domingo, 31 de janeiro de 2010

na verdade não era

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.....Curso sobre colisõesAlguns andares do ar, U sai intacta.
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.....Muito bem. Alguns andares do prédio simplesmente não existem. Outros estão com grandes ferimentos. Em outros, famílias inteiras jantam a si mesmas ao redor da mesa. Também há um pessoal desmaiado pelos corredores. Algumas das senhorinhas de capa de chuva e chuvas roxas informam que não se preocupem, que elas são praticantes de budismo. Os passageiros então fazem ufa e tudo fica esclarecido. Dentro do prédio funciona um templo. Ufa, diz um dos passageiros. Ufa, diz outro, ainda bem que aqueles sinais de “vai tomar no cu” que as senhorinhas estavam fazendo na verdade não era o sinal de “vai tomar no cu”, disse um terceiro. É que entre os budistas existe a tradição de acenar com os dois dedos, indicador e polegar, ligados em referência a flor de lótus, explicou uma das senhorinhas roxas. Ufa. Eis que, súbito, alguém sai do edifício pedalando uma bicicleta. É U. Mas como? Quando deu aquela confusão entre a referência à flor de lótus e o sinal de vai tomar no cu, U deu uma de espertinha e saiu à francesa do ônibus. Entrou rapidinho no prédio. Deixou as compras com o porteiro. Foi até a garagem. Montou na sua bicicleta. E se mandou. Deu tempo de U fazer tudo isso? Parece muito tempo, mas foram segundos, no máximo um minuto e meio, não mais. Sabe, o edifício parece um mausoléu. Pois é. É muito grande e antigo. Há apartamentos residenciais e há conjuntos comercias. Onde era a segunda garagem é que funciona o templo. E na fachada do edifício existem quatro estátuas esculpidas. Cada estátua segura um objeto diferente do da outra. É difícil identificar o que cada estátua segura. No rosto de uma das estátuas se lê a seguinte expressão Este negócio está queimando minha mão. No rosto da outra estátua se lê a expressão Bem feito, quem mandou ser metida. A terceira estátua parece dizer Porra, não dá pra calar a boca? E a quarta... A quarta Ei, amigas, por favor, não me deixem para trás. Depois as quatro estátuas riem em uníssono da piada. Acontece que, sem mais nem menos, o motorista mijão sem buzina abandona o ônibus. Isso, debaixo de protestos dos passageiros restantes, ele abandona o ônibus e entra no prédio. O homem que sorriu para U também entra. O feto ainda está no ônibus. U esqueceu o feto no ônibus? Sobre um banco. Sem sacolinha de plástico. Mas U foi para onde? U com sua bicicleta pedala sem parar. Já está lá longe. Até que, de repente, de um automóvel azulmoscavarejeira a porta se abre. No que a porta do automóvel moscavarejeira é aberta a bicicleta de U colide contra a porta. Como resultado da colisão U voa longe. A sorte é que U fez um curso sobre colisões de bicicletas em portas de automóveis há poucas semanas atrás. U sai ilesa então? Ilesa. Não se esborracha no chão? Para variar, U sai intacta.

sábado, 30 de janeiro de 2010

na verdade não era

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.....Curso sobre colisões
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.....Mais ou menos assim a coisa, pense, U está no interior do ônibus. O ônibus se assemelha a caixas de sapatos. O ônibus está cheio. Lotado. Lotado não, o ônibus está cheio. O motorista parece um boneco de cera uniformizado. Um boneco de cera uniformizado é o que é o motorista. E o uniforme está encharcado. O motorista sua pra caralho. Não, ele mija nas calças. Ele sua e mija nas calças feito uma pessoa que fez exercício físico excessivamente e enquanto malhava bebia água mas foi proibido de ir ao banheiro. E, por isso, mija nas calças. E, para piorar, o motorista aperta sem parar a maldita buzina do ônibus. U também sua? Sua debaixo do pescoço. E nas palmas das mãos. Faz muito tempo, aliás, que as palmas das mãos de U não se batem uma contra a outra demonstrando entusiasmo efusivo. Em cada ponto em que o ônibus pára o motorista mijão grita Vamos, seus estúpidos, andem logo com isso, não tenho o dia todo! Isso mesmo, ele fala assim esse cretino mijão. Vamos, seus estúpidos, andem logo com isso, não tenho o dia todo! Exatamente. Acontece que entre uma e outra das paradas, de repente, assim de repente, do nada mesmo, U tira um feto de dentro da bolsa. E no momento em que U está tirando o feto de dentro da bolsa, umas senhorinhas muito das simpáticas entram no ônibus ralhando com o motorista mijão. Elas dizem que não são estúpidas e que elas, sim senhor mijão, elas tem todo o tempo do mundo. Porque para elas nessa vida só falta uma coisa para chegarem à eternidade. Que coisa? Deitar. Ok. E, olha, faz sol nessa manhã em que U vivencia sua epopéia. Mas o grupo de senhorinhas veste capas de plástico apropriadas para dias de chuva. As capas são roxas. E as senhorinhas também trazem guarda-chuvas. Roxos também, os guarda-chuvas. E elas também, as senhorinhas, roxas. E também as chuvas, roxas, caso estivesse chovendo. Há um homem ao lado de U no ônibus. O homem que está ao lado de U no ônibus constata que os olhos de U também são roxos. E nota que o feto que U tirou da bolsa, graças a Deus, vai saber, não é um feto humano, mas um bezerrinho, também roxo. E que U carrega além da bolsa algumas sacolas de supermercado. E que por isso foi confundido com um feto saído de dentro da bolsa aquele que na verdade era só um pedaço de carne roxa saída de uma das sacolinhas do supermercado. De modo que o homem sorri para U e U retribui o sorriso do homem encolhendo um pouquinho o ombro direito, que, inclusive, é uma ação bem costumeira de U. O homem após o sorriso de U pensa que aquele foi um delicioso sorriso franco de varanda o que ele ganhou. E as senhorinhas roxas de capas de chuva e chuvas roxas? As senhorinhas roxas de capas de chuva e chuvas roxas falam sem parar. E algumas até gargalham sem parar. Até mesmo o motorista mijão ri. Ri de nervoso. Mas ri. Ri de nervoso porque a buzina começou a tossir sem parar e alguém perguntou para ele assim Esta buzina por acaso está com tuberculose, hein, hein mijão? Então o motorista ri e pensa assado Vai que minha buzininha do coração está mesmo tuberculosa, aí o que será de mim? E a coisa toda vira uma grande piada. O ônibus inteiro gargalha. Só o feto... O que tem o feto? O feto... O feto é o único que não ri. Então rola um silêncio longo. Bem longo. Até que o ônibus sem buzina pára na frente de um prédio. Isso, o ônibus pára na frente de um prédio.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

três vivas pro tio jaques

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Jaques Brand, por Albert Nane
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Três vivas pro tio Jaques
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nosso mestre em Horácio
glutão quando churrasco
passa perna no carrasco
nos defende dos ataques
três vivas pro tio Jaques

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viva! viva! viva!
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professor de tantos vates
nosso guia em Virgílio
cordial com os vulgares
ensinou tudo aos Avatares
três vivas pro tio Jaques

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viva! viva! viva!

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

salinger se foi

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JD Salinger, em foto rara

.....Acabo de saber que JD Salinger, pra mim um dos melhores escritores de todos os tempos, morreu. Ainda não sei maiores detalhes. Essas que ora reproduzo são falas de Holden Caulfield, personagem de seu livro O apanhador no campo de centeio, de 1951.
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.....Acabei me cansando de ficar sentado naquela pia, e aí me levantei e comecei a sapatear, só de farra. Não sei sapatear nem nada, mas o piso do banheiro era de pedra e por isso dava um som perfeito. Comecei a imitar um desses sujeitos do cinema, num desses musicais. Odeio o cinema como se fosse um veneno, mas me divirto imitando os filmes. O Stradlater me olhava pelo espelho, enquanto se barbeava. Tudo de que eu preciso é de uma platéia. Sou um exibicionista.
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.....(...)
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.....Me deram um quarto muito vagabundo. A única vista que eu tinha era a outra ala do hotel. Não que eu ligasse para isso. Estava deprimido demais para me preocupar se a vista do meu quarto era boa ou não. O empregado que me levou até o quarto devia andar pelos sessenta e cinco anos e conseguia ser mais deprimente que o próprio quarto. Era um desses carecas que penteiam todo o cabelo do lado por cima da cabeça para tapear. Eu preferia ser careca de uma vez a fazer um troço desses.
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.....(...)
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.....Me senti tão feliz de repente, vendo Phoebe passar e passar. Pra dizer a verdade, eu estava a ponto de chorar de tão feliz que me sentia. Sei lá por quê. É que ela estava tão bonita, do jeito que passava rodando e rodando, de casaco azul e tudo. Puxa, só a gente estando lá para ver.
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.....Uma porção de gente, principalmente esse cara psicanalista que tem aqui, vive me perguntando se vou me esforçar quando voltar para o colégio em setembro. Na minha opinião, isso é o tipo da pergunta imbecil. Quer dizer, como é que a gente pode saber que é que vai fazer, até a hora em que a gente faz o troço? A resposta é: não sei. Acho que vou, mas como é que eu posso saber? Juro que é uma pergunta cretina.
JD Salinger

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

cécile de france


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.....São imagens de Quand j'étais chanteur, com Gerard Depardieu e Cécile de France. Adoro esse filme de Xavier Giannoli. Devo ser o único cara em Curitiba que o assistiu. Foi no ano passado, nessa mesma época, janeiro. Sozinho numa das salas do Cineplex Batel. Eu já gostava muito da Cécile de France, mas nesse trabalho me apaixonei definitivamente. Ela me lembra muito uma atriz com quem convivi no Rio de Janeiro alguns anos atrás. Saudade de você, G.

na verdade não era

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.....Curso sobre colisões
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.....Mas U pode relaxar agora. Coloca o fone no ouvido, iPod último modelo envenenado. E está rolando o som lírico-pesado da banda Normas da ABNT. De quem U é fã. Especialmente dessa música. A número três do disco. Justamente a que não toca nas rádios. E então? Então U mexe os lábios sem que saia som da sua boca repetindo os versos do refrão. E o ônibus? O que tem o ônibus? Ainda está na mesma rua? Sim. Ótimo. E não é uma rua qualquer. É uma rua só concreto armado. É uma rua só concreto armado! Lá. Desde lá do começo da rua vem surgindo um ônibus. Tonalidades de cinza, cinzopaco, cinzazul se sobressaem na rua. E também há um caminhãzinho verde passando por ali. Isso, um caminhãozinho verde. Que nem a polpa do abacate. É, pode ser, um caminhãozinho verde que nem a polpa do abacate. Mas é um caminhãzinho, não é um abacate. Na rua também existe uma placa. A placa é redonda. A placa redonda parece um pirulito fincado na calçada. Mas é apenas uma placa redonda. Que parece um pirulito fincado na calçada. Caso alguém deseje experimentá-la como fosse um pirulito... Vai saber que a placa não tem gosto nenhum. Claro. Claro! Na placa algo foi desenhado. Um Hidrante. E uma tarja vermelha riscada por sobre o hidrante. E o desenho do hidrante com a tarja vermelha parece estar dizendo São proibidos hidrantes nesse local. Na rua ainda está uma moto. Pequenina e amarela. Gema de ovo? Não. A tonalidade do amarelo da moto não lembra a tonalidade do amarelo de uma gema de ovo. A motinho é um charme. Parece de brinquedo. De plástico. Sobre a moto está um homem. Ele veste uma roupa preta, de plástico. Parece roupa de super-herói. Super-herói de luto. Envolvendo a cabeça do motoqueiro não existe nenhum capacete. Nem mesmo de plástico, ou de isopor, nem de ferro. E o motoqueiro está empinando a roda da frente da moto. Justamente porque falta a roda da frente. Isso é um defeito na motinho pequenina, amarela e charmosa? Óbvio. Por quê? Porque na sua grande maioria as motos têm roda na frente. Mesmo as motinhos pequeninas, amarelas e charmosas. A menos que seja moto de circo. Mas essa motinho está na rua. E não é uma rua qualquer. É uma rua só concreto armado. É uma rua só concreto armado! E um ônibus vem se aproximando. Desliza sobre o cinzopaco, desliza sobre o cinzazul. Na rua há um caminhãozinho verde-abacate. Mas na verdade o caminhãzinho está carregado de chá de Sene na caçamba. E o motoqueiro? Com sua moto sem roda da frente colide contra o caminhãzinho de chá de Sene. A moto passa a necessitar de socorro. É. O caminhãzinho também. Porém menos. Porque é mais forte. Todo um tempo se passa e não chega o guincho. O motoqueiro está estatelado na rua. Sangrando? Não. Fraturas expostas? Não necessariamente. Da cintura para baixo ele está estatelado no lado cinzazul da rua. Da cintura para cima ele está estatelado no cinzopaco da rua. Porra, o motoqueiro necessita socorro médico. Não necessariamente. Quê? O guincho de carregar motos estateladas chega antes do guincho de carregar motoqueiros estatelados. Até que finalmente, na maior tranquilidade, sem apito, sem sirene, o guincho de rebocar motoqueiros estatelados aparece. Ocorre que por causa da colisão o motor da moto pega fogo. O fogo se alastra. A motinho amarelinha explode. O caminhãzinho cor de abacate com todo aquele chá na caçamba, explode. E também o motoqueiro, não necessariamente, digo, necessariamente, explode. E até mesmo os guinchos, os guinchos de carregar motos e motoqueiros com sangrentas fraturas expostas, até mesmo os guinchos, explodem. E o ônibus? O ônibus que carrega U na barriga passa pela explosão intacto. Porque ele só passa pelo local da explosão horas após o acontecido. Ufa. Por causa das explosões um alçapãozinho se abre na calçada ao pé da placa que parece um pirulito. De dentro do alçapãozinho emerge um hidrante de conduta bastante expansiva. O hidrante esguicha água gelada para todos os lados como ignorando a placa de São proibidos hidrantes neste local. Toda a área vira um mingau. Isso também porque o corpo do motoqueiro derreteu junto com o resto dos escombros. O motoqueiro era muito gordo. Sua banha deixa a rua com uma camada superescorregadia sobre o asfalto. O trânsito se torna caótico. Rola um pânico com a maioria dos transeuntes. A sorte de U é que o ônibus só passa por ali quando já é tarde demais. A área já está limpa. Tudo sobre controle? Tudo. Tudo. Tudo sob controle. Os passageiros do ônibus só ficam sabendo que, por onde o ônibus passou, havia ocorrido uma tragédia bem mais tarde, quando assistem ao Jornal da Noite. Inclusive U? Inclusive U, que voltava de uma clínica. Quê? U só fica sabendo da tragédia horas mais tarde quando está vidrada no noticiário. U é dessas que ficam vidradas no noticiário. Como todas as pessoas consumidoras de tragédias. Consumidoras de tragédias.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

conto noir

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.....Ok, eu faço
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.....Os caras chegaram pra me cobrar.
.....Eu não tinha a grana.
.....Então pague com serviço, disse um deles.
.....Que tipo de serviço, eu quis saber.
.....Apague o Ramón pra gente.
.....E se eu não fizer?, provoquei.
.....Aí quem vira presunto é você, apontou a arma pra mim.
.....Ok, eu faço, me resignei e completei, Só tem um problema.
.....Qual?, quis saber o Feioso.
.....Eu não tenho uma arma, respondi.
.....Púlia, dá uma arma pro rapaz.
.....Púlia me deu a arma.
.....Está carregada?, perguntei.
.....Claro que está carregada.
.....Então dei dois tiros.
.....Um no pescoço do Púlia, e outro na fuça do Feioso.
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Esse conto está publicado no meu livro
Inverno dentro dos tímpanos
(2008, Kafka edições).

lufus e linhares em ação

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.....Otávio Linhares tem escrito impagáveis aventuras em seu blog http://otaviolinhares.blogspot.com/. Nas estórias somos parceiros de investigações, eu me chamo Fúlvio Lopes, vulgo Lufus e ele é, claro, o Detetive Linhares. Haha, é come se diz nesse tipo de literatura, que paspalhos divertidos.
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Aqui estamos, eu (Fúlvio Lopes) e ele (Detetive Linhares),
resgistrados em ação pela lente de Raquel Deliberali.
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Acompanhe também

na verdade não era

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.....Curso sobre colisões.....
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.....Engraçado mesmo é esta guriazinha com roupas de boneca, bochechas rosadas com sardas, bracinhos angulosos, correndo atrás de um ônibus até alcançá-lo. U entra num ônibus? Não sem antes machucar os joelhos. U machuca os joelhos? Na calçada, um balde, chamas, fogo dentro do balde. Uma velha pede esmola. Recebe a esmola dos transeuntes. Pega as cédulas de dinheiro e joga dentro do balde. As cédulas viram fumaça. As moedas permanecem intactas. A velha bem que podia dizer A fumaça é minha paga para Deus. Exatamente, a velha diz A fumaça é minha paga para Deus. O fogo é forte e parece sorrir enquanto mastiga o dinheiro. U tropeça no balde? Sim, U tropeça no balde e machuca os joelhos. É. E a velha xinga U. Não, a velha cai na gargalhada! A velha não pára de gargalhar e dizer Viu como o dinheiro não é tão fiel assim à pressa. E U sai correndo. Joelhos sangrando. Já sentada no ônibus U olha para a velha na calçada. Vê que a velha arrasta uma cauda de culpa, que mais se assemelha a cauda de um crocodilo. A velha arrasta aquela cauda com ela para onde for. E U vê os pregos de trinta centímetros pregados no rabo da velha. Os pés sujos e descalços da velha. Nenhum sapato? Borracha? Nada. A velha pisa na frigideira do asfalto e não faz nenhuma careta de dor. Se bem que o rosto da velha é todo ele o rosto da dor, isso se a dor tivesse um rosto só. São fiapos de manga aquilo ou é o cabelo da velha? É exatamente essa a indagação que U faz. U sentiu o fedor dessa velha? E o fedor está com ela agora ali no ônibus. É um cheiro desses que afugenta ratos. U pensa que a boca da velha é podre que nem a boca de um abutre. Ui. A velha feiticeira. Todos temem a velha. E U, a tonta, tropeçou no balde amaldiçoado da velha. Cagada.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

na verdade não era

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.....Curso sobre colisões
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.....Uma rua. Um restaurante. U está no restaurante. Tenta esconder das outras pessoas o choro. Todos percebem que U tenta esconder o choro. Ninguém vai consolá-la. Há garçonetes. Servem as mesas sem ao menos olhar na cara dos clientes. Foi-se o tempo em que as pessoas entravam em qualquer restaurante e eram atendidas por garçonetes de verdade. Estas que ali estão são garçonetes universitárias. Vieram do interior. U também veio do interior. As garçonetes universitárias estão somente fazendo um bico, quebrando um galho. O pouco dinheiro que ganham vai para o supermercado, necessidades básicas. Algumas gastam com drogas. Outras gastam com shows na Pedreira Paulo Leminski. Cada uma gasta como bem entende. Há quem faça abortos. Outras, claro, confiam que o destino lhes aguarda com empregos em multinacionais. Há as que tentam casar com homens ricos. E tem aquelas que estão felizes como estão. Por enquanto servem pratos feitos. Não dá para saber se são comidas típicas de algum país as que servem para U no momento. Mas dá para saber que são comidas esquisitas. Podem ser confundidas com joelho, orelha, cartilagem. Borbulham em gordura. Alguém poderia até pensar que fragmentos de um ser humano estão sendo servidos ali. Que noje. Nojo? Pois é. E U? Come? Chorando, mas come. E as garçonetes? E as garçonetes lá, com aquelas bundas e narizes empinados. Onde fica? As bundas nas bundas, os narizes nos narizes. E o restaurante? Já disse, em uma rua. Qual? Não sei. Mas no restaurante existe um sujeito trabalhando no Caixa. E o sujeito é um cachorro. Um cachorro mesmo! Os clientes quando vão pagar a conta ficam surpresos e dizem Pode ficar com o troco. U também? Claro. U paga a conta com uma nota de dez e diz que ele, o Cachorro, fique com o troco. O sujeito do Caixa agradece fazendo Au-au. E abanando o rabo. Na saída U fica absorvida pelo aquário embutido na parede. São doze peixes. Todos vermelhos pendendo para o roxo. Todos com olhos muito roxos pendendo para o negro fundo de bueiro. Enxergando aqueles peixes U sente uma terrível angústia. Acha que vai colapsar. U sabe que está num afogamento sem volta. Coitadinha. Os doze peixes. Aquele aquário. De repente o Cachorro do Caixa grita Hora de fechar! E abre as escotilhas do aquário. Os doze peixes agonizam no chão de madeira do restaurante. Os clientes caem fora. U sai junto, afobada. Na fuga, com aquele misto de angústia e afobação, U pisa e esmaga um dos peixinhos. Muito engraçado.

sábado, 23 de janeiro de 2010

só é ilusão aquilo que não esqueço, o resto foi real

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.....Três anos se passaram desde a noite em que quase fomos flagrados por minha mãe. Então prestamos vestibular eu, você e Tatit. Você ficou grávida de mim e não quis contar pra ninguém. Fomos juntos à clínica. Voltamos, você se recolheu em seu quarto, muito triste.
.....Na manhã seguinte você entrou no meu quarto e disse que entre nós estava tudo acabado. Um calafrio subiu feito peixe elétrico em minha espinha. Tentei argumentar, ponderar. Conversamos e era como mastigássemos os cubos de gelo de nossos laços sendo desfeitos. Você estava decidida.
.....Três meses depois, você havia me trocado pelo Tatit. Isso acabou comigo pra sempre. Morar na chácara se tornou insuportável e me mudei pra uma república, no centro.
.....Passava os dias fumando maconha e lendo, a noite ia pra Reitoria. Após as aulas, perdia-me por madrugadas que duravam finais de semana inteiros, no centro, nos subúrbios, nas praias, pelo interior do estado. Tanto vaguei, sonâmbulo, maloqueiro, por entre os becos das bocas da carência, entre o cimento dos postes dos corpos das putas, que nunca me recuperei. Nunca mais me perdoei. Mas por perdoá-la a perdi, e assim eternamente.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

se te conto uma mentira

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casa como a do Vinicius, que não tinha teto não tinha nada, é das mais difíceis de se fazer, não é pra qualquer arquiteto, mas se aprende

tolera-se a visão do enfermo pois há a pele a definir leiaute comum, mas socialmente não se admite a indignidade da ferida no corpo humano

não, você não tá entendendo, deixa eu explicar, ela é a marida daquela outra, e esse ali é o esposo daquele moço de bigode

ciência é religião, senão vejamos, a fecundação é a única eternidade plausível

bilhete suicida: agora preciso mesmo ir

bilhete suicida: é isso aí, amiguinhos, tô caindo fora, é preciso pagar uns impostos ainda hoje. abraço pra quem fica

explicações de um poeta (gritado): eu não estou entendendo, não estou entendendo absolutamente nada, e não sei o que é a poesia

explicações de um poeta: não interessa se você escreve num laptop ou num guardanapo, não é isso que define a qualidade da literatura

não interessa se você escreve com uma Stabilo no Moleskini, ou com Bic num caderno Tilibra, não é isso que define a qualidade da literatura

explicações de um poeta: corro a caneta, a tinta queima o papel, as chamas avançam sobre minha mão

noite cheia de Exus, bem, se eu também estava lá era porque possivelmente era um deles

conto erótico: os olhos salivando, o coração entreaberto feito lábios, era macia como fosse de algodão por fora e de carne mesmo por dentro

sobre cinema: ganhar o Oscar de maquiagem é fácil, quero ver ganhar o Oscar sem maquiagem

recado pelo twitter a um amigo: quando tiver em Curita, reunião no meu escritório, fica em qualquer lugar que venda cerveja gelada

sobre cinema: eu já vi "não minha filha, você não vai dançar". achei poderoso. triste. sem solução

ainda não vi Avatar, mas quem tem um, digamos, avatar como Octávio Camargo por perto, não precisa sequer de aventuras hollywoodianas

conto de terror: ontem ao ser visto pela bruxa da vizinha, não tive dúvida, ela desejou fritar meus olhos e minha língua em gordura podre

nenhum homem sabe o que nem quanto vale, de modo que cada um põe em si o preço que quer, isso me parece explícito e até, que vergonha, vulgar

no entanto, não pôr-se preço algum, embora raro, também é bem possível, e é muitas vezes o que faz, aliás, com que o homem valha mais

veja, não é raro que ouçamos o que se diz de alguém que tem muito valor: esse não tem preço

explicações de um poeta: por que você escreve? eu sempre quis responder a pergunta "por que você escreve?"

explicações de um poeta: por exemplo, no Chile quando venta escuto versos de Neruda, ou, nos versos de Neruda escuto o Chile quando venta

explicações de um poeta: na Bahia o mar quando quebra na praia é Caymmi, é Caymmi... Caymmi deitado naquela rede, é o mar da Bahia deitado

explicações de um poeta: um poeta não se explica

um músico: o solo da guitarra, o berro do vocal não seriam nada sem o coração da platéia inventando junto essa espécie de monólogo coletivo

bilhete suicida: minha nossa, tô atrasado. até mais. beijo pra quem fica. fui

tem dias que tudo o que conseguimos é algo assim como, digamos, a vitalidade de lesmas entristecidas

podemos tentar a vida toda ser delicados feito os violinos, mas quem às vezes não mostra as garras acaba sendo agarrado

putz, não é nem um pouco fácil manter, digamos, a elegância quando se tem um caso de amor com Carrie, A Estranha

bilhete suicida: 1,2,3, desligando a máquina, boa noite a todos

aí ele disse: sério, cara, meu tendão de aquiles são minhas amígdalas, preciso operar logo

são elas, as crianças... as crianças comovem o futuro do mundo

a única certeza que tenho: só as crianças são de verdade

vou dizer, crianças nos dão aula de independência quando abandonam fralda, chupeta e, depois, quando aprendem a amarrar os cadarços sozinhas

dois piazinhos durante o recreio na escola: ah, cala-boca, foi meu vô quem inventou o peido. e o outro: mas foi o meu quem patenteou

gênio incompreendido? isso não existe... os gênios são gênios porque, de um jeito ou de outro, cedo ou tarde, foram compreendidos

um cliente (pentelho?) para o dono do bar: conquistar clientes é conquistar pentelhos

pro dia ser realmente um dia de sol, é preciso que esteja fazendo sol fora e dentro da gente

método teatral: de uma atriz feia tudo que espero é que ela tenha coragem e seja capaz de em cena se tornar absolutamente linda

método teatral: de uma atriz linda tudo que espero é que ela tenha coragem e seja capaz de em cena se tornar absolutamente horrível

hoje vai ser isso, o dia de comer sem molho os ossos desse mundo cão

o pessimista que quer mais e mais: não, amigos, se isso que está acontecendo está acontecendo mesmo, então o inusitado ainda não aconteceu

o egocêntrico realista ou, no mínimo, inevitável: fora de mim eu não existo
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quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

só é ilusão aquilo que não esqueço, o resto foi real

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.....Perdoe, Mana, a velocidade, o modo elíptico e às vezes digressivo com que narro. Faço-o aqui nesse caderno que possivelmente jamais será lido, mas ainda assim me parece um documento importante, ao menos pra mim e algum parente a mais, talvez algum dos seus filhos com Tatit, quando forem mais velhos e puderem entender.
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.....Acho que nunca disse isso a você quando estávamos juntos, mas não posso deixar de acreditar que, num primeiro momento, minha verve poética aflorou quando na quinta série, com uma menininha bem feia chamada Vani, que engraçado, dei meu primeiro beijo na boca, de língua. Selinho já tínhamos dado muito antes eu e você, nas tardes longas de inverno em que a chácara ficava submersa na chuva.
.....Mas aquele beijo deslizando sobre o cio da vergonha, aquela língua que flutuava, a mais sincera, a mesma língua que depois diria para as amigas que meu beijo era doce, sem veneno, que espalharia a fama do meu beijo-anzol, aquele era um acontecimento inédito. Quero dizer, você não foi o meu primeiro beijo de verdade. Será que eu fui o seu? Mas talvez tenha sido melhor assim, quando nos encontramos, as línguas já tinham alguma experiência.
.....Nossa, quanto tempo esperei por você. Veio a pré-adolescência e eu senti que tinha perdido o sabor natural, o gosto das descobertas dos beijos. Meu beijo parecia que tinha se automatizado, se tornado áspero fruto da espera. E era você que eu esperava. Mesmo assim meu beijo se fez arma de caça, um beijo que derrubava a presa de imediato nas festas. Mas na verdade era um beijo meio que matemático, megálito e medroso.
.....Até que naquela noite você entrou no meu quarto para me devolver um livro e a gente começou a falar sobre a estória do Holden Caulfield, que me fazia lembrar o Tatau, embora o Tatau não fosse rebelde e então, finalmente, deu-se. Eu abri num leque as palmas das mãos e como colhesse um fruto grande segurei de leve seu rosto quente. Você beijou minhas palmas, a direita, depois a esquerda. Seus olhos umedeceram como se pupilas e retinas, aos poucos, fossem sendo sobrepostas pela luminosidade do abajur.
.....De repente, passos imprimiram um peso e ritmo no assoalho que eu conhecia bem. Minha mãe com o camisolão que alcançava os calcanhares vinha pelo corredor. Você se escondeu atrás da poltrona verde musgo. Você não piscava, não respirava de apreensão. Minha mãe entrou no quarto sem bater na porta: O que você está fazendo que ainda não dormiu, Jassei?
.....Lendo, mãe.
.....É muito tarde para leitores da tua idade.
.....Eu já tenho 14 anos.
.....Jassei, não me retruque.
.....Eu só queria acabar o capítulo.
.....E já acabou?
.....Acabei.
.....Então agora durma.
.....Tá.
.....Me virei na cama dando as costas para ela do lado de fora da porta: Boa noite, mãe.
.....Durma com os anjos, filho.
.....Apaguei a luz do abajur. Ela se foi. E você, meu anjo, lívida, saiu de trás da poltrona.

especulações sobre o amor simples

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namorar você pra gente esquecer que é
sábado assistindo filmes do Kurosawa
pra dançar até o chão pedir água
e pra dividir combinados de sashimi
e sujar toda a roupa com shoyo light
e pra gente dividir sonhos acordados
e afugentar os pesadelos enquanto
feito um anjo da guarda vela o sono do outro
e pra te assistir brincar com estudos de Chopin ao piano
pra viajar até Floripa fora da temporada de verão
e comer frutos do mar num lugarzinho que só eu conheço
na praia do Campeche
enquanto surfistas caminham o horizonte
enquanto a noite feito uma enorme ave azul pousa
e então em nosso quarto
numa pousada altamente ecológica
fazer amor loucamente, sem naufrágio

namorar você pra no cinema
segurar tua mão e dizer “calma, vai ficar tudo bem”
quando for um desses filmes que provocam catarse na gente
pra controlar minha alergia a rodinhas de
fumantes e ir lá pra fora
quando você precisar de nicotina e fumaça
pra no verão a gente tomar uns bons porrinhos
sentados na calçada em frente ao Torto Bar
pra gente deixar de beber por uns tempos
pra você me contar que acha que se identificou mais
com o próprio Tolstói do que com Anna Karenina
e pra, mesmo antes de apagar a luz de noite
ou depois de abrir as cortinas pela manhã
a gente fazer amor loucamente, sem loucura ou psicanálise

namorar você pra te levar em lugares
onde ainda existem pirilampos e vagalumes
pra te ensinar a diferença
entre ursinhos de pelúcias e gremlins
pra gente ir tomar sorvete de passas ao rum
naquela sorveteria do Parque Passaúna
pra darmo-nos de comer feito dois bebês
pra eu elogiar o macarrão da minha sogra
numa noite de sexta-feira chuvosa
pra você me ensinar francês
pra você me ensinar sobre paisagismo
pra ajudar você a tirar com acetona o esmalte das unhas dos pés
e ouvir você dizendo “que imagem clichê”
pra ler e falar sobre os Risíveis amores, do Milan Kundera
e rir de tudo e de nós mesmos
enquanto a gente faz amor loucamente, sem suicídio

namorar você pra inspirar teu canto sutilíssimo
tímido com minhas novas composições
que serão sempre cantigas de ternura
pra você recusar com meiguice
as pimentas fortes do meu pai
pra gente gastar até 140 reais (70 de cada um)
num vinho tinto muito bom
pra você repetir duas vezes a sobremesa
que minha mãe preparou
porque ela é feita com teus ingredientes prediletos
pra eu sorrir e encher os olhos
vendo meu sogro fazer macaquices com os netos
pra você sorrir e encher os olhos
vendo teu sogro fazer macaquices com os netos
pra gente exercitar nossa vocação pra alegria
e pra amparar teus seios
teus olhos queimando feito luas
enquanto, umbigo no umbigo
a gente faz amor loucamente
mesmo que devagarinho, como sempre
como sempre, mesmo trepando, como sempre
pra gente fazer amor, sem abandono
Para A.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

uma epígrafe

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...e pela primeira vez me pareceu que eu me aproximava com palavras de um sol que podia ser meu, e nessa época Michel Leiris estava morto havia onze anos e fazia mais de cinquenta que ele havia escrito que "a atividade literária, no que ela tem de específico como disciplina do espírito, não pode ter outra justificação a não ser iluminar certas coisas para si próprio ao mesmo tempo que elas se tornam comunicáveis para outrem, e que um dos objetivos mais elevados [...] é restituir por meio das palavras certos estados intensos, concretamente experimentados e tornados significativos para serem postos assim em palavras" e eu dizia a mim mesmo que todo mundo deveria começar por aí.
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Grégoire Bouillier.

só é ilusão aquilo que não esqueço, o resto foi real

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.....Seu nome era Maria, mas desde pequeninos sempre chamamos você de Mana. Você não era nossa irmã, mas tinha sido criada conosco. Você foi minha primeira namorada. Namorada de apalpar, de alga e musgo. Namorada que impregna no sangue. Agora que sua mãezinha, a mulher caridosa que ajudou em minha criação, agora que ela está velhinha e você desacordada numa UTI, me vi obrigado a reviver o passado.
.....Ontem mesmo avancei na rua com anti-pó. A maioria das casas exibia a propaganda de um vereador, o amigo do bairro. Me aproximei da cerca da casa de madeira, um cachorrinho branco com manchas azuladas e marrons abanou o rabo pra mim. Abaixei, deixando que lambesse minha mão. Acariciando suas orelhas, perguntei: É aqui que mora Dona Elza?
.....É aqui mesmo, veio uma voz sem força da lateral da casa.
.....Levantei pra olhar e ali estava a velha empregada da família Brennelli, sua mãezinha, com os cabelos completamente cinzas, de camisola, óculos de leitura pendurados no pescoço e as mãos sujas de mexer na terra.
.....Jassei, quanto tempo, o que faz aqui?
.....Vim dar um oi.
.....Entre, entre, querido.
.....Elza abriu o portão e o cachorrinho veio brincar comigo.
.....Umbigo, deixe o Jassei em paz, vá, vá pra lá.
.....E o espantou. Mas Umbigo, dado a estripulias, não respeitou a dona. De modo que Elza precisou trancá-lo na cozinha. Voltou, e então me conduziu a sala com tantos retratos, você sorrindo, fazendo poses neles. Havia um em que estávamos todos nós, muito jovens ainda, vestidos à caráter. Era uma das festas juninas que aconteciam todo ano em nossa chácara, com fogueiras enormes e todas as brincadeiras típicas. Na foto, eu e Tatit abraçados em você, um em cada lado. Ainda ingênuos da confusão sem fim que nos meteríamos.
.....Tatau, que tinha um chamego pela filha do Seu Chiquinho, da padaria, em outra foto tem a mim de um lado e a menina de outro. Naquele mesmo dia Tatau a havia convidado pra dançar a quadrilha, mas a menina fora só recusas, até o momento em que a mãe, esposa de Seu Chico, interveio a favor de Tatau. Então, lá foram pro meio do salão, Tatau e a Chiquinha, que era como a gente chamava ela. E Tatit com você.
.....Lembra Elza?, eu fiquei emburrado, bebendo quentão escondido, pois nós crianças éramos proibidos de beber aquilo, se vó Beatriz nos pegasse a gente recebia uns bons puxões de orelha.
.....E teu tio Breno nem ligava, disse e riu Elza.
.....E assim entramos a manhã conversando. Elza disse estar bem. Estava um pouco mais animada porque os médicos disseram a ela que o seu quadro, Mana, graças a Deus, era estável. Essa foi a deixa pra que, finalmente, eu tomasse coragem e perguntasse como tinha sido o acidente.
.....Você não soube?
.....Não.
.....Então ela me contou que depois que você e Tatit assinaram os papéis do divórcio, saíram da Vara de Família e foram tomar um café, e que mais uma vez discutiram, e que você ficou muitíssimo nervosa e disse que agora que você era livre novamente iria me procurar naquele mesmo instante, e que então Tatit ficou louco, xingou você aos brados no meio da rua dizendo que um novo processo começaria, o da guarda das crianças, caso você fosse atrás de mim e, enfim, foi nessa hora que você entrou no carro gritando que ia atrás de mim e que ele podia fazer o que bem entendesse. Imagino que muitíssimo nervosa, chorando, você bateu o carro quando ia em direção ao meu prédio.
.....Mas quem te contou isso?, perguntei a Elza.
.....Tua tia Ruth.
.....E parece que foi assim mesmo, pois foi o próprio Tatit quem contou pra tia Ruth. O seu carro foi encontrado destruído perto de onde moro, com você dentro desacordada. Uma ambulância veio em seu socorro, mas, apesar de não desistirem de você, os médicos achavam bastante improvável que você sobrevivesse. Elza foi me revelando a trama e eu ficando sem reação. Enjoado. Sem saber o que pensar. Então se deu um silêncio no qual você cantava dentro. Até que Elza me ajudou com esse silêncio, fazendo meu pasmo crescer, perguntando: Você sabia que Tatit surrava ela, Jassei?
.....Sabia.
.....Isso não se faz, Jassei, não se bate em mulher.
.....Elza ia começar a chorar sua raiva ainda não apaziguada quando, súbito, veio um barulho da cozinha. Umbigo ganiu. Corremos em seu socorro entrando às pressas. O cãozinho estava encolhido num canto, quase atrás da geladeira, bastante assustado, a respiração opressa. Ele havia derrubado a chaleira na qual fervia a água pro nosso café. Por pouco não se feriu. Sua mãe o pegou no colo e o acariciou, até que, os ânimos se acalmaram.
.....O café ficou prometido pra outro dia. Fui embora dali com uma tristeza que me apertava a garganta amarga.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

adorável bruna beber

.....Revolução íntima

.....Eu acho que nenhum retorno pode representar uma alegria superior a de receber um e-mail de uma professora do primário que marcou minha formação, e que eu não via desde que 1993 acabou, dizendo que hoje ela dá aulas de literatura na Favela da Maré, no Rio de Janeiro, e que levou A fila pras aulas que deu de poesia contemporânea.

.....Isso já bastaria.

.....Por ela ter lembrado de mim. Por ser alguém que me mostrou várias coisas das quais me lembro até hoje. Porque agora ela tá estudando, com outros alunos, dezoito anos depois de nossas aulas, o que eu escrevi. Por ser uma nova geração de leitores. Pela poesia sendo lida enquanto é feita. Porque chegar num colégio público da Maré, aos 25, é muito mais legal do que chegar ao Sion depois de morta.

.....Mas, além de tudo isso, ela disse que o livro foi sucesso e furor entre os alunos. E agora eu quero ir lá falar com eles.

Bruna Beber

http://didimocolizemos.wordpress.com/

só é ilusão aquilo que não esqueço, o resto foi real

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.....Quando chegou a época do vestibular, fui ser jornalista. Me formei e depois quis fazer especialização em São Paulo, onde trabalhei por volta de dois anos antes de voltar a Curitiba. Mesmo tendo morado em São Paulo não me transformei num urbanóide, embora hoje tudo seja concreto e plástico, ainda sei ler a lição da terra no apodrecimento de um fruto ignorado na fruteira. Sei quão lógica é a natureza que amolece o coração da terra para fazê-la condutora da fertilidade. As correntezas dos mares qualquer marinheiro conhece. As correntezas da terra são tão complexas quanto, mesmo contendo menos movimentos. Respeito a terra, sei se tratar de nossa cama mais macia. A terra é o oxigênio das flores. Vô Breno foi um insuperável marceneiro. Talvez eu não tenha servido para trabalhar com madeiras quanto servi para ser árvore. Ser árvore como meu avô. Isso Tatit jamais conseguiu ser.
.....Mas se você quer que eu seja franco, é melhor eu admitir logo, nunca fui bom em nada, senão que com algumas metáforas. Na época da escola minhas notas eram péssimas. Reprovei duas vezes de ano. Eu era rebelde. Brigava com os colegas, brigava na rua até alguém sangrar. Os Brennelli sempre tiveram esse andar de galo, de rei da rinha. Vi os mais velhos chegando no final da vida ainda com esse andar, mesmo que já não servisse pra mais nada.
.....Assim como eles, um dia fui eterno. Até que flertei com a memória de não ter havido. Até descobrir que desde protozoários até dinossauros, todos foram da minha família. Até o dia em que não soube mais quando foi que deixei de me permitir chorar entre os parentes.
.....Escrevo esse relato porque, sinceramente, não aprendi a dizer a verdade flagrada pelos olhos dos outros, fitando-os como me ensinou meu pai. Nem sempre os olhos são o melhor lugar para a verdade. Assim como sucede aos oceanos, a verdade independe da cor e profundidade da água. Desse modo, cri apenas em olhos que pediram afogamento. E nem sei como ainda não cansei de nadar como quem voa em céus com abismos. Talvez porque, imitando a coragem que tive quando criança, na época em que me esforcei nos esportes, em alguns até conquistando relativo destaque, colecionando meia-dúzia medalhas, acabei por exercitar o que é se iludir.
.....É verdade que floresci quase rude feito os pinheiros, porém não seco. Nunca fui capaz de ignorar carinhos e intimidades, daí que a mulher, graças a você, pra mim se tornou primordial. E por isso agora a evoco com devoção.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

só é ilusão aquilo que não esqueço, o resto foi real

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.....Apesar das orelhas, embora Tatit não mereça, é preciso fazer-lhe justiça. Antes me permita admitir que da marcenaria nada me ficou, a não ser uma lembrança do dia terrível em que Tatau sofreu o acidente. De vô Breno minha principal herança foi o gosto pelos livros e não a lida com as madeiras. Jamais consegui efetivar a síntese que ele me propôs.
.....Meu avô era um tipo de leitor que se aproximava dos livros como se aproximasse da lareira em noites de geada. Vô Breno era mais carinhoso do que um pulôver. Nunca o vi fazendo raridade de si mesmo, distribuía abraços, sorrisos, falas. Era o sujeito de uma época em que os artesãos ainda tinham razão de ser. Um marceneiro primoroso e o grande poeta do meu mundo.
.....Vô Breno era uma árvore, o homem forte, cada passo seu carregava raízes. Certa vez ele me disse assim: Para que não seja a vida essa incandescência vã, revelo sempre demências a minha mão, isso é que é escrever, isso é que é a marcenaria, dominar a loucura, o caos, condensá-la e saná-la dando-lhe a estética.
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Lembro que no meu aniversário de nove anos ganhei uma caixa de ferramentas. E aos poucos a fui equipando. Era um investimento à médio prazo. Tanto Tatit quanto Tatau também ganharam as suas e rapidamente aprenderam a diferenciar os tipos de madeira. Aprenderam como protegê-las para que não estragassem. Quais produtos usar e como usar. Qual a melhor tinta a ser utilizada para a preparação das madeiras, as técnicas para se fazer decapê.
.....Quando uma vez a tábua da cozinha onde eram amassados os pães quebrou, Tatit de um dia para o outro confeccionou uma nova, de qualidade superior a que havia estragado, que era obra de meu pai. Ali estava revelado o primeiro talento de Tatit. Diferentemente de Tatau, Tatit vivia se vangloriando por saber confeccionar banquinhos, criados-mudos, armários com perfeição. Não tardou até que fizesse a pátina melhor que vô Breno. Sabia usar como ninguém os berbequins. Aplicar os moldes para fazer perfurações. Era bom em laminação, compensados. Um talento nato.
.....Como é que você consegue, Tatit?, eu perguntava.
.....A madeira, apesar de sólida, Jassei, é de fácil manejo, é elástica, porque está viva, repetia os ensinamentos do vô Breno.
.....Como marceneiro a única coisa que consegui fabricar foi um violino cuja acústica nunca se viu pior, com uma curva no fundo completamente tosca. E ali morreram minhas ilusões em relação a uma possível carreira musical, pois não era só o violino que era ruim, o violinista tampouco servia.
.....Desacreditado da música ainda tentei mais um pouco investir na marcenaria, mas com a morte de Tatau minha incompetência e consequente desinteresse só fez crescer. Assim, o caminho ficou aberto para que Tatit logo virasse o braço direito e depois passasse a dirigir a fábrica de móveis Brenelli, o que, na verdade, foi acontecendo da maneira mais natural possível.

só é ilusão aquilo que não esqueço, o resto foi real

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.....Dizer exatamente como sou atualmente, que já deixei o paraíso há muito, eu não saberia. Será que mudei consideravelmente desde que não nos vimos mais? Sim. E não. Engordei um pouco, tenho barba espessa mas quase nunca a deixo por fazer.
.....Talvez pensar no redondo rosto de róseas bochechas de minha mãe seja o melhor jeito de dizer-me. Gica tinha aqueles olhões amplos, claros, olheiras que igualmente definiram meu rosto, esse leve tom arroxeado a conduzir às profundezas do verde miolo dos glóbulos. Minha mãe Gica... queria que toda vez que pensasse em seu rosto ela aparecesse e viesse me beijar a bochecha. Mas não funciona assim.
.....Bisneto de colonos italianos, nasci em Curitiba, em julho de 75, quando nevou pela última vez por aqui, mas isso você está careca de saber, como dizem. Embora eu pensasse que era bem possível que você tivesse esquecido totalmente de mim, da fisionomia, da voz, quem dirá da data de meu aniversário, até que no dia 21 de julho do ano passado recebi um presente seu, com aquele cartão revelador e tudo mais. Bem, ainda sou esse jornalista cada vez mais preguiçoso que no momento, após praticamente a redação inteira ter sido mandada embora, tem se virado como assessor de imprensa freelancer.
.....Fazia tempo que eu não ia até Santa Felicidade. É no mínimo anacrônico passear pelo bairro que tanto tempo atrás começou com meus antepassados e uma meia dúzia de outras famílias, sabe. Essas famílias e também os Brennelli eram famílias incansáveis, trabalhavam igual camelos, só bebiam água de duzentos em duzentos quilômetros, segundo contava vó Beatriz, que chegou no Brasil ainda criancinha de colo.

.....Nascemos de novo dos nossos filhos quando nossos filhos nascem, revelava-nos minha mãe.
Os Brennelli, dizia, descendem de uma reza.
.....Então lembro de quem descendo, e tento fingir que posso ficar em paz. Não espero o destino feito esperasse o troco. Mas sinto saudade... Saudade dos velhos da família que aos poucos foram saindo de cena, fugidos da vida para dentro da terra. E assim será conosco.
.....Vivia escondendo a pele branca sob um modo demasiado rústico de me vestir. E acho que me ainda me visto assim, pelo menos conceitualmente. Já as roupas de corte exato do meu primo Tatit de hoje contrastam drasticamente com as peças quase rotas de nossa adolescência, o que, mesmo para quem não conhece nossas diferenças, visualmente faz com que as intuam.
.....Tatau, irmão gêmeo de Tatit, entre nós era o campeão de espinhas na pré-adolescência e, infelizmente, não teve tempo suficiente para se tornar o homem alto, largo e bonito num futuro que para ele ainda insisto enxergar. Sua morte foi sem dúvida a pior tragédia que já acometeu a família.
.....Nós três herdamos esses supercílios volumosos e desalinhados do vô Breno, especialmente Tatit, que sobre os olhos parece ter espessos toldos que pelo meio se unem. Nós, os Brennelli, fomos e somos homens de compleição rústicas, embora altamente domesticados pela vida urbana, sem dúvida já deformados pelo conforto.
.....Se bem que você, Mana, vivia dizendo que o meu era um rosto carregado de ingenuidade. E eu não ligava de ter tais traços, isso realmente nunca me ofendeu. E é lógico que sei, caso viva até a velhice, que terei os mesmos lóbulos moles e despencados nas orelhas cheias de pêlos, como meu avô. Isso também não me incomoda. Incomodou, no entanto, Tatit a vida toda, como o incomodavam suas orelhas de abano, tanto é que ele resolveu operá-las assim que teve autonomia para isso. Essas orelhas certamente Tatit também herdou do vô Breno, apesar de que no vô, mesmo sendo grandes, elas soavam, vamos dizer assim, proporcionais, em parte porque Breno nunca esteve nem aí com a coisa, o que não era, todavia, o caso de Tatit.
.....O Tatit, infestado de sardas, acabou ficando, na minha opinião, o mais feio Brenelli de toda a história. Mas o que adianta dizê-lo, se causarei em você apenas a impressão de que vivo com uma dor de cotovelo constante, já que Tatit casou com a guria mais linda que nessa mesma história já existiu?

monstros de bares sujos

.Desenho de E. Velprost
(Um figura dos mais simpáticos
que me foi apresentado pela Maria e pelo Filippo)

os congestionamentos vão virar um único estacionamento


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domingo, 17 de janeiro de 2010

só é ilusão aquilo que não esqueço, o resto foi real

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.....O comprador em potencial não apareceu, esperei desde manhã até agora pouco. Morto de fome, fui até a panificadora do seu Chico, mas chegando lá aquela já não era a panificadora do seu Chico, nem mesmo a moça que me atendeu alguma vez ouvira falar em tal nome. A padoca de agora é bem maior, uma variedade enorme, o que a esposa de seu Chico fazia, que era colocar pães nos sacos, servir uma média, preparar um misto-quente, agora é feito por uma multidão de funcionárias, com uma variedade de queijos e pães e demais produtos que deixam qualquer um indeciso. Há um Café chique meio afrancesado dentro do lugar. Ali tomei um capuccino e comi um sanduíche gostoso e caro, na baguete.
.....Depois, voltei para chácara, e lá fiquei até a noite chegar, sentado à porta da cozinha toda aberta para aquilo que já foi uma horta recebendo atentados das galinhas. Como que diante de um filme cuja tela entra na gente, chorei sobre a poeira de um tempo feliz. Já passava das 20 horas quando enfim, deprimido, saí de lá e voltei para o centro.
.....E então me pus a escrever para você. E como eu acho mesmo que não vou chegar a ser um desses velhinhos simpáticos, com problema de audição, sobrancelhas desgrenhadas, vestindo calça de veludo e pulôver que cheiram a mofo e sopa, tentando curar uma tosse crônica com xarope de mel... agora... eu... É uma pena que eu não vá chegar lá. Tanto meu pai quanto vô Breno foram esse tipo de anciões. Mas o que você tem com isso? Ainda mais depois de tantos anos? Tua vida agora é outra, talvez você sequer volte a ter a chance de se recordar da família Brennelli, quem dirá da velha chácara que será vendida e possivelmente transformada em mais um condomínio de luxo, ou numa fábrica, ou ainda na porcaria de um shopping. Esse lugar que para nós, para mim pelo menos, foi uma espécie de paraíso assombrado, como são as infâncias.

sábado, 16 de janeiro de 2010

antologia tom zé

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só é ilusão aquilo que não esqueço, o resto foi real

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.....Os metereologistas não dão uma dentro. Devia estar uns três graus centígrados. Era muito cedo e a geada ainda não tinha dado sinais de que ia derreter. Depois do telefonema da tia Ruth não fiquei um minuto sequer sem pensar em você e na chácara. À noite não preguei o olho. Tinha as costas doloridas até que, não podendo acordar, pois tinha dormido, emergi da madrugada de gelo como um esquimó que se vê ser espremido pelo iglu.
.....Tomei café com leite e um misto-quente na panificadora na esquina do meu prédio, em seguida entrei no primeiro ônibus e fui desembarcar só no terminal de Santa Felicidade. O dia ainda escuro. Andei até a nossa velha rua sem saída, quase não a reconheci com seu asfalto novo em folha, ainda molhado, por cima do chão batido.
.....Quase como um antropólogo, entrei. Você ficaria decepcionada. Mudaram as fechaduras. As fechaduras agora são não haver portas na casa. Circulei a antiga sala de estar. Há paredes ainda, mas são já pré-escombros. Os quadros onde estão? Nalgum museu, foram doados por tia Ruth após a morte de minha mãe. Mas mesmo não estando ali a memória dos quadros me pesou assim como a bagagem da existência nos ombros, nos ossos. Elogiar o que da casa de agora? Poeira e pernilongos. A casa, a casa, a casa prestes a ser varrida pelo vento. Aliás, varrida por ladrões de torneiras, vasos sanitários, azulejos, telhas, tomadas, interruptores de luz, fiação elétrica.
.....Está claro que a bancarrota desse lugar teve início com a saída de minha mãe e da tia Ruth quando, já sem o meu pai e com o Tatit fazendo especialização nos EUA, resolveram se mudar para o apartamento do Champanhat.
.....Imagino que seja assim, uma casa retém o espírito das pessoas que a habitaram. Quando essas pessoas vão embora seus espíritos tendem a segui-las, mas algo deles permanece. No caso da nossa, que nada mais guarda, que é já uma caveira, teve até mesmo o esqueleto depenado, nunca a tinha visto antes tão silenciosa. A mesma casa em que um dia a disposição interna dos móveis, a ausência de televisores, a mesa redonda na cozinha, obrigava-nos o vínculo.
.....Mas não foi difícil como pensei que seria pisar suas tábuas rangentes, vislumbrar a amplidão da sala onde antes ficavam os armários, a cristaleira, o relógio-cuco pendurado, depois ir até a biblioteca, refazer a fila para tomar banho, ver a mesma luz da manhã que invadia nossos quartos, a casa outrora preenchida, viva, agora, assim.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

só é ilusão aquilo que não esqueço, o resto foi real

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.....Dia desses recebi um telefonema da tia Ruth: Jassei, há alguém interessado na chácara, você sabe, um comprador em potencial, e eu estou cansada, aquilo virou um elefante branco, eu não tenho mais idade para me incomodar, Tatit está na Europa, preciso que você cuide do assunto.
.....Você sabe, ela fala muito rápido e alto e eu não consigo entender, ainda mais quando ainda nem acordei direito. Mas assim que ela fez uma pausa, perguntei:
E Mana?
.....O quadro dela é estável, Jassei, não podemos fazer nada, só esperar.
.....E então, como que liquidando o assunto Mana, ela voltou imediatamente ao assunto chácara, como se fosse possível separar um do outro.
.....A chácara é um dos últimos bens restantes do espólio de nossa família. Por isso que, após a esbaforida intimação de minha tia, se antes de devolver o fone ao gancho tivesse caído no erro de não dizer enfaticamente um “sim, senhora, providenciarei tudo, pode ficar tranquila”, ela teria ficado uma fera comigo. Mas que remédio, eu sou o ovelha negra tem muito tempo, então que se fodam. Enquanto eles estão cuidando dos negócios, eu só tenho cabeça para você, Mana.
.....Mesmo assim a conversa não foi muito amigável quanto deveria ser entre o sobrinho e sua tia, talvez pelo fato de que em algum momento, sem esconder o tom de decepção na voz, acabei perguntando: Então vai ser assim, tia, vamos simplesmente vender o que restou da chácara?
.....É claro, Jassei, que vamos simplesmente vender a propriedade, ou, por acaso, você vai ficar com ela?
.....Ficar com ela?, coitado de mim, um pobretão, quase não tenho dinheiro suficiente para pagar o aluguel e me alimentar ao mesmo tempo, há meses que preciso escolher se como ou se continuo morando no meu quarto-e-sala precário. Ao menos se o Tatit, o rico da família comprasse a propriedade, mas não pode sequer ouvir falar daquele, como ele mesmo chama, elefante branco. A velha chácara não interessa aos projetos do Tatit. É lastimável no que ele acabou se transformando, nem vale a pena comentar.
.....Mas e você, Mana, pelo amor de Deus, como você estará?

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Zilda Arns e a construção de um mundo melhor

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Zilda Arns - 1934/2010
Fotografada por Gilson Camargo
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.....Publico fragmento do último discurso de dona Zilda Arns, preparado para palestra em Porto Príncipe, no Haiti, onde, em missão humanitária, faleceu, vítima de terremoto que matou milhares de pessoas. Zilda Arns era médica pediatra e sanitarista, fundadora da Pastoral da criança - http://www.pastoraldacrianca.org.br/. Dedicou a vida às causas sociais e foi quatro vezes indicada ao Nobel da Paz. Será velada amanhã, em Curitiba, no Palacio das Araucarias.
....Aqui, o discurso de dona Zilda Arns na íntegra:
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.....Em dezembro de 2009, completei 50 anos como médica e, antes de 2002, confesso que nunca tinha ouvido falar em qualquer programa da Unicef ou da Organização Mundial de Saúde (OMS), ou de outra agência da Organização das Nações Unidas (ONU), que estimulasse a espiritualidade como um componente do desenvolvimento pessoal. Como um dos membros da delegação do Brasil na Assembleia das Nações Unidas em 2002, que reuniu 186 países, em favor da infância, tive a satisfação de ouvir a definição final sobre o desenvolvimento da criança, que inclui o seu "desenvolvimento físico, social, mental, espiritual e cognitivo". Este foi um avanço, e vem ao encontro do processo de formação e comunicação que fazemos na Pastoral da Criança. Neste processo, vê-se a pessoa de maneira completa e integrada em sua relação pessoal com o próximo, com o ambiente e com Deus.
.....Estou convencida de que a solução da maioria dos problemas sociais está relacionada com a redução urgente das desigualdades sociais, com a eliminação da corrupção, a promoção da justiça social, o acesso à saúde e à educação de qualidade, ajuda mútua financeira e técnica entre as nações, para a preservação e restauração do meio ambiente. Como destaca o recente documento do papa Bento 16, "Caritas in veritate" (Caridade na verdade), "a natureza é um dom de Deus, e precisa ser usada com responsabilidade." O mundo está despertando para os sinais do aquecimento global, que se manifesta nos desastres naturais, mais intensos e frequentes. A grande crise econômica demonstrou a inter-relação entre os países. Para não sucumbir, exige-se uma solidariedade entre as nações. É a solidariedade e a fraternidade aquilo de que o mundo precisa mais para sobreviver e encontrar o caminho da paz.
Zilda Arns

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

luiz felipe leprevost na confeitaria das famílias

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.....Meu amigo Fabz (o lado artista plástico do escritor Fabiano Vianna) me fez essa puta homenagem. Adoro o traço dele e achei ducaralho a maneira como me desenhou na Confeitaria das Famílias, que é um dos meus lugares preferidos em Curitiba. Obrigadão, maninho. Quem quiser conhecer alguns de seus outros desenhos é só ir lá no http://www.flickr.com/photos/fabz.
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Luiz Felipe Leprevost na Confeitaria das Famílias, por Fabz
http://www.flickr.com/photos/fabz
Clique na imagem para vê-la maior

deu na coluna acordes locais, da gazeta do povo

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.....Assinada pelo jornalista Luiz Claudio Oliveira, matéria que saiu na coluna Acordes Locais, no Caderno G da Gazeta do Povo de hoje, 13 de janeiro. Fiquei feliz de ser lembrado pelo Raphael Moraes, da banda Nuvens. E, embora não goste de quesitos competitivos, acredito que proposta como essa do Luiz Claudio tem como intuito essencial o aquecimento da cena local, do diálogo, da convivência, do mercado, da formação de platéia, campo, opinião etc, o que é bom para todos nós curitibanos. Também vou mandar logo já as minhas indicações para o mail blogsobretudorpc@gmail.com. Como se diz por aí: não fique fora dessa.
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.....Os melhores da música paranaense de 2009
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.....Desde a semana passada, iniciei aqui nesta coluna a escolha dos melhores da música paranaense de 2009. Sugeri algumas categorias para que fossem escolhidos os nomes que, na opinião dos leitores desta coluna e dos internautas que acompanham o blog Sobretudo (http://portal.rpc.com.br/gazetadopovo/blog/sobretudo/), se destacaram na música local no ano passado. Por enquanto, ainda não estamos na fase da votação, propriamente dita, mas apenas na coleta de indicações. Todo mundo que for citado mais de uma vez será incluído, não interessa se é banda nova ou antiga, se tem ou se não tem disco gravado. O único critério é que tenha alguma ligação com o Paraná, que more aqui, ou que tenha feito um trabalho por aqui.
.....Esta fase de indicações seguirá até a semana que vem. As enviadas por e-mail (blogsobretudorpc@gmail.com) devem ter como assunto a expressão “Melhores de 2009” – é importante a especificação do assunto para que as mensagens não se percam. Os nomes também podem ser indicados nos comentários dos posts do blog Sobretudo que tratem do tema.
.....Valerão as indicações que chegarem até a zero hora da próxima terça-feira (19/1). Então, vou relacionar todos em suas respectivas categorias e aí partiremos para uma votação por meio de enquetes (uma para cada categoria). Os links serão indicados nesta coluna e no blog Sobretudo na próxima quarta-feira, dia 20. Se houver muitos indicados, faremos uma primeira seleção dos mais votados para escolhermos os finalistas em uma nova bateria de enquetes, mas isto vocês só vão saber se vai acontecer, na próxima quarta-feira. No blog Sobretudo, na medida do possível, vou dando umas parciais.
.....O músico Raphael Moraes, da banda Nuvens, mandou suas indicações e sugeriu mais duas categorias e eu reproduzo aqui com a argumentação e já as indicações dele:
.....“Melhor compositor: na qual eu votaria em Luiz Felipe Leprevost, que conheci esse ano e me surpreendi com suas canções!
.....Melhor show: nessa eu indicaria o show Síntese da Essência, de André Abujamra, que por morar em Curitiba há tanto tempo, não tem como não ser considerado daqui!”
.....Acho justo e, portanto, essas duas categorias serão incluídas, desde que surjam outras indicações para elas até a próxima segunda-feira.
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.....Vem aí em 2010
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.....Outra que mandou e-mail com suas indicações foi a cantora, compositora e símbolo do rock feminino Marielle Loyola. As indicações foram anotadas, mas olha também o que ela revelou: “Esse ano finalizo meu primeiro disco-solo viu?? Será uma releitura de cantoras do rádio...tipo Emilinha, Lana Bitencourt, Maysa, Dolores, e por ai vai....é um trabalho meu de três anos...e agora vai!!” Que venha mesmo! Nem ouvi, mas já gostei.
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.....Categorias
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.....Para lembrar, repito aqui as categorias – e atenção: tem gente boa ficando de fora:
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.....- Melhor banda ou músico rock/pop
.....- Melhor grupo ou músico MPB/nova MPB
.....- Melhor cantor
.....- Melhor cantora
.....- Melhor instrumentista
.....- Melhor site ou blog ou twitter de música paranaense (não vale votar no meu Sobretudo, para não parecer marmelada)
.....- Melhor compositor
.....- Melhor Show
Luiz Claudio Oliveira

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

só é ilusão aquilo que não esqueço, o resto foi real

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.....Pobre Mana. Pobres de nós. Os frutos queimavam apodrecimentos. No interior do inverno, na palma de nossas mãos, a geada brotava, cobria a plantação do afeto. Quem de nós pecava mais ao silenciar do que ao se declarar. Silenciávamos turbulências macias que rasgavam fundo. Você quis clausura o que era deriva. Sua paixão pulsava fora feito um tapa, a tampa da panela de pressão latejando. Você, uma menina prenha, percorria mudez e seiva, incisões não cicatrizadas. Da última vez em que nos vimos, éramos duas árvores podadas nos tendões. Galhos sem folha ou fruto, com nós apenas. Ardiam suas costas sem manta. Ardia meu pescoço sem cachecol. Mana, eu ainda não sabia que ninguém guarda para sempre o domínio do que apalpou. A origem do amor é uma, mas seu amadurecimento muitas vezes fruta cujo sumo é todo ele o medo. E mesmo assim você se aproximou e me beijou a bochecha lisa, depois sussurrou em meu ouvido: Amo você, Jassei Brennelli.
.....Por que fez isso se você não tinha certeza se era mentira ou não e eu sabia que era verdade?

só é ilusão aquilo que não esqueço, o resto foi real

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.....De repente me vem à memória o dia em que eu e meus primos nos vestimos com camisas com babado e gravata borboleta confeccionados por Dona Zilá. Para o casamento de quem mesmo? Sei que você veio em meu quarto, divina, com um vestido amarelo, com laço nas costas. Os cabelos exalavam o frescor do condicionador que você acabara de usar no banho. Causou-me uma impressão e tanto. Até que minha mãe lhe falou: O que é isso, Mana, vai de Botas Sete Léguas na festa?
.....Olhei para seus pés e lá estavam elas, azuis, rudes, contrastando com a delicadeza de seu vestido.
.....O meu sapato estava me matando, dona Gica, justificou-se você.
.....Imediatamente, eu que há horas vinha brigando com minha mãe por causa do par envernizado que mastigava meus pés, corri colocar também minhas galochas.
.....Quer saber?, desisto de você, Jassei, meio que gritou minha mãe, se você quer ir mal vestido, que vá, lavo as mãos.
.....Mas eu sou o gato de botas, mãe, disse eu num tom brincalhão, exibindo-me um pouco para você, que riu.
.....É que eu queria mostrar que éramos cúmplices daquele crime de etiqueta. Onde já se viu ir a um casamento calçando Sete Léguas? De todo modo, não nos importava muito se minha mãe já saia puta da vida em direção ao quarto dela praguejando: Melhor eu ir ver teu pai, do jeito que vocês são, é bem capaz dele querer ir de botas também, aí é que todo mundo vai mesmo ter motivo pra dizer “esses Brennelli são um bando de jacu”.
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(...)
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.....Na última vez em que nos falamos, eu estava deitado na grama, um pouco grogue de sono, por causa do cigarro de maconha que você tinha trazido. Minhas pálpebras eram janelas que abrissem na horizontal. Assim, do ângulo em que estava, vi algo como o vulto de sua mão suave entrando pela gola da camisa, avançando lenta sobre meu peito, acariciando meus pêlos. Fiquei alguns segundos recebendo seus carinhos, então desgrudei as pestanas e suspirei: Anjo.
.....Daí você se aproximou e me beijou a bochecha lisa, depois sussurrou em meu ouvido: Amo você, Jassei Brennelli.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

se você quer o bem de uma boa pessoa

.....Bem, o ano de 2009 não foi dos mais fáceis pra mim. Em julho eu estava na pior afetivamente - coração partido, cabeça pensa e confusa, e um calombo crescendo na mão direita que, quando infeccionou doía e talvez se chamava tendinite aguda. Então tomei uma resolução, ia escrever uma série de letras que se pretendiam positivas, de bem com a vida. Mas esse tipo de canção simplesmente não surgia. Ninguém fica alegre de uma hora pra outra quando passa por uma maré ruim. É preciso dar tempo ao tempo, ter calma e sabedoria. E eu não sou muito calmo, tampouco sábio. Mas aquela onda negativa passou e eu toquei o barco. No final do ano o ar se tornou um tanto irrespirável novamente. Segui.
.....Passei a virada em Guaratuba com minha família. Meus sobrinhos me deram uma injeção vida. É sempre bom estar com quem nos ama e amamos. De Guaratuba fui a Pontal do Sul. Fiquei na casa de meus primos. Uma semana inteira indo passear na Ilha do Mel, Superagüi (onde resgatamos outro primo, esquecido por lá desde o Natal), comendo peixe e camarões fresquíssimo. De noite a gente espalhava citronela pelo corpo para espantar os mosquitos, bebia um rum cubano saboroso, com água de coco e gelo no copo. Curtíamos uma variedade de músicas populares do mundo inteiro. O único dia em que a chuva deixou os passeios realmente impraticáveis foi na sexta-feira. Então tomamos o rum também durante a tarde. Agora já estou em Curitiba, renovado, escrevendo em meu quarto, em Santa Felicidade, acreditando que tudo continuará bem bom daqui pra frente, já que 2010 começou da melhor maneira possível.
.....Certo, sobre as canções positivas que eu queria escrever... Veja bem, tem algum tempo já venho fabricando letras com personagens cuja história e características, por mais desiludidas e sem perspectiva de futuro, procuro não julgar. E assim meio que fiz uma minha galeria de desesperados. É o caso, por exemplo, de Ótima, parceria com o Troy Rossilho e Solitária, letra minha e música do Troy, do Carlito Birolli e do Matheus Lacerda.
.....De qualquer maneira, em pleno inverno curitibano, 2009, me enfiei no apartamento que Thiago Chaves dividia com a escritora Lígia Oliveira, no primeiro andar de um prédio rudimentar, na rua da Mão Inglesa, no centro de Curitiba. Grudei no Thiago e comecei, como que as tirando do fundo daquelas garrafas de vinho tinto, a jogar na mão dele uma letra depois da outra. Compusemos muita coisa nesse período em que andei amargo. O Thiago também passava por problemas íntimos. Então, as primeiras canções vieram pesadas, tristes demais, violentas. Uma delas, por exemplo, após falar de porões e desvãos, acabava com um verso que dizia “eu não tenho simpatia pelo Diabo”, numa citação aos Stones. Compusemos uma outra que, meses depois, após eu revelar ao Thiago os reais motivos da letra, foi batizada por ele de Amnésia Conveniente. O Otávio Linhares e o Alexandre França estavam lá naquela madrugada, sugeriram pequenas variações pra melodia, cantaram-na junto com a gente por horas e acabaram parceiros.
.....Finalmente, numa noite dessas em que parece que você está dentro de um freezer, escrevi os versos de Boa Pessoa. Lembro que a Lígia, num primeiro momento, achou que era um poema meio bobo. E era. Ela estava certa. Eu também tinha achado que não passava de uma coisinha um tanto melacueca. E um pouco curta demais. Na verdade, jamais disse isso antes a qualquer um deles, não tinha levado muita fé no poeminha, era demasiado simples e tinha surgido rápido demais da minha mão. Mesmo assim não dei o braço a torcer. Não queria acrescentar nem mudar nada. Era aquilo e pronto. Deixei a folha de caderno com o Thiago e vim embora pra Santa Felicidade. Uns dois dias depois, na sala do mesmo apartamento, ele tocou a canção. Minhas palavras musicadas tinham adquirido um novo plano existencial, o das boas músicas populares. E isso me pareceu bastante especial. A melodia que o Thiago criara era contagiante, conduzia os versos a uma identificação imediata, pra então emergir numa explosão de alegria coletiva. Depois dela, tomei gosto pela esperança e escrevi a letra de Felicidade Extra e ainda outra, bem curtinha, brincando com aquilo de se ter consciência sobre as coisas ou não, consciência pesada e tranquila etc. E mais uma, duas, dez vezes o Thiagão estava lá elevando a qualidade das palavras com seus acordes que nos fisgam fundo.
.....Quando o Alexandre Nero, com quem, dada sua estada no Rio de Janeiro, eu já não falava alguns longos meses, me ligou contando que ia começar a gravação de um álbum novo e que gostaria de ouvir as coisas que eu vinha compondo, não tive dúvida, além das canções todas que tenho com o Troy, França, Octávio Camargo e demais parceiros, fiz questão de apresentar a ele o Thiago e o que tínhamos criado. Especialmente, após ouvir Nero discorrer sobre o conceito do novo trabalho, intuí que Boa Pessoa trazia consigo muito da cara e do coração daquilo que ele procurava. Bom, pra encurtar a estória, Thiago e Nero ficaram amigos e, mesmo sem mim (os músicos são promíscuos, hehe), compuseram algumas outras obras de estalar de admiração os ouvidos da gente. Boa Pessoa acabou mesmo sendo incorporada ao repertório do disco do Nero, que deve ser lançado até março, com arranjos e execuções que são um primor.
.....Não pretendo ignorar o turbilhão de acontecimentos marcantes do ano recém findado. Talvez profissionalmente eu nunca antes tenha sido tão bem recebido, especialmente na área teatral. E isso graças a uma mocinha das mais geniais, generosas e graciosas chamada Nina Rosa Sá, diretora de relevante parcela do que vem acontecendo de real e bom no teatro de Curitiba. Mas a Nina é um capítulo à parte. Quem sabe escrevo sobre ela qualquer dia desses. Ah, e de coisas muito legais que aconteceram, tem também a imperturbável amizade que nasceu entre mim e os namorados Fabiano Vianna (inventor e editor da revista pulp Lama - http://www.revistalama.com.br/, um herói escudado pela produtora Milena Buzzetti) e Raquel Deliberali, novos amigos que já estão na "galeria do pra sempre" que trago no coração.
.....Mas por enquanto, o que quero dizer, é que não tenho a menor dúvida de que Boa Pessoa e Felicidade Extra, com toda sua carga emocional de esperança e superação no âmbito da intimidade e da relação entre nós e os nossos, salvaram-nos o ano de 2009 (ou devo dizer salvaram-nos do ano de 2009?), tanto o meu quanto o do Thiago. Por isso, apesar de já começar 2010 imediatamente subvertendo um compromisso (quase promessa), o de me manter longe do computador e da internet durante janeiro, coloco aqui no blog as duas letras. Mas, já que sem a participação fundamental das melodias o valor dessas minhas poesiaszinhas se torna um tanto só osso, peço encarecidamente que, quem tiver interesse, não deixe de acessar o myspace do Thiago Chaves (http://www.myspace.com/thiagozpchaves), onde há gravações das duas, em versão violão e voz, com Thiago cantando e tocando.
.....Pra finalizar, quero ainda e apenas dizer que a publicação das letras nesse blog tem a intenção de que elas sirvam como mensagens positivas, faíscas de estímulo para um ano inteiro que aponta futuros (de todos esses meus amigos e amores) repletos de alegrias, dias e noites que pretendo atravessar de bem com a vida. E desejo o mesmo a todos que me visitam e visitarão.
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.....Ps1. Peço desculpas àqueles que tentaram falar comigo via e-mail ou telefone e não conseguiram. Vou responder seus recados o mais rápido possível, agora que retornei a, chamemos levianamente assim, civilização.
.....Ps2. Nesses primeiros dias de 2010 li e me abalei com os poemas de Pássaro Ruim, do Rodrigo Madeira. Sem modéstia, esperto eu de ter aberto as leituras do ano com essa preciosidade. Fazia tempo que um livro de poesia não me dava tamanho gozo. Pela sua sensibilidade, temática e estilo. Pela ousadia do discurso e domínio de linguagem. Pelas camadas de realidade, memória e invenção que em seu bojo fervem. Pretendo falar mais detalhadamente sobre o Pássaro Ruim nos próximos dias.
.....Ps3. Fiquei muitíssimo feliz com a notícia de que no próximo Festival de Curitiba, em março, haverá montagens já confirmadas de duas peças minhas, A matou B ene vezes e, em sua terceira temporada, Na verdade não era.
.....Ps4. Acabo de entrar em seu blog (http://atirenodramaturgo.zip.net/index.html) e ficar sabendo que, após angustiados dias na UTI da Santa Casa, em São Paulo, meu amigo Mario Bortolotto está recuperado dos três tiros que levou no final do ano passado. Que maravilha.
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Felicidade extra
(Thiago Chaves, LF Leprevost)
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inda quero ver você
deixar pra trás
as coisas burras
ficar em paz
sem fazer juras
inda quero ver
inda quero ver
trazer o futuro
na garupa
quitado o seguro
da tua fuga
inda quero ver
o mal menor
que uma pulga
na cidade
mil olhos
feito lupa
admirando
a felicidade
na tua cara
na testa
na nuca
felicidade extra
agora ou nunca
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Boa pessoa
(Thiago Chaves, LF Leprevost)
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se você dormiu bem
se você comeu bem
se você quer o bem
de uma boa pessoa
nessas manhãs de frio
quando a geada pinta a grama
e o azul do céu
é de uma beleza que caçoa
quando nada
nada te faria tirar o pijama
não fosse o vento
que vai lá fora
é a voz do teu amor
que chama agora
e você vem
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