.....Com distribuição nacional, editada em Londrina (PR) por Ademir Assunção, Marcos Losnak e Rodrigo Garcia Lopes, e projeto gráfico de Marcos Losnak, essa edição traz dossiê com o poeta e artista plástico catarinense Rodrigo de Haro. Mais textos inéditos de Um Bom Lugar Pra Morrer, novo livro de Mário Bortolotto. Também Maurício Arruda Mendonça apresentando e traduzindo do japonês haikais da imigrante radicada em Londrina Mityio Sugimoto. Ainda o conto Nos sonhos começam as responsabilidades, do norte-americano Delmore Schwart. E fotografias de Egberto Nogueira, que assina as duas capas que esse número oferece aos leitores. Mais os relatos oníricos da portuguesa Anna Hatherly. Fragmentos do exeperimento Exercícios de Estilo, do francês Raymond Queneau, traduzidos por Sofia Nestrovski. E, pela primeira vez no Brasil, traduções de poemas do beat Bob Kauffman. Além desses, a Coyote 20 apresenta também poemas de Samantha Abreu (Londrina), Luiz Felipe Leprevost (Curitiba) e Ponti Pontedura (São Paulo).
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Para adquirir a sua: Editora Iluminuras,
fone (11) 3031-6161, www.iluminuras.com.br.
Também no Sebo do Bac www.sebodobac.com.
Contatos: losnak@onda.com.br /
Fone: (43) 3334-3299 / (11) 3731-3281.

o último cigarro do maço antes de atravessar a rua dos pinguins tristonhos

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Câmera e edição Guto Presidente
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Tristíssimo
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triste, tristíssimo
fudido e mal pago
deprimido, derrotado
sem perspectivas de futuro
feito um burro empacado
sobrevivendo da sopa rala do meu pranto
me escondendo nos antros
do centro da cidade
ninguém me ama
ninguém me quer
ninguém pra me pegar no pé
ninguém pra me encher o saco
ninguém pra eu fazer um pacto
ninguém pra dar escândalo na frente do meu prédio
ninguém pra me acusar de assédio
ninguém me ama
ninguém me quer
ninguém pra partir pra ignorância
ninguém pra me xingar de criança
ninguém pra me ninar
ninguém pra me internar
ninguém pra armar uma armadilha
ninguém pra discutir pensão na vara de família
só a minha sombra me seguindo
entre postes dormindo igual girafas
sob a luz branca da chuva de granizo
e o reflexo do teu rosto
nas poças em que piso

quinta-feira, 15 de abril de 2010

chacal e fausto fawcet em curitiba, no wonka

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Chacal
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Espere baby não desespere
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espere baby não desespere
não me venha com propostas tão fora de propósito
não acene com planos mirabolantes mas tão distantes
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espere baby não desespere
vamos tomar mais um e falar sobre o mistério da lua vaga
dylan na vitrola dedo nas teclas
canto invento enquanto o vento marasma
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espere baby não desespere
temos um quarto uma eletrola uma cartola
vamos puxar um coelho um baralho e um castelo de cartas
vamos viver o tempo esquecido do mago merlin
vamos montar o espelho partido da vida como ela é
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espere baby não desespere
a lagoa há de secar
e nós não ficaremos mais a ver navios
e nós não ficaremos mais a roer o fio da vida
e nós não ficaremos mais a temer a asa negra do fim
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espere baby não desespere
porque nesse dia soprará o vento da ventura
porque nesse dia chegará a roda da fortuna
porque nesse dia se ouvirá o canto do amor
e meu dedo não mais ferirá o silêncio da noite
com estampidos perdidos
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Poema do mestre Chacal,
que na terça-feira, dia 20,
estará em Curitiba para apresentação
ao meu lado e de Fausto Fawcet,
no Wonka Bar (Rua Trajano Reis, 326 - centro).

quarta-feira, 14 de abril de 2010

parece um poema de jacques prévert

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.....Parece um poema do Jacques Prévert
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Sabe do que me lembro? A Av. Batel enormemente nublada. Cheia de letreiros néon, coloridos. E gente, gente pra caralho. Os play-boys com aquelas Harley Davidson parecendo que iam tropeçar nos letreiros. Táxis pra tudo que é lado. A gente tinha vindo andando desde lá de baixo — só você mesmo pra me fazer andar a Batel inteirinha, desde lá onde ela já mudou de nome. E naquele dia você tava muito impressionada, por causa de uma estória que saiu no jornal e tudo. Overdose. Um suicídio no Edifício Tijucas. O cara deixou um bilhete triste pra caralho. Sei lá o quê, sobre sua namorada, sobre como ele lembrava dela, linda, encostada na pilastra de um bar. E a gente veio andando, passando pelos Colégios Marista e Rio Branco. E você contou que tinha estudado ali e que os teus colegas do Marista se cagavam de medo da piazada do Rio Branco. E você comentou a arquitetura. Comparou com a arquitetura de todos aqueles bares enormes que proliferaram na Batel. Você cumprimentou o manobrista de um dos Valet, eu perguntei quem era e você disse que ele tinha feito balé com você na adolescência. Aí eu disse que eu também queria ter sido bailarino, e você não acreditou, e a gente riu da minha barriga. E eu comecei a falar sobre dança, tentei explicar porque considerava que a maneira como o Mick Jagger dança é um butô. Aí eu fiz alguns passos e você disse taí, o butô do Mick Jagger. A gente chegou rindo pra caralho na Pracinha do Batel, e eu quis arrombar a loja de flores pra te dar um buquê de girassóis, mas o cara do posto da frente não entendeu que a gente tava brincando e disse que ia chamar a polícia. Então eu desisti, e você premiou a minha desistência com um beijaço melecado pra caralho, e eu limpei a baba na manga do pulôver, e ficou um monte de cabelinho de lã na minha língua, e eu dizia vem cá beijar um pulôver de lã, e você fugiu. Depois eu tirei uma foto tua sentada naquele portal tão bonito que tem ali. E a gente foi andando até o Shopping Crystal, mas o filme que a gente ia assistir já tinha começado, e eu queria entrar, e você me contou uma estória assustadora sobre uma maldição que ataca aquelas pessoas que entram no cinema depois que o filme já começou... Então a gente subiu, eu queria te pegar no colo porque você disse que tinha medo de escada rolante. Aí você disse “eu tenho mais medo de escada rolante quando tô no colo de alguém”. E a gente sentou na Confeitaria Lancaster, eu quis pedir uma salada de frutas, mas você me proibiu, disse que não admitia que alguém fosse numa confeitaria e pedisse uma salada de frutas, que isso seria o mesmo que subverter o pecado original. Só tava a gente ali, com todos aqueles doces nada populares nos olhando. Você ficava hipnotizada por aquelas guloseimas coloridas. Você disse “parece um poema”, e eu não entendi aquela comparação, eu fazia aquela minha cara...
.....Fazia mesmo...
........de bobão. Então você repetia parece um...
........poema...
........Jacques Prévert...
.....Eu sempre gostei do Prévert.
.....Você adorava a poesia dele. E eu achava ducaralho isso de você comparar a vitrine de uma confeitaria com um poema. E aí naquele dia você quis me levar lá nos fundos do shopping, e já era super tarde. Tava um frio fudido lá fora. Nem o cara do cachorro quente da Comendador Araújo tinha ido trabalhar. A cidade totalmente vazia, lembra?
.....Lembro, claro.
.....E você me levou lá nos fundos do Crystal. E era um lugar horrível. Toda aquela montanha de lixo dos restaurantes. Eu não entendia porque a gente tava ali naquele lugar fedorento.
.....Tampando o nariz assim.
.....Era nojento. Tava cheio de ratos, e eles não pareciam nem um pouco incomodados com a nossa presença. Era uma orgia de roedores. Tinha aquela gordona, uma ratazana enorme, cinza, pêlo grosso. Você ergueu a cabeça assim e falou apontando pra ela “aquela ali é a rainha dos ratos”...
........“se ele não tivesse aqui as coisas sairiam do controle”.
.....Foi exatamente isso que você falou, que se a ratona não tivesse ali provavelmente uma orda de ratos nos atacaria e a gente ia ser devorados vivos.
.....E aquilo tudo te deixou tremendo de pânico.
.....É, a gente saiu correndo pela Comendador na direção do centro...
.....Você gritava “eles tão vindo atrás da gente, não olha pra trás, só corre, eles tão nos alcançando”. E a gente correu até a Praça Osório...
........completamente deserta. A Osório tava um deserto total.
.....E você me disse “Nanda, quando eu morrer”... “Psiu”, eu fiz psiu e coloquei o dedo nos teus lábios... mas não adiantou, e você continuo dizendo “promete, quando eu morrer, promete, Nanda, que você paga pelo serviço funerário”...
.....Você ficou puta da cara, e disse “como assim, ficou maluco?”, foi o que você disse... você tava espantada... você falou “pára de fazer drama, Júlio”... e eu falei que tava com muito medo de morrer, que eu tinha tido um sonho esquisito com casulos e bichos da seda sendo devorados por dentes afiados.
.....É, você continuo com aquele papo surreal... você disse que não tinha quem fizesse isso por você... que se eu não cuidasse de você eles iam te jogar pros ratos... eu disse “não vamos pensar nessas coisas, Júlio”... e você “prometa, prometa, Nanda, por favor, prometa que você cuida de mim... sério, Nanda... é sério”...
........“não deixe que me dêem pros ratos”...
.....É, foi aí que centenas de morcegos voaram entre as árvores da Praça Osório... e mesmo assim...
.....Você não me levou à sério.

o último cigarro do maço antes de atravessar a rua dos pinguins tristonhos

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O medo

o medo tem na pele
casca de machucado
veste a carapuça
se empapuça
e tem uma fuça vermelha de diabo
o medo se acha feio
quando se espelha se dá conta
que tá só de cuecas e de meias

o medo tem cu
e quem tem cu tem medo

o medo assombra
fuma e não assume
se pune escondido
se auto-flagela e até acha divertido
o medo tem um olho com remela
uma boca banguela
e um andar com sequela de tiro

o medo tem cu
e quem tem cu tem medo

o medo enxerga muito
mas é mudo
o sortudo não usa escudo
e tem talento pra bandido
o medo é mesmo meio pervertido
se dá bem com os artistas
toda semana é notícia
tem a amigos na polícia

o medo tem cu
e quem tem cu tem medo

o medo engole seco
estica e dá uns teco
o medo vai ao médico
tomar remédio genérico
o medo é alérgico
desavergonhado e jacu
tem cara de cruz credo
o medo tem cu

segunda-feira, 12 de abril de 2010

já viu como um pinguim anda?

GUADALUPE
Terminal Guadalupe - Pomba
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Petit pavê, petit pavê, petit pavê, petit pavê, petit pavê, petit pavê, petit pavê, petit pavê, milho, milho, petit pavê, petit pavê, milho, petit pavê, petit pavê, petit pavê, petit pavê, milho, petit pavê.
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Todo mundo é o hoje. Todo o mundo é hoje. Quanta gente na rua, né? Indo e vindo. Dando adeus. Voltando. Sabe, eu não acredito em democracia o mesmo tanto que acredito no Terminal Guadalupe.
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Petit pavê, petit pavê, petit pavê, petit pavê, petit pavê, petit pavê, petit pavê, petit pavê, milho, milho, petit pavê, petit pavê, milho.
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Minha vida, todo santo dia, é aqui. Cabelo cresceu, vou ali no salão. Tô com tosse? Farmácia. Com fome? Lanchonete. Tô curiosa? Banca de revistas. Tô com sono, vou lá pros fundos e durmo.
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É aqui que vivo, conversando, ajudando, assistindo os ônibus que vão pra Barreirinha. Pro Boqueirão. Pro Centro Cívico. Sítio Cercado (de Ligeirinho). Vai pra Fazendinha. Maracanã. Rodovia da Uva. Do centro pro Conjunto Atuba, pra Vila Zumbi, Vila Palmital, Capão do Atuba, Colombo, Jardim Osasco, Jardim César Augusto, Jardim Arapongas, São Sebastião, São Gabriel, Roça Grande, Cambará, Guaraci, Jardim Ana Rosa, Santa Teresa, Presídio de Piraquara, Urano, Apolo, Aeroporto, Pedro Moro, Xingu, Independência, Braga, Quissisana, PUC, Jardim Ipê, Izaura, Posto Paris, Guatupê, Roseira, Campina Grande do Sul, Eugênia Maria, Timbu, Pousada, Quatro Barras (pela Estrada da Graciosa), Quatro Barras (pela BR 116), São Dimas (Madrugueiro), Pinhais.
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É aqui minha vida.
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Petit pavê, petit pavê, petit pavê, petit pavê, milho, petit pavê.
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Mas qual é maior tristeza de uma pomba?
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Tudo que sei é que estou viva. Eu estou viva, pois não? Mas não tenho a mínima ideia de quanto tempo ainda me resta de vida pela frente. Tenho a sensação que me resta ainda muito tempo de vida pela frente. De qualquer modo, espero que a minha sensação de que me resta muito tempo de vida pela frente não seja uma premeditação dos sentidos traidores. Sim, porque há os sentidos traidores, os que iludem o corpo.
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Sabe, se a ciência um dia conseguir uma geração inteira de humanos não perecíveis, o que será da humanidade? Pra mim os seres humanos são semelhantes às frutas. Veja bem, é ok na condição da fruta o fato de pra ela não existir preservação, ou seja, a delícia dos sabores se diferenciar da podridão por tão pouco.
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Seres humanos... Tudo o que sei sobre vocês é o que temos em comum, o fato de que dentro do frio faz frio. E que pra quem vive no chão faz mais frio ainda.
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Hoje, mais uma vez, vai ser isso, o dia de comer sem molho os ossos desse mundo cão.
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Petit pavê, milho, petit pavê.
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Qual é a maior tristeza de uma pomba? A maior tristeza de uma pomba é não ter mãos. Não poder escondê-las nos bolsos. Não poder contar o troco nos dedos. As mãos com que você segura, afaga, escreve, mata. As mãos são o que inicia a humanidade, a nossa capacidade de pensar. E o que as mãos levam em direção à boca é o que inicia a nossa alma. Alguém que por ventura não tem mãos, terá que fazer de outras partes de seu corpo novas, digo, mãos análogas. Num bebê, antes dele saber usar mãos, as mãos são os peitos da sua mãe. Os peitos da mãe e a boca do bebê são o que inicia a alma dos bebês.
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Milho, petit pavê, petit pavê.
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Como não tenho mãos, mas asas, é bem comum as pessoas falarem pra mim: Você é um anjo. Geralmente não acredito. Sinto-me, desde que tenho consciência, não sei explicar, sinto que sou uma maldita, uma caída. Mas há, é verdade, essa recorrência de me chamarem de anjo. Então, por que não admitir que, sim, eu sou. Talvez, pelo simples motivo de que sou uma garota legal, honesta, carinhosa, educada e coisa e tal. No entanto, logo me chega outra voz da consciência, fazendo com que eu me lembre que também sou egoísta, inconveniente, vaidosa, sei lá, enfim, uma pecador natural. Eu disse uma pecadora natural e não uma pescadora natural. Pescadora... como poderia ser uma sem o uso das mãos. Bem, se eu fosse um pinguim ao menos. Mas não é o caso. Sou apenas essa maldita pomba suja.
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Petit pavê.

domingo, 11 de abril de 2010

domingos oliveira

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Essa postagem é pra vocês,
Adriano Petermann,
Fabiula Nascimento
e Alexandre Nero.

revista coyote 20

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Sensacional: Revista Coyote, nº 20.
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Com distribuição nacional, editada em Londrina (PR) por Ademir Assunção, Marcos Losnak e Rodrigo Garcia Lopes, e projeto gráfico de Marcos Losnak, essa edição traz dossiê com o poeta e artista plástico catarinense Rodrigo de Haro. Mais textos inéditos de Um Bom Lugar Pra Morrer, novo livro de Mário Bortolotto. Também Maurício Arruda Mendonça apresentando e traduzindo do japonês haikais da imigrante radicada em Londrina Mityio Sugimoto. Ainda o conto Nos sonhos começam as responsabilidades, do norte-americano Delmore Schwart. E fotografias de Egberto Nogueira, que assina as duas capas que esse número oferece aos leitores. Mais os relatos oníricos da portuguesa Anna Hatherly. Fragmentos do exeperimento Exercícios de Estilo, do francês Raymond Queneau, traduzidos por Sofia Nestrovski. E, pela primeira vez no Brasil, traduções de poemas do beat Bob Kauffman.
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Além disso, seguindo o compromisso de revelar novos talentos, a Coyote 20 apresenta poemas de Samantha Abreu (Londrina), Luiz Felipe Leprevost (Curitiba) e Ponti Pontedura (São Paulo).
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"A linguagem da poesia será fatalmente constituída por sucessivo espanto, ou não será nada", é o que afirma em entrevista Rodrigo de Haro. E eu estou com ele.
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Em seus sete anos de atividade, a Coyote prossegue abrindo espaço para novos autores, resgatando e apresentando nomes importantes das letras e das artes, de épocas e lugares diferentes, instigando a reflexão e a criação literária.
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A revista Coyote é uma publicação da Kan Editora, nesse número com 52 páginas. É patrocinada pelo PROMIC (Programa Municipal de Incentivo à Cultura), da cidade de Londrina. Tem distribuição nacional (em livrarias) pela Editora Iluminuras, custando R$ 10,00 o exemplar.
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Para adquirir a sua: Editora Iluminuras – fone (11) 3031-6161, site www.iluminuras.com.br. Também no Sebo do Bac www.sebodobac.com.
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Contatos: losnak@onda.com.br / rgarcialopes@gmail.com / zonabranca@uol.com.br.
Fone: (43) 3334-3299 / (11) 3731-3281.

o último cigarro do maço antes de atravessar a rua dos pinguins tristonhos

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Vila Mimosa, Rio de Janeiro, por Fabiano Accorsi
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Os mais putos

precisei dar um grito microfonado
precisei pular sem pára-quedas
precisei beijar o sapo, decretar feriado
descabaçar futuras Medéias
jogar contra a parede potes de geléia
desmiolar as ideias
e ficar muda pra ter papo
precisei matar com tiro
frequentar retiro
se tem que tirar calcinha, eu tiro
sutiã, anéis, brincos, meias
eu fui loba nas luas cheias
frequentei quartéis, mocós, motéis, mosteiros
trepei ao mesmo tempo com os Sete Anões
e os Três Mosqueteiros
e com todos os guerreiros medievais
e com todas as torcidas dos futebóis
em troca de duas notas de dez reais
e alguns goles de café preto
sim, eu fui o que você quiser
e poucas vezes tive medo
eu poucas vezes tive medo
quando provoquei porrada
cheirei bucetas e cocaínas
como fosse a fada alada
mergulhada no esgoto, recebendo arroto
gozada em todos os buracos
me cortei com gilete, com caco de vidro
me queimei com charuto e gostei, não duvido
porque eu amei, eu amei, eu amei os mais putos
e por isso agradeço, como quem agride, agradeço
e ardo, ardo como quem aguarda, eu ardo

sexta-feira, 9 de abril de 2010

o último cigarro do maço antes de atravessar a rua dos pinguins tristonhos

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assobiando apelo

ando tão perdido
que quanto mais procurado
mais ia me perder
e se fosse achado
ninguém ia me reconhecer
ando tão só, esquimó
num deserto de gelo
que quem passasse por mim
veria uma peça rota, torta
fora do dominó
e não conseguiria sequer sentir dó
ando tão triste
que se alguém me visse
talvez em vez de pedir
por favor, não desiste
ia preferir que eu de novo sumisse
ando mesmo
numa baita dor de cotovelo
numa puta deprê
tanto que em tua rua
se você me escutasse
assobiando Apelo
ia aumentar o volume da TV
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quinta-feira, 8 de abril de 2010

o último cigarro do maço antes de atravessar a rua dos pinguins tristonhos

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vivendo sem por quê

não sei o que me traz a essa cidade pequena
onde uma dona na janela censura o meu modo de fumar
as calçadas não compreendem meus passos lentos
e a garganta pede um trago pois precisa respirar
nas casas luzes se apagam
da praça o maloqueiro faz seu lar
a lua bate em minha nuca
a friagem rasga os meus lábios
mijo no esqueleto de uma árvore
e cuspo numa poça o chiclete sem açúcar
madrugada, e os porcos e galinhas vão vivendo sem por quê
morcegos se escondem no telhado das Igrejas
minhas dores latejam no latido dos cachorros
estou sem planos nem segredos
e até as meias feito um torniquete
pretendem meus tornozelos enforcar

segunda-feira, 5 de abril de 2010

uma epígrafe

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...............................Comer ou sonhar ou estar à mesa
da fantasia nocturna
seria para um homem, sob a abóbada da cabeça, como
o espírito caído dentro da forma
e a forma incrustada, como uma lâmpada,
na inspiração da cabeça.
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- Cada boca pousada sobre a terra
pousaria
sobre a voz universal de outra boca.
Herberto Helder

domingo, 4 de abril de 2010

notas para um livro bonito

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.....Aguente se flechas e relâmpagos estouram as retinas. Se pregos enferrujados ferroam os tendões. Aguente se pistolas se cravam nas costas e arpões crêem que você não passa de um mostro marinho. Aguente se a escuridão em febre abre abismos com gárgulas e mandíbulas sob os tornozelos. Aguente caso a guerra apavorada arrebente entre bárbaros e samurais enquanto você vela flores distraídas na primavera. Aguente flamboyants desprezados por pássaros e uma ilha afundar feito o navio pirata em chamas. Aguente o amarelo do céu pétala a pétala escalpelado. E a manhã perdendo de si as horas da chegada. Aguente o banho que é armadilha de fogo. E cacos de garrafa mastigando os mais discretos pesares. Aguente tubarões e morcegos perfurando os tímpanos. E os joelhos retorcidos feito árvores no pomar das dores.

três epígrafes e rodrigo madeira show

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as aves noticiando que amanhã
é um jornal em branco.
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(...)
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domingo não é um dia,
apenas mais um dia.
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domingo é uma semana,
domingo é a vida inteira.
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(...)
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Respirar é minha única religião.
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Rodrigo Madeira.
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Clique na imagem e ela fica maior

sábado, 3 de abril de 2010

sexta-feira, 2 de abril de 2010

balbucios de blues

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.....Não sei até quando isso vai, infelizmente algumas pessoas nunca acabam de me destruir.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

notas para um livro bonito

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.....O que em mim é raro atua com as mãos. Incrivelmente, sinto que só não é ilusão a página trágica na qual me rabisco. Raspo do papel a neblina e traço rotas. Desenho feito as aranhas que infestam de teias os porões que inventamos chamar de “o tempo”. O tempo, sua ferocidade vem à jato. Inspiro fundo antes que me faltem escolhas. Posso até ter pressa, mas sei que não me ultrapassarei. Em certa altura a vida congestiona feito um nariz constipado, isso é que é. Já devem ter dito de mim: Aí está o que atravanca. Bem, cada um de nós com sua fama. Devo ser o quê? Um colecionador de fragilidades naufragadas. Com sapatos herdados, todavia, caminho ainda copiando o sabor da terra. Aqui estão as tias, a avó na horta. Meus primos e irmãos em meus olhos impregnados desse lugar radiante. Pisco, esfrego o rosto como quando se acorda e o olho arde. Nos salões da cabeça meu mundo particular pesa. Preciso espremê-lo como a uma esponja com água retida. O coração, um vaso rústico sem planta dentro. Isso, me abarroto com metáforas. A metáfora é um método que ajuda a não esquecer. Apesar de eu ser incapaz de confiscar lembranças. Elas chegam, vou pegá-las com as mãos, fogem.