terça-feira, 24 de julho de 2012


Duas mulheres, senhoras que (como tantas outras) vêm ao Barigui caminhar para a saúde. Estas, diferentemente, dão de comer aos três cães que eternamente vagabundeiam por ali. Trazem uma bacia de tamanho médio com ração e depositam na grama. Conversam com eles que, ao contrário da maioria dos que conheço, têm para com elas, senão indiferença, já que à fome cedem, um jeito entre o desleixo, a preguiça social e mesmo a desconfiança. O que dos três parece ser o mais idoso, todavia, sabe bem como devolver-lhes um olhar de gratidão, por si mesmo e sua ociosa matilha, já sem um quê qualquer de lobo. Mais: já sem um quê qualquer de cão.

domingo, 15 de julho de 2012

Beckett nosso avô mal humorado veio para o fim de semana e quebrou todos os nossos brinquedos iluminados. estamos sentados nas firmes cadeiras dos conceitos e o vô, mais forte do que nunca, chuta os pés de todas elas. após a macarronada fugimos pro banheiro, Tibete telhado do mundo e ahum ahum ahum para fundirmo-nos ao todo do universo, mas o lugar está morto e o homem é um corpo de neblina e eu o quê, então não sou alguém? eis uma coisa no meio de infinitas outras que nem coisas são. eis uma, afirmá-la advém da fé, a coisa, que se fabrica como se fabricam leis e salsichas. ah, façam-se logo escadarias e se distribuam ao menos joelheiras para os penitentes porque, a contrário, nosso avô só nos dá o que ele não tem: amor.

quarta-feira, 11 de julho de 2012


Squash
há coisas a meu respeito de que nem meus amigos mais próximos têm conhecimento. por exemplo, sabem eles que dos meus 16 aos 20 anos fui jogador aplicado de squash, este esporte considerado tão burguês, ao mesmo tempo tão prático para uma cidade como Curitiba cujo índice pluviométrico se dá como um dos maiores do país? não sabem. hoje, 13 anos depois, voltei a jogar e foi como houvesse nunca parado. toda a técnica, os tempos de bola estavam em mim, no corpo. poder voltar ao jogo se deve ao fato de, desde fevereiro, vir cuidando de minha saúde, com acompanhamento de Valeria Guilherme, a quem devo este salvamento da vida pela via do esporte, não para projeções platônicas de futuro, mas para o regalo do presente. comprometido com o processo de dança que venho desenvolvendo com Carmen Jorge e Ane Adade, e também com o grupo Batom, passei a reparar que por muito tempo vivi o conflito de negligenciar o corpo no âmbito da saúde, ao mesmo tempo em que colocava desafios hercúleos para ele. em minha pessoal experiência, o teatro propriamente se coloca neste lugar de recodificações físicas, ações impossíveis, habitações extraordinárias, mas nunca nos malabarismos. usar o corpo no teatro e dar conta sempre me deu orgulho e dor existencial. quanto ao corpo dos esportes, não sei bem quando passei a me envergonhar dele, quando comecei a negá-lo como fosse algo menor, mediocrizado pelo capitalismo, pela padronização do corpo-massa a que se referia Celina Sodré em suas aulas, na CAL, opondo-o ao corpo-canal, aprendidos das teorias de Jerzy Grotowski. bem, definitivamente não sou o padrão, nem de um, nem de outro. e meu corpo, infelizmente, nunca emitiu luz que eu saiba, como o do ator Ryszard Cieslak. sou radicalmente pelo corpo-canal, mas já sei que para sê-lo integramente, é preciso que todos os outros corpos possíveis e impossíveis estejam nele contidos. todavia, não tenho mais do que me envergonhar. nem mesmo de ser apenas mais um rostinho bonito, como sei que de mim já se falou, talvez de modo metafórico, querendo se insinuar outras ofensas. já senti na carne tudo isso, toda a glória de ser um corpo-canal, o corpo-massa fracassado e o gigantesco preconceito, ignorado, que existe contra o gordo (hambúrguer e anfetamina, que fossa, hein, meu chapa!? daí que se me acusarem de burguesinho (por um lado, não sou, mas por outro, sou) curitibano do Batel (onde não moro, mas já morei, assim como no bairro de Santa Quitéria), como muito já se fez, por ter agora, após uma vida de 13 anos (a maioria deles entregue aos excessos, especialmente do álcool), voltado a jogar squash, só poderei abrir um nem tão sutil bocejo, porque estarei descansando para a próxima partida. mal me comparando, Vinicius de Moraes treinou jiu-jitsu com Hélio Gracie. quando os lutadores souberam que ele escrevia poesia, fizeram insinuações a cerca de sua masculinidade. nunca teremos certeza, mas tal preconceito possivelmente o afastou do esporte. certamente não era este o motivo de Vinicius de Moraes (tão meu pai quanto meu pai e é por isso que posso falar assim dele) ter sido alcoólatra (e sua dignidade, intacta). o buraco da escravidão do alcoolismo é bem mais embaixo (sei disso, apesar de não ser alcoólatra). não pretendo com isso mudar ninguém. tenho amigos que bebem e fumam e eles sabem que não fico dando uma de Dr. Drauzio. é como diz o mestre Tibério Santos, não ofertemos sentido a quem não demanda. de todo modo, se os amigos quiserem vir para uma caminhada comigo, vou ficar feliz, porque as pernas nos ajudam a pensar. Ernest Hemingway escrevia em pé. segundo um de seus poemas, Paulo Leminski também. Murakami escreveu um livro chamado Do que eu falo quando eu falo de corrida. no romance O Animal Agonizante, Philip Roth, mais sutilmente, coloca dois grandes amigos, sessentões, um crítico de arte, o outro poeta laureado, tendo os papos mais banalmente profundos nos intervalos de suas partidas de squash. é um detalhe no brilhante livro de Roth, mas que joga estes dois senhores bem sucedidos profissionalmente direto na discussão de relevantes conteúdos da contemporaneidade: o enclausuramento das relações nas cidades, o corpo que não quer envelhecer e morrer... Roth espelha a beleza da juventude selvagem e latina com a sabedoria civilizadamente ilustrada, de herança européia. e a doença em tudo sob as aparências. e o amor está em foco, no velho que não sabe deixar de pensar feito um adolescente em busca de sexo apesar de ter o conhecimento do mundo, vendo-se escravo dos afetos, de um jeito tão antigo de sentir e lidar com o medo da rejeição. a incapacidade de se deixar fazer as mortes necessárias para o amadurecimento, algo como o filho do protagonistas não conseguir matar o pai. ou a amante de anos cujo o sexo envelhecido (beleza e frescor já não contam), automático (animalidade já não se faz presente), casual (mais tolerância, conforto, que admiração apaixonada), sendo o mais permanentemente inevitável e até profundo relacionamento. é sublime o livro de Roth e não pretendo dar conta aqui de analisá-lo. são apenas pensamentos um tanto apressados que me chegam à mente agora, após cinquenta minutos dentro de uma sala de squash, este aquário retangular que alugamos pagando com o cartão de crédito e em que nos debatemos para gratuitamente suar. é idiota, eu sei. mas se olhado com o devido distanciamento, o que não é?  Por outro lado, é um esporte. como tal, promove a estetização e ritualização de uma forma de vida. e isso é já bonito. sei que eu deveria estar teorizando sobre teatro e poesia para ser um pouco mais respeitado. paciência. mesmo sabendo de minha trágica condição humana, mesmo sabendo que basta um passo de cima do meio-fio na direção da linha do Ônibus Expresso e ele providenciará o meu fim, estou empenhado na tentativa, talvez vã, de cuidar de minha saúde. e textos como este são o máximo que pretendo fazer contra mim.

terça-feira, 3 de julho de 2012

JÁ TIVE UNS ATAQUES, VOU TER MAIS SÍNCOPE


Total canção de amor

já tive uns ataques, vou ter mais síncope
de tão velho pensei que nunca mais 
ia ultrapassar antílopes
e não me venham com ciclopes míticos
muito menos com abalos sísmicos
e essas suas convulsões peristálticas

o novo mundo é meu
eu que descobri
e vou registrar em meu nome
daqui pra frente
ninguém morre de fome

parceria minha com Antonio Thadeu Wojciechowski e Troy Rossilho

JÁ TIVE UNS ATAQUES, VOU TER MAIS SÍNCOPE


Nick Vandrik

não faço complôs
não me iludem elogios
posses, preces, penas
e promessas de políticos

não sou um casca-grossa
nem anjo da guarda
prefiro que use farda
quem de mim não gosta

para que eu possa
logo assim de cara
identifica-lo

foi o que disse
nick vandrik
naquela noite triste

mesmo se tua boca
com pressa me morde
e depois de alimentada
os meus restos cospe

eu não sou pacato
nem vou tramar pactos
ou assinar contratos
que de outros pratos

roubem a comida
de gente sem um puto
no bolso furado

foi o que disse
nick vandrik
naquela noite triste

não dou a outra face
não sou útil nem sutil
não peço que me abracem
ou me tirem desse frio

eu não tô na boa
também não tô na moda
não uso disfarces
pra obter as minhas fodas

eu não sou um desses
que pagam suas vinganças
na mesma moeda

foi o que disse
nick vandrik
naquela noite triste

sei que em alguns casos
se regride com o progresso
não sou obsessivo
por obter sucesso

não sou um bom exemplo
não sei ganhar dinheiro
e nem chegar primeiro
ou criar um grande templo

não sou eu agora
que nesse vespeiro
vou meter os braços

foi o que disse
nick vandrik
naquela noite triste

dizem que a esperança
é a última que morre
além da minha dança
quem é que me socorre

eu não faço aliança
com canalhas da tua laia
não vou vestir mortalhas
nem posar de delinqüente

empunhando o ferro
que berra o sangue quente
das secas metralhas

foi o que disse
nick vandrik
naquela noite triste

nada é mais covarde
do que raiva quando invade
o coração humano
transformando ele

numa coisa tosca 
num mundo de bosta
o amor jogado fora
na lama de uma fossa

não tenho o riso frouxo
e sei que o hematoma
sempre fica roxo

foi o que disse
nick vandrik
naquela noite triste

foi o que disse
nick vandrik
naquela noite triste

foi o que disse
nick vandrik
antes de ser baleado

JÁ TIVE UNS ATAQUES, VOU TER MAIS SÍNCOPE


Aquela menina

aquela menina mata aquela desacata
aquela menina gata aquela menina ah tá
aquela menina jura que é uma menina pura
aquela menina urra aquela é meio burra
daquela menina corra daquela menina porra
aquela menina triste aquela menina existe
aquela menina alpiste aquela diz que disse
aquela não se despe com aquela não se avexe não
aquela menina é um canhão aquela é um fodão

aquela maria gasolina aquela não tem vagina
aquela menina mima aquela minha irmã
aquela menina rima com menina rima com menina
aquela menina bela aquela menina aquela
aquela menina aqui aquela menina rica ri
aquela lá da martinica aquela menina fica
fica com qualquer menina com qualquer menina
aquela menina reina aquela menina teima
aquela das outras meninas queima as retinas

aquela menina xucra aquela menina chupa
aquela menina fruta aquela menina bruta
aquela meio biruta aquela vem e te estupra
aquela menina sex aquela menina mexe
aquela menina botox aquela é contra cheques
aquela obra prima aquela menina esquina
aquela menina esquema aquela é um problema
aquela menina hein aquela menina tem
aquela menina intervém aquela não é ninguém

aquela menina ah aquela só quer zoar
aquela menina não dá aquela menina má
aquela é a babá boa aquela boi-bumbá
aquela muita barba aquela baba de raiva
aquela menina sã aquela menina rã
aquela mel e maçã aquela meio tantan
aquela é minha fã aquela balangandã
aquela menina albina aquela melanina
aquela duas buzinas aquela uma assassina

domingo, 1 de julho de 2012

escutar as coxas, queimar a orelha nelas. e agora, vou para cima do abraço. e então, só com os olhos. com os olhos entro nos seus olhos. e lá embaixo, os pés. as meias atrapalham. os pés se viram até, nus, dançarem no ar. nem é sobre você o que o ar, é a partir. você só respira. e sai de mim a respiração também, que quer deitar na sua fala quando você fala. sua fala, este medo que agora está em pé. para diminuir seu medo, minha ideia era amputar-me, mas quem, como, eu ia abraçar? para diminuir seu medo, minha ideia era dar os olhos de comer a terra. é, não sou bom de ideias, das ideias. já você, vai melhor. só respira e sua beleza já está construindo o espaço. você se mexe bem pouquinho, e eu já quero assistir. assistir no sentido de ajudar.