terça-feira, 29 de dezembro de 2009

férias

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Vou tirar umas férias. Pretendo ficar longe do computador durante o mês de janeiro. Tenham todos uma ótima virada de ano. Que venha lindo o 2010.
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Deixo algumas sugestões para aqueles que aqui estiverem no período de minha ausência. Olha só que bacana.
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Myspace da banda carioca Os outros. Adoro a energia dessa piazada. Eles arrebatam o ouvinte já no primeiro acorde e mantém a pegada até o final do disco. Botika cantando é demais.
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Crônicas fundamentais da escritora Fal Azevedo.
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Site e blogs de Fabiano Vianna. Um dos escritores mais divertidos e sagazes que já conheci.
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Blog do jornalista Omar Godoy. Ele pesquisa produções culturais as mais variadas e, com inteligência e simplicidade, revela o que nelas há de melhor.
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Site da banda Nuvens. Baladas muito lindas, com arranjos de primeira e a voz cheia de poesia do RaphaelMoraes. Destaque para Cândido, Uma vela em um oceano e Jovens tragédias.
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Blog Pó&teias. Uma ótima e constante antologia de ótimos textos e belas imagens.
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On Lounge Café. Em Curitiba, na rua Duque de Caxias, 255. Cerveja gelada e drinques especiais preparados pelo poeta Amarildo Anzolin. O lugar é agradável, com música ambiente da pesada. Não tem nem dois meses que eles abriram as portas e o On já virou um dos meus bares prediletos.
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Por fim, publico um último texto em 2009, pois tudo o que agora nos resta é o futuro. Da série Só é ilusão aquilo que não esqueço, o resto foi real
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.....Eu tinha 12 anos e você 11. Não só por isso a gente estava achando a cerimônia do casamento da sua prima uma coisa muito chata. Então fomos para o jardim atrás da igreja. Você olhou para os meus pés, daí deu um chutezinho leve nas botas. Erguemos os olhos e eles quiseram falar algo muito íntimo, que só os seis (hehe, eu usava óculos de grau já naquela época) deveriam saber. Meu rosto estava sorrindo para tua boca, que veio e deu um beijo nele, bem no filé mignon da bochecha. Então a minha boca ficou com ciúme da minha bochecha e foi beijar a tua bochecha, mas imediatamente a tua boca avançou entrando na frente, querendo mastigar meus dentes de leite.
.....Aceita casar comigo?, perguntei.
.....Você ficou um pouco de perfil, olhando de viés para mim. Era aquela hora do lusco-fusco e você se destacava na tarde cinzenta feito um girassol, só que bem mais humano do que a maioria dos girassóis. E lembro que demorou mais do que eu podia aguentar para que viesse sua resposta, mas mesmo assim aguentei. Acho que suspenso pelo temor da negativa, aguentei. Os sinos da igreja começaram a ir para lá e para cá com seu blém blém blém, blém blém blém. Até que, por baixo daquele som condutor de milagres e glórias, veio enfim sua voz clara feito um copo de água: Aceito.
.....E foi assim que nos casamos a primeira vez.

sábado, 26 de dezembro de 2009

balbucios de blues

E agora que cidade era aquela? Nem litoral, nem grande centro. O interior esdrúxulo de meu país? Quem sabe. O norte vermelho de meu estado. Ruas das quais saiam fogo por entre as rachaduras. E ali estava ele, o menino coxo a equilibrar seu hamster na cabeça. Havia graça naquilo. Um roedor azulado desaparecendo no fundo da cartola rota. Súbito, descia pelo braço, entrava na manga da camiseta, reaparecia pela gola no pescoço. Em seguida alcançava novamente o topo do menino que, feito um mágico, tirava a cartola para agradecer. Era ilógica toda aquela ação. No outro lado da praça a criança de rua com ranho no rosto coçava a virilha, depois deitava nas pernas da irmã mais velha que um pouco antes a tinha espantado. Um vira-lata fazia suas necessidades, depois partia. Minutos se passavam até que moscas pousavam em sua merda gelatinosa. Do outro lado da rua, um sujeito com feridas pedia esmola em frente a panificadora. Tudo era tão ilógico. A risada aguda da moça a passar, entrando no meu ouvido direito e saindo pelo outro. Ilógico. O magricela venenoso que propunha apostas no prêmio acumulado. Ilógico. O mau hálito do taxista no espelho retrovisor do automóvel estacionado. Ilógico. Era ilógico demais ser eu aquele hamster caminhando sem rumo pelo corpo da cidade que mais se assemelhava a um menino coxo.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

balbucios de blues

Como se estar na pele de um velho mendigo em Guaratuba não tivesse sido arriscado o suficiente. Por hora apresento esse breve argumento para construção de outro romance. Um livro que fosse assim como uma cebola. Livros-cebola são aqueles que de tão lindos, inteligentes, fundamentais, você lê chorando desde as primeiras linhas. Nessa minha história haverá passarinhos de fumaça que são os cantos das conversas entre mim e meus primos em Pontal do Sul, olhando o colossal movimento dos navios entrando e saindo da baía em noites salpicadas de estrelas. Noutro dia ao amanhecer a menininha vasculhará a cabana do pai Thomas. E ele deverá interromper o café da manhã na varanda dizendo, com toda a sua experiência de médico: “Olha o beija-flor, filha, ele é capaz de bater mil vezes as asas sem se deslocar um milímetro sequer.” Essa frase dele deverá como que curar os meus olhos poluídos de cidade grande. Eu estarei trazendo pacotinhos de deserto (horizontes esquecidos lá dentro) nos bolsos, um acumulo da desolação de todas as vezes em que minha pequena partiu de férias para sua terra natal. E vai ser assim, tudo que um dia nos fez colar umbigo no umbigo, de novo o mesmo Bob Dylan cantando dentro da boca de Joan Baez quando então rasgarei os pacotinhos com os dentes das minhas próprias canções. E provavelmente, como quase sempre, estarei agindo errado. Talvez porque não devesse contar (e o farei) que quando criança colocava ataduras ao redor do punho e da mão para que os outros pensassem que tinha me machucado e ficassem com pena de mim. Daí, depois, alguns capítulos se passarão também em madrugadas quentes de verão do bairro em que moro, onde (ainda não terei usado essa imagem o suficiente) postes estarão dormindo igual sonâmbulas girafas com olhos de lâmpadas quebradas. E exatamente assim como uma lâmpada que quando é quebrada perde sua luz, exatamente assim eu deverei quebrar meus olhos já incapazes de lágrimas. Por conta disso, às vezes engolirei o choro e o sal da mágoa fará subir minha pressão. E eu, tonto, vou cair de cama. Pois já não será mais verão, e minha imunidade, claro, estará baixíssima. A partir dessa página, um pouco mais já da metade do livro-cebola escrito, dedo a dedo, braços e abraços, começarei então a espirrar igual aos cavalos, no intuito de expelir todo o catarro dos cento e noventa e três cigarros semanais que derreti enquanto me recuperava das idéias que feito um kerouac trancafiado ia jogando nas folhas do caderno. Até que finalmente, só depois de ser eleito “o purgante do ano”, passaria a me tratar com gomos de Aspirina misturados com uísque. Santo Deus, como os amigos se preocupariam comigo durante esses dias todos. Até o final de tarde em que receberia a visita de certa garota me perguntando “como você tem passado?”. E ela teria vindo de ônibus lá do centro até meu bairro na periferia, ela teria chegado ofegante porque obviamente saberia que só uma coisa tinha o poder de me arrancar de dentro da couraça da febre. E ela me daria essa coisa superior ao sexo pelo sexo. E eu seria salvo assim, simplesmente constatando que algumas mulheres são mesmo desse jeito, feito os mais gostosos doces de uma confeitaria, a todo momento olhando para você como dissessem “me deguste agora ou nunca mais”. E, desse modo, caras espertos como eu entrariam nelas muito mais pelas axilas do que pela vagina. Não, não ia dar para ser dessa maneira. Sei que nessa estória (só nessa) eu jamais treparia com uma garota dessas se acreditasse que doces, tortas, guloseimas em geral eram apenas a maquiagem do açúcar. Acho que eu não estaria em busca de uma garota doce, a menos que alguém... não. Então seria de um jeito diferente, acho, que tudo se desenrolaria. Quem sabe assim: quando criança eu teria colocado atadura ao redor do punho e da mão para que os outros pensassem que tinha me machucado e ficassem com pena de mim. E contar isso agora seria uma ingênua covardia contra tempos remotos. Então eu deveria estar mesmo agindo errado. Além do mais, alguém digno de pena por acaso não repelia os outros muito mais do que atraia? Além do mais, tempos remotos... o que essa porcaria poderia significar? Só a contemporaneidade estaria existindo para o mundo, isso desde que o mundo tinha sido mundo. Além do mais, na época em que o romance seria narrado, eu não passaria de um garotinho assustado. E o epílogo seria só quando outra vez me perdesse em túneis de neblina, soterrando o amor que não dera certo. E às vezes o amor seria menos que uma piada de mau gosto, noutras ele poderia ser parente da desgraça de bentevis no fundo de garrafas a me seduzir dizendo “você tem que ir até o final, você tem que ir até o final”. E então, após percorrer nem sei quantas centenas de parágrafos para chegar novamente na primeira página, eu recomeçaria a escrever de novo e de novo e de novo um romance que exigia que eu sempre o começasse com a frase “você tem que ir até o final desse livro-cebola”.

antologia dylan


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sábado, 19 de dezembro de 2009

balbucios de blues

Em minha última temporada de verão em Guaratuba eu era um velho mendigo desses que dormem próximos das pedras, dentro dos barcos fora de uso. Não aceitava que perto de mim alguém falasse sobre flores. Queria que todos me considerassem grotesco. Minha aparência podia ser até que sugerisse isso, mas minha fala era calma e preenchida de sabedoria. Por que você quer que o considerem grotesco?, perguntavam-me. É que dois olhos não devem saber enxergar mais do que o nariz, eu respondia. Depois ficava um tempo em silêncio. E só voltava a falar quando estava novamente sozinho. Nem sequer precisa mandar que fossem embora, ninguém aguentava ficar perto de mim mais do que alguns segundos. Sozinho, sozinho. Fazia anos que eu via o creme dos sorvetes jogados na areia se desmancharem. Tinha muito tempo que caminhava pelos bairros perto da baía e era sempre como se eu tateasse sua decadência com o olfato. Ás vezes era eu quem fazia a pergunta: Você já foi ao circo? Lembrava nitidamente do horror da assistente do atirador de facas. O vento que vinha do sul era ele o atirador, e meus poros recebiam aqueles golpes que penetravam e corriam dentro das veias. Em minha última temporada de verão em Guaratuba eu era um velho mendigo desses que dormem próximos das pedras. É. Talvez na temporada anterior àquela tivesse sido uma espécie de criminoso, um brutamontes que sentia errado e demais, alguém em quem todos os sentidos foram nalgum momento lama e suplício. Talvez em temporadas ainda mais remotas, não sei, o inchaço de meu fígado devia ter desejado muito mais que rezas, cocaína, ou a lua equilibrada feito um comprimido na ponta da língua. Ou quem sabe ainda apenas costurar a tristeza assim como os médicos costuram barrigas esfaqueadas nas emergências dos hospitais públicos. Isso mesmo. E quem sabe o odor das flores para mim eram somente fóssil no rochedo dos pulmões. É que outrora eu tinha sido um maníaco comedor de cigarros. Quero dizer, minha vida era desse jeito, flores lavadas com trezentos e quarenta doses de pinga por semana do lado de fora dos bares abarrotados de gente, na rua da amargura, na pracinha central da desesperança. Além dessas, devo ter vivido ainda numa outra e espectral época anterior, bem antes de eu vir a me transformar nesse velho fedendo a sopa, suor e urina, nem sei se exatamente como um mendigo em minha última temporada de verão em Guaratuba.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

balbucios de blues

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Hienas mastigam os próprios dedos, os próprios fetos, as próprias fezes, todo mundo sabe, até mesmo as hienas, mas elas jamais vão admitir, também, coitadas, poxa, há alguma alma na carniça e nas fossas. De minha parte, pode parecer que sim, mas não convivo bem com esses odores, aromas e temperos do abandono. E é verdade que tenho mais dúvidas do que crenças. Mas não é bem por aí que a arte deve andar? Parece que não, já que muitos acham que vivo apenas do meu universo subjetivo, ou da família, sei lá, multi, hiper, super milionária. Talvez por isso ninguém me dê ouvidos quando digo que há um tipo de sucesso que não quero. Essa que é um tipo de fama que difama. Sabe, há carícias que de algum modo machucam, senão eu não estaria aqui em casa nesse momento com tanta casca de sangue endurecido no corpo. Não quero desdenhar ou cuspir no prato que comi. Mas não me faltam boas pessoas com quem ir ao encontro para um café, nem me falta alguém para se intrometer na minha vidinha. E olha que é uma vidinhazinha como todas as outras. Então por que vivem tentando me usurpar? Porra, nem reino tenho, avisei desde o começo, nunca menti no que se refere a esse contrato de pessoas civilizadas, cuja palavra (e olha quantas ando escrevendo) empenhada me parece valer mais do que qualquer outro argumento. Por que não acreditam em mim quando falo “não quero, não posso, não me interesso, a amizade continua”. Por que me tratam como se trata um asno (se bem que me tratam pior, pois ao menos aos asnos se dá ração, ou capim)? Mas a mim, só me dão o seu desespero por qualquer migalha que os possa salvar da ignorância que é não ter talento. Que se fodam, levem alguns pedaços, isso mesmo, me firam, maltratem, esganem, me enganem, sintam-se regozijados, vocês são os grandes vencedores (e aos vencedores as batalhas, como disse o poeta Sossélla). Sabe, vocês deixam em mim lanhos e mais lhanos de tristeza, não tão fundos que eu não possa mais incomodar por aí, ou dançar e até morrer de rir. Talvez eu seja mesmo a porcaria de um bichinho de estimação, não é, um bilu bilu dos mais ingênuos, mas ainda assim de difícil abatimento, pode apostar. Talvez eu deva sentir pena de vocês, carentes suplicantes, cagados pela ambição desejosa de serem alguém (e são, ai de quem colocar isso à prova). A ficha ainda não caiu, mas vocês logo saberão que não passam de herdeiros para quem deixo apenas minha vastíssima cultura de esquecimentos acumulados, especialmente agora que tudo o que foi carícia virou casca, agora que tudo o que foi carícia virou casca, agora que tudo o que foi carícia.

domingo, 13 de dezembro de 2009

balbucios de blues

Johnny Cash
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Nem sei mais em qual passado quando mais um de nós morria com a mandíbula arregalada, ardendo sob as altas temperaturas de um blues enferrujado, dizendo “acho que fui capturado, acho que fui capturado, fui capturado”. E ao seu redor, rapaz, se auto-sentenciavam os pássaros da treva, um a um, em seguida entrando pela Aorta, dando bicadas, arrancando pedaços do teu sangue. Nisso vai o borrão das madrugadas de ontem e anteontem e também das anteriores em que você se viu obrigado a bater as pálpebras assim como as corujas que iniciam suas asas no altar do Casamento do Céu e do Inferno. Porém, mesmo em seu último respiro, ou se o ganido de uma lanterna de luz branca e fria como a geada cada vez que em teus olhos for apontada, ou se a garota dos teus sonhos for capaz de fazer com que você tema menos a ferradura dos cavalos sapateando apavorados em cima dos teus punhos cansados de escrever, ou então só quando teus dois avós já falecidos simultaneamente como Johnny Cash e June Carter, talvez muito mais terríveis do que a dor de tanto adeus multiplicado em cactos que espremem teu corpo nessa espécie de deserto portátil, talvez somente assim você dará um jeito de sobreviver. Então seguirá suportando sobre os ombros o caos e o chumbo de nuvens asfixiadas, sempre insistindo na mesma ladainha “acho que fui capturado, acho que fui capturado, fui capturado”. Sim, moço, você foi capturado pelo vício sem afago desses fantasmas das avançadas horas que morreram ontem, antes de ontem e também anteriormente, justamente quando você de modo incessante sofria as piores overdoses de réquiens compostos com as próprias mãos.

sábado, 12 de dezembro de 2009

uma epígrafe

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Eu podia transcender as limitações. Não estava em busca de dinheiro nem de amor. Tinha um senso de percepção ampliado, estava firme no meu rumo; para completar, era inexperiente e visionário. Minha mente estava forte como uma armadilha, e eu não precisava de qualquer garantia. Bob Dylan.

pangéia, um dos melhores grupos de teatro do rio de janeiro


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Pangéia cia. deteatro apresenta A casa, terças e quartas, às 19h, no Centro Cultural Justiça Federal, até 17 de dezembro, no Rio de Janeiro.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

radiocaos ao vivo na grande garagem que grava

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E hoje tem o último RadioCaos do ano, às 20 horas. Mais uma vez estarei lá na Grande Garagem que Grava (Rua Santo Antonio, 900) detonando meus balbucios de blues, ao lado do mestre Solda e das feras Edilson Del Grossi e Fernandinho "eles mesmos". Sem contar a presença sempre inspiradora dos cicerones dessa aventura Rodrigão, Ferreira e Samuel. Informações pelo 3016-0409. Entrada franca. www.radiocaos.com.br.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

se te conto uma mentira

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os olhos da terra estão sempre sob as solas de nossos pés. isso é bom, pois as solas dos nossos pés são mais dois olhos que temos no corpo

então, andar sobre a terra, olho no olho, passo a passo... e com os olhos das solas dos pés não piscar nunca, que é para não ser engolido

em 1975 nevou em Curitiba... espero que neve outra vez por aqui, pra tirar a prova... lembro bem, a neve de 75 tinha gosto de algodão doce

um típico curitibano durante o verão: viva, até que enfim um dia nublado (e gelado)

vai que a cama de uma mulher solteira é a dor dessa mulher solteira

vai que a cama de uma mulher casada é a dor dessa mulher casada

o bosque verde verde verde em frente da minha casa está segurando a lua cheia como ela fosse uma daquelas bexigas de gás hélio

tem que alguma árvore do bosque puxa a corda e traz a lua até a varanda... então a lua brinca um pouco comigo, depois volta a subir devagar

o meu olho que nesse momento vê um sol eterno jamais esquecerá que dentro do poeta cabem inteiros os céus do inverno

eu sei que é duro, é bem difícil mesmo admitir, é até clichê, né, mas o inferno é aqui

eu sei que é duro, é bem difícil mesmo admitir, mas o paraíso é aqui

o passo a passo vai que é epopéia homérica, o balbucio pode que contenha rapsódias... e assim é com quem não espera pouco da vida cotidiana

perguntou aquele que usa luvas antissépticas: não lhe parece óbvio que a pureza sobressalte ratos, cobras, baratas e demais peçonhentos?

um ator: tirar a roupa em cena, isso não me impressiona... se eles tiram a roupa, eu tiro a pele

essa é uma frase bombástica... duvida? puxe o pino e confira: http://notasparaumlivrobonito.blogspot.com/

um ator pós-dramático: há quartas paredes, mas são pré-escombros

um pedreiro fatalista: há paredes, mas são pré-escombros

da família Huck eu só gosto mesmo do Incrível

fim de namoro pelo twitter: ADEUS! NÃO ME SIGA MAIS! FICA A DICA!

não serão mais meus filhos nem netos, mas os filhos dos seus netos e os netos desses netos e assim por diante, até o mundo não ter mais fim

alguns atribuem às paixões uma das principais posições na lista das doenças, vamos dizer assim, psicossomáticas

quem atribui às paixões posição na lista das doenças psicossomáticas, eu execro... talvez por eu ser muito, digamos, o vinicius de moraes

porque hoje é sábado e sou muito o vinicius de moraes... logo mais vou lá suspirar outro monólogo de amor ardido numa platéia de teatro

as crianças me intimidam, não sei, mas não gosto de ser encarado por elas... me intimidam as crianças, e também os gatos... vai explicar

o homem invisível nu: desapareci completamente, olhe como você não consegue mais me... só minha voz te dá a certeza de que ainda estou aqui

o homem invisível: até onde lembro sempre quis existir, existir mesmo, entende? mas tudo que tenho feito colabora com o meu apagamento total

é ok na condição da fruta o fato de pra ela não existir preservação, ou seja, a delícia dos sabores se diferenciar da podridão por tão pouco

a paciência foi inventada pra isso, pra que deixemos a natureza agir... a fruta já caiu do pé, agora é esperar apodrecer

uma carola: se Deus não existe, então por que existe a frase “se Deus não existe”?

outra carola (só em pensamento): uma coisa não tem nada que ver com a outra, quem foi que disse que carolas não gostam de rola?

todo mundo é hoje

sabia que se a gente ficar de dois a três dias seguidos sem dormir, a gente pode ver a luz enferrujar?

ver a luz enferrujar é quando o olho humano produz uma espécie de maresia silenciosa

quem sabe às vezes tudo deveria ser resumido assim: o que não consigo é também muito o que sou

as coisas podem acontecer de três maneiras básicas, digamos: da pior, da melhor, e igual

aí vai uma coisa que gosto em mim: a capacidade de ser cruel

e uma coisa que não gosto em mim: é que quando sou cruel com os outros acabo sendo cruel comigo

a idade é uma filha que eu tenho... e a manhã seguinte, sempre essa insistência de ressurreição

vaidade em excesso é auto-difamação... triste quanto um álbum feito só de auto-retratos

se eu conseguisse sair de mim, seria como sair de dentro do zumbido de 349 abelhas picando meu cérebro incansavelmente

pode mesmo que não exista o diabo... então quem é esse que gira com fúria de abocanhar o próprio rabo?

lembrar não doeria se a lembrança não aprisionasse o que esqueci... o desespero da memória é reinventar esquecimentos

só é ilusão aquilo que não esqueço... o resto foi real

nomear uma a uma as escuridões na escuridão... uma a uma as escuridões... taí um modus operandi para a iluminação pública

desertar... desertar do deserto desertar do deserto desertar do deserto, taí uma ação que povoará outros desertos

quem por humildade, consciência ou coragem, dirá de si “sou um fracasso total”? talvez aquele que já superou a moda, a moeda, a contestação

mas quem já superou a moda, a moeda, a contestação?

ainda não superei a moda, a moeda a contestação, mas ontem de madrugada tive uma óbvia certeza: posso até cair na sarjeta, mas do chão não passo

repara na natureza, água mata a sede de água do ser humano e dos animais, já o sangue mata outra sede. mas isso não encerra o bem ou o mal

imagens de múltipla aplicação para se escolher à gosto: geladeira das vaidades, aniversário de quem ainda nem nasceu

imagens de múltipla aplicação para se escolher à gosto: estacionamento pra elefantes, horizontes aqui por perto

imagens de múltipla aplicação para se escolher à gosto: calçadas de chicletes, postes dormindo igual girafas, músicas de lama

imagens de múltipla aplicação para se escolher à gosto: basquete com anões de jardim, via láctea de bolso, fábulas sem memória

imagens de múltipla aplicação para se escolher à gosto: facadas de afago, operetas cale a boca, dinossauros no jardim de infância

objetos tantofaz: mosquito-aspirador de pó, paralelepípedo-coração, pincel-violão, lâmpada-sorriso, dedos-canivete

imagens de múltipla aplicação para se escolher à gosto: florestas de canetas, piscinas sem parede, ósculos escuros, pet shop de dragões

há os companheiros de copo... e há os companheiros de corpo... veja, o que vai dentro do copo é um dos companheiros de corpo, pois não

peixe eu, peixe eu, peixeu paixão
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uma epígrafe

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Que maravilhosa invenção é o homem! Ele pode soprar as mãos para aquecê-las e soprar a sopa para esfriá-la. Georges Perec.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

hoje, quarta-feira, leitura pública da minha peça o butô do mick jagger, às 21 horas, no espaço cênico

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Acontece no Espaço Cênico (antigo ACT), rua Paulo Graeser Sobrinho, 305, a mostra Outras Leituras, que integra o projeto Corrente Cultural. Ao longo dessa semana, sempre às 21 horas (domingo às 19), serão apresentadas leituras de textos, reunindo artistas de destaque em distintas áreas da cena curitibana.
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Os diretores participantes Paulo Biscaia, Marcio Abreu, Nena Inoue, Edson Bueno, Felipe Hirsch e Luiz Felipe Leprevost convidaram distintos atores e atrizes para compor, chamemos assim, o grande elenco da programação, que traz à cena dramaturgias originais, com textos de teatro e literatura.
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Integram ainda a programação, espetáculo musical de Octavio Camargo e convidados e, apartir do dia 18 de dezembro, Oficina Livre de Teatro (aberta a atores e não atores), sob coordenação de Nena Inoue.
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A programação, com cara e alma curitibana, tem o intuito de mesclar artistas e público, promovendo intercâmbio de olhares os mais diversos.
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O projeto Corrente Cultural é uma iniciativa da Fundação Cultural de Curitiba, viabilizado através do Fundo Municipal de Cultura. Outras Leituras é uma realização do Espaço Cênico, sob coordenação de Nena Inoue.
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Programação
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quarta-feira, 9 de dezembro
O butô do Mick Jagger
Texto e direção Luiz Felipe Leprevost
Com Uyara Torrente e Martina Gallarza
Realização
Iconoclastinhas cia. de teatro
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Elas perderam o chão. Perderam a coragem. Perderam o amor. Estão na Tumba, a velha garagem onde ensaiavam sua banda. Mas elas perderam também a capacidade de tocar, de se divertir. Elas foram até o final da fama e agora só se perguntam. Foram fundo na selva dos paraísos artificiais e hoje têm monstrinhos residindo no estômago, acordes estridentes bicando o cérebro, produzindo pesadelos. Elas foram longe demais e por isso não tem mais pra onde ir. É que é mesmo muito difícil voltar ileso depois de se dançar O butô do Mick Jagger.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Bortolotto se recupera bem

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Notícias boas a respeito do estado do Marião, no blog da Chris
http://cemiteriodeautomoveisvilacultural.zip.net/index.html
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E o belo texto do Marcelo Montenegro, com link para blogs dos amigos
http://marcelomontenegro.blog.uol.com.br/

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

outras leituras, no espaço cênico

Espaço Cênico
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Acontece no Espaço Cênico (antigo ACT), rua Paulo Graeser Sobrinho, 305, a mostra Outras Leituras, que integra o projeto Corrente Cultural. Ao longo dessa semana, sempre às 21 horas (domingo às 19), serão apresentadas leituras de textos, reunindo artistas de destaque em distintas áreas da cena curitibana.
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Os diretores participantes, Paulo Biscaia, Marcio Abreu, Nena Inoue, Edson Bueno, Felipe Hirsch e Luiz Felipe Leprevost convidaram distintos atores e atrizes para compor, chamemos assim, o grande elenco da programação, que traz à cena dramaturgias originais, com textos de teatro e literatura.
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Integram ainda a programação, espetáculo musical de Octavio Camargo e convidados e, apartir do dia 18 de dezembro, Oficina Livre de Teatro (aberta a atores e não atores), sob coordenação de Nena Inoue.
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A programação, com cara e alma curitibana, tem o intuito de mesclar artistas e público, promovendo intercâmbio de olhares os mais diversos.
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O projeto Corrente Cultural é uma iniciativa da Fundação Cultural de Curitiba, viabilizado através do Fundo Municipal de Cultura. Outras Leituras é uma realização do Espaço Cênico, sob coordenação de Nena Inoue.
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Programação
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7 de dezembro
Graphic Novel "Folheteen"
Desenhos e texto José Aguiar
Direção Paulo Biscaia
Com Michelle Pucci, Leandro Daniel Colombo e Rafaella Marques
Iluminação Wagner Correa
Sonoplastia Marco Novack
Realização Vigor Mortis
Folheteen foi concebida apartir de tiras semanais publicadas em jornais de Curitiba, como o jornal Gazeta do Povo, sendo publicadas também no Jornal do Estado, e num especial de O Globo. Vencedora do I Concurso Internacional de Quadrinhos de o Senac-SP em 2005, Folheteen também foi publicada em livro pela Editora Devir. O autor José Aguiar define assim o álbum: "lembra-se dos melhores anos de sua vida? Eles não foram sua adolescência. Ela é um momento onde tudo é um grande desencontro. Folheteen fala da incapacidade das pessoas de se comunicarem, autoconfiança, tédio, sexo e várias outras coisas que nos atormentam a partir da adolescência. Uma miscelânea de coisas que vivi com outras que vi ou ouvi."
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8 de dezembro
Descartes com lentes
De Paulo Leminiski
Direção Marcio Abreu
Com Nadja Naira
Realização Companhia Brasileira
Leminski imagina uma hipotética vinda do filósofo francês René Descartes ao Brasil, a convite do conde Maurício de Nassau. Junto com sua comitiva, repleta de cientistas, naturalistas, desenhistas e pintores, Descartes tenta desvendar e descrever as excentricidades e belezas do país tropical, ou seja, procura filosofar sobre o Brasil e o modo de vida do seu povo. Escrito em meados da década de 60, o texto é considerado o embrião gerador de Catatau, a obra mítica do poeta curitibano. O exercício cênico da Companhia Brasileira faz parte de uma série de estudos que vem sendo realizados desde agosto de 2008, sobre a obra do poeta curitibano, e que fazem parte do projeto VIDA, patrocinado pela Petrobrás.
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9 de dezembro
O butô do Mick Jagger
Texto e direção Luiz Felipe Leprevost
Com Uyara Torrente e Martina Gallarza
Realização Iconoclastinhas cia. de teatro
Elas perderam o chão. Perderam a coragem. Perderam o amor. Estão na Tumba, a velha garagem onde ensaiavam sua banda. Mas elas perderam também a capacidade de tocar, de se divertir. Elas foram até o final da fama e agora só se perguntam. Foram fundo na selva dos paraísos artificiais e hoje têm monstrinhos residindo no estômago, acordes estridentes bicando o cérebro, produzindo pesadelos. Elas foram longe demais e por isso não tem mais pra onde ir. É que é mesmo muito difícil voltar ileso depois de se dançar O butô do Mick Jagger.
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10 de dezembro
Firififi / O Grande Circo de Cavalinhos / O fim da Fifi
De Dalton Trevisan
Direção Nena Inoue
Com Ranieri Gonzalez
Realização Espaço Cênico
Delicada leitura de um Dalton Trevisan lírico. Em cena, um único ator - menina - velha - homem.
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11 de dezembro
A Lingua Cortada
De Alexandre França
Direção Edson Bueno
Com Rosana Stavis e Pagu Leal
Duas mulheres começam uma discussão depois de jogar o jogo da verdade. Pouco se sabe sobre suas vidas, apenas que podem estar mentindo ou falando a verdade sobre determinados assuntos, que não sabemos ao certo o que são. A Língua Cortada fala sobre a tênue linha que separa o verdadeiro do falso. A peça pouco a pouco nos mostra o absurdo de se falar “verdades”, ao por em cheque a lógica de um discurso puro, sem preconceitos, ideologias ou “segundas intenções”.
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12 de dezembro
Octavio Camargo e convidados
Apresentação de canções compostas entre 2006 e 2009 em parcerias musicais e poéticas com Thadeu Wojciechowski, Bárbara Kirchner, Luiz Felipe Leprevost, Odacir Mazzarolo, Alexandre França, Chiris Gomes e Troy Rossilho.
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13 de dezembro
Outras Leituras
Direção Felipe Hirsch
Realização Sutil Companhia de Teatro
Profissionais da Sutil Companhia de Teatro juntamente com jovens atores selecionados em audição, à partir de textos de J. D Sallinger.
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Dias 18, 19 e 20 de dezembro
Oficina Livre de Teatro
Coordenação Nena Inoue
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Serviço
Corrente Cultural
Outras leituras, de 07 a 13 de dezembro
De segunda a sábado, 21h (domingo 19h)
Local Espaço Cênico (rua Paulo Graeser Sobrinho, 305)
Oficina Livre de Teatro, dias 18, 19 e 20 de dezembro
Coordenação Nena Inoue
Inscrições antecipadas
Vagas Limitadas
Entrada Franca
Informações 3338 0450
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Contatos
Nena Inoue
9236 9466 / 3338 0450 nenainoue@hotmail.com
Paulo Biscaia
8814 4625 biscaia@mac.com
Marcio Abreu
9965 8098 marcioabr@gmail.com
Luiz Felipe Leprevost
8406 8187 efranbueno@uol.com.br
Octavio Camargo
9699 3851 octaviocamargo.novoemail@gmail.com
Felipe Hirsch

domingo, 6 de dezembro de 2009

o melhor dos pensamentos para Mário Bortolotto

Fernanda D´Umbra e Bortolotto
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......Mário Bortolotto e Carcarah foram baleados na madrugada de sábado. O Carcarah já está bem, e isso deixa a todos mais aliviados. Marião ainda está na UTI. Sei que ele é católico e tem uma boa relação com Deus, apesar de tudo. Então, por ele e para ele, depois de muito tempo ontem voltei a rezar. Acendi uma vela e pedi pela boa saúde do meu bróder.
......Bortolotto é um dos caras mais íntegros que conheci na vida. Também poucas vezes vi alguém tão amigo dos amigos. Eu adoro ele. Sempre acolheu a mim e ao Francinha de modo quase paternal (ele tiraria sarro dessa minha frase, dizendo: “pára de viadagem, Leprê”).
......Ontem liguei pro Rubens K. logo que soube da tragédia, mas não quis ficar perguntando demais. Rubão estava no hospital. Disse que todos os amigos estavam e permanecerão lá em vigília. Disse que o quadro do Mário era estável e que ele iria se salvar sim. Nenhum de nós vai perder essa certeza, a de que ele vai sair dessa. Ele é um cara que ama a vida e vai ficar bem.
......Aqui em Curitiba estamos fazendo uma grande corrente positiva. Durante a tarde de ontem, num evento de poesia no Paço da Liberdade, li poemas do Marião como que propondo uma espécie de pajelança, mandando o melhor dos pensamentos e intenções lá pra São Paulo. Talvez seja muito pouco, mas creio que o espírito dos bons autores sempre está todo ali em seus textos, então penso que esse tipo de evocação pode ser uma companheira auxiliar da medicina. Cantar o Marião, contar suas estórias, não tirar ele do pensamento, beber em sua homenagem, talvez seja o que de melhor possamos fazer nesse momento, nós que estamos longe.
......A noite, rapidamente e ao acaso, encontrei o Carlos Careqa no Café Mafalda. Ele tinha acabado de chegar de Sampa. Tinha estado no hospital. E suas palavras em relação ao quadro do Marião traziam muita esperança. E a certeza de que o Mário vai estar ainda muito mais tempo entre nós, com sua presença sempre bem humorada e digna, e com sua obra monumental, humana, necessária, até ele ficar “Bem velhinho, assim, sozinho / Ali, bebendo um vinho / E olhando a bunda de alguém”, como diz a canção do Nei Lisboa.
......E agora vou fazer isso por ele, me servir com uma boa dose de uísque e brindar a sua saúde. É o que vou fazer.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

fragmento da minha novela inédita a neve não tem gosto de algodão doce

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.......Depois do porre com direito a foda no banheiro a gente ficou novamente um tempo sem se ver. Liguei para ela umas três ou quatro vezes, deixei recados, não retornou. Optei por ficar na minha. Respeito isso nas mulheres, a necessidade que elas tem de ficar um tempo refletindo sobre as coisas. Confesso que não achava mesmo muito digno para uma garota ficar por aí trepando em banheiros sujos, ao menos que fosse com o amor da sua vida, o que, acredito, era o caso.
.......Um dia estava no cinema. O celular desligado. Quando a seção acabou e voltei a ligar o aparelho, havia uma mensagem de voz me convidando para ir à estréia de sua peça.
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.......Entrei à pé. Atravessei o portão carcomido pela ferrugem. Vi-me obrigado a espantar dúzia e meia de gatos, desconfiados vigias de um Jóquei Clube recendendo a decadência. Um desperdício de lugar atravancando há décadas o coração da Zona Sul. Com exceção para o restaurante fino, a academia de yoga, os frequentes eventos em áreas restritas e, a mais importante das exceções, o teatro. Não que eu desejasse que o removessem dali, nada disso, apenas esperava que o usassem melhor. Tais “espaços” ocupavam no máximo uma quarta-parte da imensidão construída para glamourosos equinos, velozes corredores e ávidos apostadores.
.......Apesar da movimentação que, por ventura e simpatia, podia-se encontrar ali, o Jóquei Clube do Rio de Janeiro se assemelhava a uma vila fantasma dominada por, sem exagero, centenas de gatos.
.......Bem, pelo menos eles têm um teatro aqui dentro, pensei.
.......Assim, após comer um sanduíche de churrasquinho com queijo e beber alguns chopes no balcão do Braseiro, no Baixo Gávea, fui ver Nanda atuar, às 20 horas de uma quarta-feira lavada por garoa lenta. Podia deduzir que ela tinha chegado uma hora e meia antes dos três sinais que em meus ouvidos de platéia soavam naquele momento. Nanda devia ter ajeitado suas coisinhas no camarim, figurinos, objetos de cena. Depois rido com os colegas, comentando os erros da noite anterior. Devia ter conversado com o diretor, perguntado a ele se seus olhos estavam mantendo o brilho da verdade.
.......O diretor não deve tê-la levado à sério, então ela, possivelmente, foi se concentrar num canto estremo, repassando suas marcas na cabeça. Quando a luz acendeu estava eu ali com o resto dos expectadores, sentado bem no meio da platéia, de surpresa, homenageando-a mais uma vez. E ela provavelmente sabia que a palavra homenagem era a mais correta, pois vinha de alguém que se não detestava, no mínimo, não se dava bem com o teatro.
.......A homenagem vinha de um pessimista, um pessimista bom vivant, ok, como se tal conceito não fosse uma denúncia tão contraditória quanto o absurdo de eu estar naquela platéia, eu que era traumatizado pelo teatro por várias razões, sendo uma delas o fato de na minha pré-adolescência minha mãe, com o intuito de que eu desenvolvesse espírito de grupo e me desinibisse e também passasse a ter senso de responsabilidade, acreditando no blablablá do psicanalista dela, ter-me matriculado num desses cursos de intermináveis seis meses, quando vivi experiências as mais duvidosos para me reconectar com o meu verdadeiro ser e etc.
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.......Antes da peça começar propriamente, apesar dos atores já estarem em cena, pude, correndo concentrados olhos, investigar sem minúcias uma platéia cheia: professores de Nanda, a quem noutras ocasiões tinha sido apresentado, havendo ainda, na extrema direita da primeira fila, três garotas e um gordo que, se não estou enganado, vi uma vez dando uma de psicólogo de Nanda.
.......Gordo estúpido, pensei.
.......Logo à esquerda do gordo, uma loirinha, parecia carinhosa, com ares de ninfeta fatal. A que estava imediatamente ao lado da loirinha tinha um jeito condensado, certo mau humor na face, de quando em quando, deixava escapulir da barriga altas gargalhadas em resposta aos chistes provocados pelos atores em cena. A terceira, uma morena com mais bochechas que tetas. Bochechas que se ela viesse informar que desejava redesenhar com cirurgia plástica, alguém decente deveria insistir que isso seria um atentado contra o que fisicamente ela tinha de mais interessante.
......E o gordo? Eu achava que já tinha sentado no Baixo Gávea alguma vez na mesma mesa daquele gordo, devia ter tomado com ele e seus amigos de bandas de rock alguns chopes, de modo que sabia, o gordo era metido a intelectual, talvez apaixonado por Nanda, daqueles que não largavam do pé, de repente ia que era um gordo escrevinhador de poemas, certamente um gordo chato e inoportuno por fazer com que eu perdesse a concentração na peça enquanto especulava sobre ele e suas amigas.
.......Cansado deles, deslizei o olhar para outro lado, mais acima, a minha esquerda estava o Narigudo, agora com espessa barba feito um Los Hermanos, também e estranhamente alguns centímetros mais alto do que eu. O Narigudo tinha espichado e virado uma espiga metida a ponderada. Que se danasse, não ia me sentir desconfortável por um tolo como aquele dividir a atenção de Nanda. Mesmo porque, logo após a apresentação, ela veio em minha direção dizendo ter ficado surpresa com minha presença e que, comovida, tinha feito a peça para mim.
.......Foi o que ela disse: Você reparou quanto olhei pra você de dentro do palco?, fiz a peça pra você.
.......A peça, que era linda, ela tinha feito para mim. Retribuiu minha homenagem dentro do imenso linóleo verde que funcionava como cenário. Era uma peça sobre o que sobra do não percebido entre as relações humanas, eu tinha entendido, sentado na platéia eu tinha entendido todas as sutilizas apresentadas pelo elenco.
.......Quanto era um trabalho cerebral como que construído por topógrafos. Entendi que eles estavam encenando o que não estava no palco. O espetáculo era mais o que acontecia fora de cena, nas lacunas que as imagens passageiras criavam na mente do expectador que, sem aviso, sentia como se uma borracha apagasse o que ele tinha acabado de presenciar. Eu adorei aquilo das estórias das personagens não se concluírem, nós a platéia não sabíamos de onde vinham as mulheres e homens, tampouco aonde iam, e isso podia ser bastante angustiante para alguém despreparado.
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Depois de parabenizar minha garota, meio que à francesa, fugi dali sem olhar para trás. Nanda, se quisesse, saberia onde me encontrar. Saindo do Jóquei fui escoltado pelo movimento soturno dos gatos, possivelmente comandados por uma bruxa invisível escondida da chuva no meio das copas das árvores. Eu realmente entrava em pânico naquele lugar. Ao sentir um vulto cruzar por mim, corri e tropecei, ralando o cotovelo direito no terreno de pedrinhas e areia.

duas epígrafes

Se e quando eu começar a ter consultas com um analista, espero ardentemente que ele tenha o bom senso de convidar um dermatologista para participar das sessões. Um especialista em mãos. Tenho cicatrizes nas mãos por haver tocado em certas pessoas. Uma vez, no parque, quando Franny ainda era levada para lá no carrinho de bebê, passei a mão, por tempo demais, na penugem que cobria a cabeça dela. A outra vez aconteceu no cinema da rua 77, quando eu assistia com Zooey a um filme de horror. Ele tinha uns seis ou sete anos, e se enfiou embaixo da poltrona para não ver uma cena assustadora. Pus a mão na cabeça dele. Certas cabeças, certas cores e texturas de cabelo humano deixam marcas permanentes em mim. Outras coisas também. A Charlotte um dia se afastou correndo ao sairmos do estúdio, e eu agarrei seu vestido para fazê-la parar, para mantê-la perto de mim. Um vestido de algodão amarelo que eu adorava por ser comprido demais para ela. Ainda tenho uma mancha amarelo-limão na palma da mão direita. Ah, meu Deus, se há algum termo clínico que sirva, sou uma espécie de paranóico ao contrário. Suspeito que as pessoas estejam sempre conspirando para me fazer feliz.
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(...)
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_ afirmo que o genuíno artista-vidente, o divino imbecil que produz beleza, morre ofuscado por seus próprios escrúpulos, pelas formas e cores deslumbrantes de sua própria consciência, sagradamente humana.
..........Eis aí meu credo.
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J.D. Salinger

Essa postagem vai para Nina Rosa Sá,
Fal Azevedo, Elísio Brandão
e, já era hora, Uyara Torrente.
Pelo amor a arte do Salinger.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

um filme de Byron O´neill e de todo mundo

O Byron faz parte de um coletivo de artistas muitíssimo criativos. Eles são a Ordem Primeira dos Adoradores de π. http://www.youtube.com/ordemprimeira.

revista lama ganhando o mundo

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Matéria muito bacana que o escritor e jornalista Daniel Russel Ribas publicou no site Almanaque Virtual. Confira aí.
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Chegou às lojas especializadas a revista Lama que tem a ambiciosa missão de trazer as publicações de mistérios descompromissadas brasileiras para o século 21. Com forte apelo visual, Lama poderia ser descrita como o equivalente em papel do projeto Grindhouse. Para quem não sabe, Grindhouse foi um projeto dos cineastas Quentin Tarantino e Robert Rodriguez, em que cada um dirigiu um longa-metragem baseado na estética de produções de gênero B dos anos 70. No Brasil, os filmes foram separados em Planeta Terror e À prova de morte (ainda inédito!). O editor e criador da Lama, Fabiano Vianna, não nega as semelhanças. Nem poderia, pois, com as devidas diferenças, a proposta é a mesma. É uma sofisticada homenagem às edições baratas de histórias sensacionalistas, inspirando-se no talento que dessas emergiu para reunir um grupo de colaboradores de renome e recriá-las com uma visão atual. Em suma, mantendo o espírito, remetendo esteticamente ao antigo e com cuidado de produto novo.
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O time de autores deste número é eclético, tanto em estilo quanto em conteúdo. Há desde escritores assumidamente do universo fantástico, como as especialistas em textos vampirescos Martha Argel e Giulia Moon, a autores sem tradição no gênero, como Simone Campos e Luiz Felipe Leprevost. Além dos veteranos, nomes novos como Daniel Gonçalves e outros ainda pouco conhecidos como Gisele Pacola e Rodriane DL. A mistura, inusitada a princípio, funciona bem. Os contos têm personalidade própria e utilizam de forma livre a premissa presente na capa: Fantasia, suspense & terror. Logo, há uma unidade que destaca o conjunto e não partes individuais; uma falha comum em antologias com colaboradores vindos de obras tão distintas entre si.
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Vianna apresenta dois trabalhos seus: 17 e 30 já é noite em Curitiba, uma fotonovela, e A ideia, um conto. Se o primeiro é policial B com estética inspirada em Dave McKean e Frank Miller, o segundo é uma narrativa leve com toques de Richard Matheson. Em ambos, o autor extrai bastante humor do absurdo das situações. É óbvio que ele conhece, ama o gênero e se diverte muito com ele, sensação que passa para os leitores, que se tornam cúmplices da brincadeira.
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As escritoras Ana Paula Maia e Giulia Moon se destacam em retratar com beleza tramas violentos, respectivamente em Teu sangue em meus sapatos engraxados e Gueixa. Se Teu sangue... prende pelo peso das metáforas e imagens, Gueixa se vale das descrições belas e da delicadeza da narrativa, mesmo em seu final chocante.
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Simone Campos e Assionara Souza enfatizam o fantástico no cotidiano em O Aleph de Botafogo e Mórbidas confissões, mostrando como o inesperado pode ser visto e apreciado por àqueles dispostos a observá-lo.
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Daniel Gonçalves e Emanuel R. Marques, responsáveis respectivos por No silêncio da mata e A carta, contam boas histórias de fogueira em formato de prosa. A primeira, uma fatídica caçada, e a segunda, uma assombração em uma pequena vila portuguesa.
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Martha Argel e Luiz Felipe Leprevost bebem do universo pop para a reinterpretar dois monstros conhecidos, em Álbum de Família e Dr. Hannibal apaixonado. Enquanto Argel é mais fiel ao mito em uma construção sólida e com o humor negro que lhe característico, Leprevost se liberta da fonte de origem, em um misto de poema e carta de amor engraçado, erótico e sentimental.
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Os textos O anjo da USP, de Gisele Pacola, e Caramelos estragados, de Rodriane DL, encerram a antologia, em narrativas que valorizam mais clima do que ação. Ambos não possuem o mesmo impacto dos anteriores, mas brincam com expectativa e clima, características fortes do pulp, de maneira eficaz e instigante.
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No time de ilustradores, encontramos outra benvinda diversidade. Os ilustradores e estúdios Pianofuzz, Mopa, Yan Sorgi, Francisco Gusso, Daniel Gonçalves, Firmorama, Sueli Mendes e Bruno Oliveira extraem a dose exata de bizarro e entretenimento em suas interpretações para os contos-base. O embate entre crueza e lirismo de Pianofuzz para Teu sangue... casa com a contradição presente no texto. A simples e elegante ilustração de Mopa para Gueixa é eficaz e misteriosa. As pernas abertas de Yan Sorgi para Mórbidas confissões anunciam a decadência que está por vir. O canibal e sua musa criados por Francisco Gusso para Dr. Hannibal apaixonado são divertidos, belos e grotestos na medida. Daniel Gonçalves já um excelente trabalho em mostrar uma criatura medonha sem revelar sua forma, envolvendo-a em sombras para No silêncio da mata e volta a trabalhar com insinuação em Álbum de família, com efeito humorístico e A carta, em imagem que remete a que pode ser um fantasma. Sueli Mendes pega o aspecto juvenil e pop de A ideia e O anjo da USP, levando as tramas para o universo de quadrinhos que lembra Terry Moore. Firmorama homenageia a ficção B dos anos 50, onde a rotina escondia terríveis verdades, em O Aleph de Botafogo. Por fim, Bruno Oliveira permeia de estranheza e belas imagens quase infantis uma paisagem desolada, ressaltando o caráter aberto dos micro-contos de Rodriane DL.
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A revista é trimestral e aceitará colaborações de autores inéditos a partir do terceiro número (o segundo já foi fechado). No Rio de Janeiro, exemplares estão disponíveis na livraria Blooks (no Unibanco Arteplex), a loja Cucaracha, em Ipanema e o sebo Baratos da Ribeiro.
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Serviço.
Autores: Fabiano Vianna, Ana Paula Maia, Giulia Moon, Assionara Souza, Luiz Felipe Leprevost, Daniel Gonçalves, Martha Argel, Simone Campos, Emanuel R. Marques, Gisele Pacola, Rodriane DL.
Páginas: 58
Preço: R$ 10
Daniel Russell Ribas
01/12/2009
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Para saber mais sobre a revista Lama: Blog e site do editor Fabiano Vianna
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Outras matérias sobre a Lama

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

um poema de eugénio de andrade

Eugénio de Andrade
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Pier Paolo Pasolini
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Requiem para Pier Paolo Pasolini
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Eu pouco sei de ti mas este crime
torna a morte ainda mais insuportável.
Era novembro, devia fazer frio, mas tu
já nem o ar sentias, o próprio sexo
que sempre fora fonte agora apunhalado.
Um poeta, mesmo solar como tu, na terra
é pouca coisa: uma navalha, o rumor
de abril podem matá-lo – amanhece,
os primeiros autocarros já passaram,
as fábricas abrem os portões, os jornais
anunciam greves, repressão, dois mortos na primeira
página, o sangue apodrece ou brilhará
ao sol, se o sol vier, no meio das ervas.
O assassino, esse seguirá dia após dia
a insultar o amargo coração da vida;
no tribunal insinuará que respondera apenas
a uma agressão (moral) com outra agressão,
como se alguém ignorasse, excepto claro
os meretíssimos juízes, que as putas desta espécie
confundem moral com o próprio cu.
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O roubo chega e sobra excelentíssimos senhores
como móbil de um crime que os fascistas,
e não só de Salò, não se importariam de assinar.
Seja qual for a razão, e muitas há
que o Capital a Igreja e a Polícia
de mãos dadas estão sempre prontos a justificar,
Píer Paolo Pasolini está morto.
A farsa, a nojenta farsa, essa continua.

Eugénio de Andrade
de Homenagens e outros epitáfios, 1974.

uma epígrafe

Pier Paolo Pasoline está morto. / A farsa, a nojenta farsa, essa continua. Eugénio de Andrade.
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*dedico essa postagem a
atriz Claudete Pereira Jorge,
que comeu um cigarro em cena
como protesto à proibição de fumá-lo.

atriz claudete pereira jorge alerta

Claudete Pereira Jorge por Gilson Camargo
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Nota que saiu no Caderno G da Gazeta do Povo de sábado, 28/11/2009
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Atriz interrompe cena e protesta contra “censura”
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A apresentação de estreia do espetáculo Os Três Espelhos, de Maureen Miranda, no Mini-Guaíra, na noite da última quinta-feira (26), contou com um “manifesto”.
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A atriz Claudete Pereira Jorge interpreta a mãe de Samuel (Ro­­dri­­go Ferrarini) e essa personagem, na concepção original da mon­­tagem, fuma continuamente em cena.
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No entanto, a direção do Teatro Guaíra avisou ao elenco, e à diretora Maureen, que, devido à Lei An­­tifumo, não seria permitido que a atriz Claudete acendesse ne­­nhum cigarro no palco.
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A peça começou e, quando Clau­­dete entrou no palco, ela in­­terrompeu a sua fala, pediu para que as luzes fossem acesas, pegou um microfone e fez um pronunciamento.
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Se hoje eu não posso fumar um cigarro, daqui a pouco vão de­­cidir qual o livro que eu tenho que ler, como tenho que me portar em cena. Já passei por isso (censura) durante a ditadura militar e agora tenho de passar por isso (censura) de novo em 2009. Isso é um absurdo, disse Claudete.
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A atriz chorou e, posteriormente, a peça teve continuidade.
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domingo, 29 de novembro de 2009

especulações sobre o amor simples

Sabe o que eu queria? Jogar tudo fora e não me lamentar. Mas a língua nos olhos, seu paladar, seu mau gosto me cegaram. Algo assim: ela me deixou, voltei a fumar dois maços, a passividade dela me embruteceu. De tanto ser mais burro que romântico já não enxergo nada, só burrice, só burrice, só burrice. Digo, esse não é o meu primeiro caderno de clichês de amor. Se a vida fosse fácil não existiria teatro, só burrice, só burrice. Algo bem assim. Até hoje não queria ter experimentado essa garota mais do que três vezes. Na primeira, os cheiros brotados feito flores do corpo. Na segunda, ela sem calcinha derretendo sob o arco-íris saído de uma palma e de outra palma das minhas mãos cujas linhas desconhecem os destinos. Depois, na terceira: a mastigação das línguas como fossemos vacas ruminando tesão. Mas nada disso está ok quando queremos ir mais longe. Digo, é sempre uma viagem pedregosa até a praia deserta da burrice. A praia deserta da burrice onde nossa historinha morreu. E lá ficamos, esquecidos no tempo ruim feito alimentos totalmente apodrecidos. Algo assim: uma historinha mastigada, depois vomitada, um delírio fétido que agora até mesmo os amigos mais íntimos têm nojo de pegar do chão e jogar na lixeira dos orgânicos. Pelo menos a chuva lava.

sábado, 28 de novembro de 2009

uma epígrafe

Meu amor essa é a última oração pra salvar seu coração, coração não é tão simples quanto pensa, nele cabe o que não cabe na dispensa. Cabe o meu amor, cabem três vidas inteiras, cabe uma penteadeira (espreguiçadeira), cabe nós dois. Leo Fressato.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

notas para um livro bonito

Perguntas que me sobem à pele: Quais ações fizeram com que cada ser vivo que por mim tenha passado durante esses anos imediatamente lançasse olhares de admiração ou reprovação? Sou, fui um cara do bem? Não? Um tolo, quem sabe? Não tenho sido extremamente gentil na maior parte de meus atos? Não, claro que não. Mas e se... olhando por esse ou esse aspecto... E meus arranjos de carinho, em quem fizeram efeito? Mas e se não busquei efeito algum? E se fui arrebatado como na última sexta-feira ao ver uma atriz jovem em cena despencando todas as vezes em que ouvia alguém dizer que a amava? Isso não foi o que de mais importante me aconteceu nesse ano? Não tenho como avaliar. Acordar no dia seguinte já é uma quantidade de milagre significativa, mas não suficiente, não mesmo. E meus arrojos sexuais, não serão também verdadeiros milagres? E por que com essa ou aquela mulher? Por que mesmo com as quais eu preferia morte, distância, até nunca mais? Mesmo com elas posso considerar o milagre? Qual delas me ajudou a esquecer? Qual a querer mais? Qual me revelou novamente a vida a vida a vida a vida? Em qual me curei ou adoeci? Qual delas hoje sou eu? Será que tive mesmo aquelas em quem penetrei? Será que fui daquelas a quem disse querer passar o resto da minha vida ao lado? Mas então por que não estou ao lado dela nesse momento? Terá acabado minha vida? Será que sempre vou querer lembrar de nossos pios e arrepios, das corredeiras de suor, da lama transparente do choro? E mesmo se eu quiser lembrar, será que vou conseguir? Será que posso afirmar não ter sido amado por aquelas com as quais tomei um café ou um sorvete no fim de tarde e isso foi tudo? E isso foi mesmo tudo? Olha, parece que tenho motivos de sobra para ser feliz e infeliz e feliz e infeliz. Mas será que tenho motivos de sobra para ser feliz? E infeliz? Se sim, deverei a quem, digo, a felicidade? Ou a infelicidade? Aos amigos? A minha pequena biblioteca? Ou foi que os amigos me condenaram aos livros quando eu já não suportei mais ter amigos? E por que não suportei? Por que de fato não suportei ou por que me tornei incompetente para fazer novas amizades? Mas, oras bolas, não é que amizades verdadeiras toleram a incompetência? E os livros verdadeiros, eles toleram leitores incompetentes? Mas os livros são verdadeiros? Se não, poderei eu dizer que alguns livros são meus bons amigos? Mas eles, os livros, por acaso não me condenaram ao me transformarem num obsessivo por literatura? Amigos fazem isso? E se sou mesmo (sou?) um obsessivo por literatura, por que ainda não li uma linha sequer do “em busca do tempo perdido”? E o tempo, digo, o tempo que passei não lendo o “em busca do tempo perdido?”, mas fazendo outras coisas, ou mesmo não fazendo nada, esse tempo foi mesmo perdido? Mas é possível que não estejamos fazendo nada se ainda estamos vivos? Ou não fazer nada é só uma maneira de dizer? E para que dizer? Você acha que alguém te escuta só porque possui duas orelhas? Ou... E, afinal, o que isso importa, não é mesmo, não é mesmo, não é mesmo?

se te conto uma mentira

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chove sem parar chove sem parar sem parar sem parar mesmo quando existem tantas outras palavras com as quais se pode dizer adeus

um guarda-chuva que fala: às vezes eu queria ser um bueiro pra engolir a chuva quando a chuva desaba

ao violão, amor, minhas mãos e o coração vibram, não as cordas e a madeira... é que os dedos se habituaram a acordes e arpejos no seu corpo

agora chega, vou desligar esse maldito computador e vou ver o sol lá no verde do quintal... bj a todos

conto de terror: o menino tinha demasiado as cores cinza, o sangue, lesma, lama, musgo, enclausurados nos olhos, de modo que os vazou

conto de terror: ri, algo se debate entre os dentes, língua profanada, me aproximo e sou atacado por morcegos com remela cuspidos dos olhos

uma, digamos, celebridade: o que foi mesmo que ele falou, que celebridades com silicone não podem dormir de bruços?

um tiozinho tocador de viola, cantando assim: meu coração é um punhado de uva passa / que ela pôs na boca e mastigou

ai, que somos dois louquinhos que nem nunca se encontraram pessoalmente mas sentem saudade um do outro

se não me engano, foi Marty Mcfly quem disse uma das mais importantes frases do cinema mundial: ninguém me chama de franguinho
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1: mudança assim na vida, é absurdo não ter champanhe pra comemorar. 2: mas comemorar o quê, idiota, se ela tá indo embora. 1: pois é
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aquela guria é assim: seio bom, seio mau... fazer o quê?

que cachorro bonito, ele morde?, pergunta a moça. não, ele fede, responde a velha

e adoro os efeitos sonoros de quando você sussurra absurdos no ouvido do meu coração

e então os carros assustados feito cardumes abriram espaço

estranho como as coisas são, o resgate nunca consegue acompanhar a velocidade do desespero

de repente, apertou os olhos, contraiu o rosto pra conter, sei lá, uma torrente de choro que ia afogar nós dois, a casa, talvez até o bairro

eu choro dando risada... sabe quando você tá chorando e quem ouve não identifica se é riso ou pranto? eu choro assim

o velho comedor (fazendo um mea culpa): ao longo da vida não fui conquistando e acumulando mulheres, mas as perdendo uma a uma, todas elas

não diga que ele não é um músico, quando tem horas, anos que ele está aqui escutando, o mais que pode, o arrulho dos pedregulhos

não diga que ele não é um poeta, quando tem horas, anos que ele está olhando o mundo, o mais que consegue, aqui do mirante das miragens

um amigo sobre a namorada do outro: ela não é bonita, né, mas é tão inteligente que chega a ficar sexy já nos primeiros minutos de conversa

tô em casa, observando a natureza... sei, não vou resistir muito, logo, por volta de 16:30, um shopping center deverá bocejar, me engolindo

logo mais um shopping center bocejará e me engolirá assim como acabo de fazer com esse mosquito, agora um nada em meu estômago

primavera... abundância de luz, cores, canções sertanejas e latidos vizinhos, (paz?) passarinhos, tintas e sotaques da paisagem curitibana

garoa na primavera de Curitiba... um começo da ausência das tintas na paisagem cinzentinhazulada... ó tarde inconstante

chove agora um pouco no bairro de Santa Felicidade... admito, gosto de Curitiba com chuva... queridas minhas, odeiem-me por isso

admito (outra vez), saudade do inverno, quando a neblina vem se aninhar em nossos pés em busca de edredom e cobertor

na primavera curitibana, edredons e cobertores são ursos esquecidos hibernando em armários cavernosos

assim: cê vai ali no Dentadas Pub ouvir aquelas velhas canções, e elas são diuréticas... sério, quem as ouve tem logo que correr se aliviar

bem, no banheiro do Dentadas Pub, o cheiro de limão no gelo se mistura às canções mijadas, entrando no teu nariz empapuçado de versos tristes

a morte não tem face, mas tem disfarces... a foice é só um dos disfarces da morte sem face

um vereador aos jornais: tenho preocupações sociais, claro, não sou nenhum alienado, pensa bem, de certo modo, o que é roubado é divido

um ladrãozinho que lê jornais: pô, chefe, não sou nenhum alienado, tá pensando o quê, de certo modo, o que é roubado é divido

até é comum toparmos com tantos talentos deslumbrantes, mas (que remédio?) quantos acabam deslumbrados

um fã, digamos (e bêbado): gosto mesmo mesmo quando a banda para e a cantora sangra sangra o seu solo de boca

ele: tá quieta. ela: tô comigo mesma, pensando, bem lá no fundo, sabe. ele: posso entrar em você?, é que não quero ficar sozinho aqui fora

ele: não faço mais aquelas coisas, fazia no tempo que eu babava. ela: e agora? ele: agora?, é o que tô dizendo, agora eu não babo mais, ué

ela: ein, chuchu, fui doce, não fui? eu: foi, mas mesmo assim tomo cuidado, é que açúcar demais também pode matar

olha, é todo ele uma complicação de elásticos o instrutor de yôga

beibe, se eu tivesse olhos na nuca não te virava as costas nunca... é que não consigo parar de olhar

objetos tantofaz: paninho lustra-olho, cardápio de cardápios, tatuagem-sabonete

é necessário sacudir a barriga pra dar risada

imagens de múltipla aplicação para se escolher à gosto: rastros do homem gosma, overdoses de preguiça, terremotos de febre

imagens de múltipla aplicação para se escolher à gosto: colibris de fundo de garrafa, congestionamento de bexigas, passarinhos de fumaça

imagens de múltipla aplicação para se escolher à gosto: cavalos com cascos de geléia, a caveira de uma lesma, jardineiro de livros

imagens de múltipla aplicação para se escolher à gosto: postos de adrenalina, luzes de cimento, dunas de escadas, farmácia de brinquedos

leva nove meses pra alguém ficar grávida

xô óvni / choveu / teu véu de luz / e eu vi

dia desses o cara que criou a estética do breganejo experimental me disse: eu sou uma dupla sertaneja... hum, só então entendi tal vanguarda

manifesto: o direito de se reconstruir... se você vem, corpo fechado de pêlos, fazendo úúúú,
sinceramente, vou trata-lo como a um gorila
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segunda-feira, 23 de novembro de 2009

duas coisas boas com boas pessoas

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Esse é o myspace do meu parceiro Thiago Chaves
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http://www.myspace.com/thiagozpchaves
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Esse é o blog da espetacular Mostra Cena Breve
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http://mostracenabreve.blogspot.com/

sábado, 21 de novembro de 2009

notas para um livro bonito

meu quintal, meu quintal
só o meu quintal e
não essas outras ruínas florescidas
pois que ruínas, como as
plantas ou as feridas no
corpo humano
também florescem e
se não cuidamos
acabamos por colher e
nos alimentar do fruto de
detritos apenas, embora nossos
dentes, estômago, cu não
estejam preparados para isso

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

se te conto uma mentira

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manifesto: Hélio Oiticica não é adocica, meu amor

olhou-se no espelho e saiu com essa: muita gente não gosta de mim... se isso me incomoda? (longo silêncio) me incomoda

sabe, às vezes o ônibus expresso atravessa a canaleta do meu olho e eu sequer reparei o atropelamento

sei, logo mais, 7 da matina, Barigüi assim de saúde... mas pondera, amigo... pode que os novos sádicos do mundo sejam os personal trainers

escutava vozes... uma dizia assim: sei bem que você fabrica o que chamam de “poemas”, mas eu chamo de “outras paisagens do amor”

vivo criando coisas... então criei a tecnologia do afeto... tecnologia do afeto é assim: você não precisa fazer nada, só gostar das pessoas

o telefonema da amada te chamando para ir até a lua é irrecusável, de modo que estou indo

o telefonema de um amigo te chamando para ir até o sol é irrecusável, de modo que estou indo

os fantasmas têm sorte, não são como nós... de noite, não trazem o domingo pesado feito um calzone quatro queijos tamanho família no coração

aos domingos, o tempo não tem margens

não se é feliz no domingo, ele não foi feito pra alegria, mas pra angústia do descanso... daí a razão de todos se excederem tanto no almoço

ontem, no meio da noite, não me segurei, acabei falando: de repente é isso mesmo, sou um piá de bosta, romanticão, meio punk, meio vanerão

boca roxa de vinho, agorinha mesmo, voltando da balada, ela me disse: é só minha a culpa se me afoguei dentro de um peixe no escuro do blues

em Curitiba, o girassol tem torcicolo, as pedras mais duras pedem colo, e os roqueiros mais tolos tocam o pau

o twitter? essa espécie de monólogo coletivo

objetos tantofaz: beijos-chocolate, xícaras de orvalho com adoçante, regadores de suspiros, cigarros de oxigênio

objetos tantofaz: metralhadora de algodão, motores de pelúcia, porta-cachoeira, água-cobertor, manteiga-corrimão, pneus de sabonete

3:56 da manhã: ela e seus olhinhos sujos de entorpecentes, chapados de coisas insuportáveis... vou ninar minha menina má, velar seu sonho

imagens de múltipla aplicação para se escolher à gosto: os ossos das paredes, montanhas dentro dos bolsos, capítulos de fatias de salmão

imagens de múltipla aplicação para se escolher à gosto: beijocas-oiquebomquevocêveio, bolhinhas de fogão, cardumes de trevas

imagens de múltipla aplicação para se escolher à gosto: arco-íris ton sur ton, galáxias inteiras apodrecendo na fruteira

um garçom recém empregado num restaurante fino de Curitiba: eles comem mesmo essas lesmas?, até nos países de primeiro mundo?

um vegetariano norte-americano: é bem diferente ser uma vaca no Brasil do que ser uma vaca na Índia... no Brasil eles comem vacas, né?

um gourmet europeu: não deve ser assim tão diferente ser um vira-lata na China do que ser um vira-lata no Brasil... na China eles comem cachorros?

ainda o gourmet enojado: não deve ser assim tão diferente ser um rato na China do que ser um rato no Brasil... na China eles comem ratos?

objetos tantofaz: trampolim de avião, granadas de neve, galo-relógio, gravata de baba de sopa, livros de casca de cebola

objetos tantofaz: almofadas de lasanha, controle remoto de paisagens, transatlânticos de banheira, coleção de pão de queijo

imagens de múltipla aplicação para se escolher à gosto: espaçonave no céu da boca, pacotinhos de deserto, mandíbulas de papel

imagens de múltipla aplicação para se escolher à gosto: eclipse de amantes, oceano de gaveta, dores de azulejo

objetos tantofaz: pastilhas de dinheiro, violinos de trovão, formigas-trator, guilhotina de plumas, ampulheta sem cintura

o pogobol foi inventado pelos sacis, que (mas isso não lhes faz falta) não podem usá-lo

me fiz antigo quando na escultura de meu fôlego certa vez publiquei meu fogo

toda via, meu fôlego começará de novo quanto mais eu já for outro

engodo brasilis... teus ancestrais são teus antecedentes criminais

congestionamentos, todos os congestionamentos, os congestionamentos vão virar um único estacionamento

era uma outra vez o “era uma vez”

um diretor: por que você faz teatro? uma atriz: porque posso trabalhar descalço

o mesmo diretor: por que você faz teatro? outra atriz: porque isso não é para qualquer um

ainda sobre teatro: Beto Bruel... o cara que ilumina o ator por dentro

Deus opera, mas só o médico tem diploma

cabotinos, uni-vos e prestigiai-vos uns aos outros

os dentes são os únicos ossos expostos do corpo... o sorriso é o começo de uma caveira

penso, logo desconfio... digo, penso, logo desconfio se penso ou não

uma namorada: a nossa relação é como um puff vazando bolinhas de isopor... fofo, é verdade, mas faz a maior sujeira

uma filhinha: mãe, verdade que quem faz bastante fezes fica com a pele boa? a tia da escola que disse

ela: não pode ser, ficar amargurado assim só porque escorpiões cavaram o seu sangue e morcegos se engancharam qual cabides nos sentimentos

ele: tenho muita pena das pessoas. ela: não se preocupe, as pessoas também tem pena de você

tem palavra que cabe perfeitamente na boca, tem palavra que não... xoxota é palavra que cabe

gosto de quem conta estórias, não de quem conta vantagem

abismos são bocas, a Terra, mesmo dormindo, precisa respirar

vulcões não são bocas, são espinhas, podem estar inflamadas ou não

oceanos só têm fome de terra terra terra terra e mais nada

os navios afundados? são só farelos com os quais os mares se engasgam

e os afogados? nunca antes se levou tanto em consideração a evidencia de serem 70% feitos de água

vale mais o dono da carteira do que a carteira (por mais que o dono da carteira não valha nada?)

carteira é somente um lugar para se dormir papel e algum plástico

a carteira de dinheiro dorme e ronca ao meu lado, sobre o criado mudo que, por sua vez, nem sequer pisca a boca, pois não

às 7:15 não é o despertador, mas a carteira de dinheiro quem me acorda

sim, a carteira, sobressaltada em fazer sua atividade física matinal, tomar seu banho frio, ávida por estar até no máximo 9:30 no centro comercial
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