sábado, 28 de janeiro de 2012

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como direi? apenas que não estou pronto. tudo é uma questão de retórica, diz um inteligente. mas como posso querer estudar se à mesa dos amigos no bar a filosofia passa de boca em boca feito um copo de cachaça barata? e os amigos talvez um dia sobre mim: morreu naquela espécie de verão. veja, por isso não estou pronto. tudo o que aprendi veio das aulas de inutilidades que tive. fumo meu charuto, baforo passarinhos de fumaça e a biblioteca tosse seus clássicos universais, a agônica papelada herdada de meu avô. e só penso em você. e não estou pronto, amor, para sob a chuva adentrar o bosque verde musgo. e vou. sou apenas um jardineiro de livros. mas vou. vou até a cozinha. as frutas ali estão amadurecendo. hoje não me apetecem. tuas mensagens chegam pelo celular: facadas de afagos. vou. atente para o rastro do homem-gosma e saberá até onde consegui ir. gostava de ser tuas coxas para fazer inveja às outras moças. penso nas frutas, se soubessem que apodrecerão, bem antes nos implorariam socorro: come-me, por favor. não estou pronto. a cinza chuva me venera. e a neblina cria esconderijos no ar.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

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perco o mundo, estou sem chão. vou à praia, recolho detritos. não suporto não delirar. e meu olhar é tarde. dos pensamentos da história humana, mais um que assumi: falo porque tenho esperança. pois não, incluo-me na tua gargalhada. sou um monoglota balbuciante. lanço minhas garatéias de sonrisal, e chove. minha mão, a que escreve, é selvagem, aí vem já a artrite reumatóide a dizer devagar com a louça. quero tanto o teatro, mas o teatro me deforma. a atriz leu minha orelha, mas o "eu mesmo" está no estômago. a pergunta da menina ignorante da plateia é que foi meu mestre: onde você sentiu tantas palavras para chegar no teu livro? o que responder? de impossibilidade em impossibilidade, fazemos caras de leve, mas a bolsa carregada de certezas teimosas pesa e a alça está a nos lanhar os ombros. vou sem mundo nem chão, meu amor está desidratado. não espere de mim a metáfora do deserto. antes o mar. ah o mar. tive uma bóia salva-vida, meus dedos são canivetes.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

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confesso-me aos destroços da manhã. por paixão a gente se recolhe. não sei se é uma característica feminina. sinto-me... feminino. minha existência inteira ao pé do seu ouvido. um segundo diante do fogo existe e só aqui a vida não é barata. também as áreas escuras da raiva, não tivesse nada mais que não pudesse sofrer além. vejo um abraço se jogar do décimo andar. começo a andar para trás como se eu andasse para trás. frase a frase, quero ir aos vários lugares que houve. quem garante que ao final do incessante e fadigoso jogo de máscaras surgirá enfim o esplendor de um rosto? por delicadeza a gente se recolhe. vai, busca no freezer um pacote conceitual, mete no microondas e almoça.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

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em mim o raro atua com as mãos. não me pergunto se é ilusão a página trágica em que rabisco. papel de neblina. desenho feito aranhas que infestam com teias porões do esquecimento, no tempo. a ferocidade vem aos trancos. inspiro fundo e trabalho antes que me faltem escolhas. sei que não me ultrapassarei, ninguém é capaz de ultrpassar-se. em certa altura a vida congestiona feito um nariz constipado, isso é que é.

domingo, 22 de janeiro de 2012

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chuva de verão. o domingo não tem margens. e olha eu aqui ensaiando uma orquestra de beijos, pedindo para dormir na parte de trás de seus joelhos. meu cérebro é um fosso, no fundo dele reside um bando de crocodilos vorazes sem cérebro. fazer o que se tenho a saudade frágil? isso vem da época em que eu tinha miragens nos olhos em vez de pupilas e retinas. chuva. e esse domingo é um péssimo dia para eu estar assim tão católico. francamente... faz muito tempo que não entendo absolutamente nada de nada, e não sei o que é a poesia. só sou um piá de bosta romanticão, meio punk rock meio vanerão, que a todo momento precisa justificar ao seu melhor amigo: ela só pode ser mutante, cada vez que a gente se encontra está mais bonita. devo falar isso fazendo a cara mais estúpida da terra, com a língua de fora e os olhos um pouco vesgos. malditos superpoderes (os que ela tem). tá bom, mais detalhes: ela tem a voz um pouco rouca, não bebe, não fuma (cigarro nem maconha). ela nada três vezes na semana (essa parte talvez seja mentira). ela só lê alta literatura, mas muito lentamente (vai que a cama de uma mulher solteira é a dor dessa mulher solteira). é inteligente e não é pedante. ela não tem um pai (nem irmão) filho da puta (isso ajuda). gosto do seu cheiro e de sua educação desajeitada. talvez ela seja mais doce do que precisaria. ela lembra muito a Penélope Cruz (isso talvez não bata bem). ela não é evangélica, nem santinha. ela é mais assim: seio bonzinho, seio malvado. e fica mais frágil em dias de chuva. bem, não sei mais o que dizer, às vezes acho que ela me ama menos do que ama o seu guarda-chuva (cito). ah, eu não devia escrever essas coisas e correr riscos (minha mão é o meu coração). mas domingo é um dia oco (Clarice, também tenho direito). sei lá, talvez eu seja um merda. talvez eu não seja o seu fodedor. sabe, o que a gente não consegue ser é também muito o que a gente é. talvez eu não passe de um seu cãozinho, seu rex. mas pelo menos hoje meu nome seja relax.

sábado, 21 de janeiro de 2012

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sou seu como o osso é do cachorro. ou melhor, é confortável a parte azul da fogueira e abelhas virão fazer mel em você. e cavalos marinhos virão respirá-la. e bem-te-vis lutarão contra morcegos para protegê-la. sou seu como “só mais uma” é do viciado. ou, o frio são pregos inquilinos de meus olhos e você os toca com os dedos mornos, não da esperança, mas disso que um dia chamamos “tecnologia do afeto”. ah a nudez, o nariz, a língua, a canção popular, sempre a canção popular. e uma irreverência que beira a promiscuidade. eu disse: às vezes queria ser um bueiro para engolir a chuva quando a chuva desaba. então você gozou no meu coração e eu achei que o mundo era bom. sabe, às vezes acontecem dias perfeitos. especialmente agora que tudo o que foi carícia virou casca, agora que tudo o que foi carícia virou casca, agora que tudo o que foi carícia.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

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vai que a paciência serve para isso, para que deixemos a natureza em seu curso e tempo agir. você foi cauteloso até agora, mas a fruta já caiu do pé. come-a logo, ou deixa que apodreça. e fim.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012


arte Isabele Linhares

Armazém 

olho para a senhora. ela foi a rigidez das fibras de quando ziguezagueava sua bicicleta. a juventude derreteu feito um cubo de gelo na frigideira. viveu a quimera, hoje piada sem graça. só conversa comigo porque me igualo às moscas, suas únicas ouvintes. busca-me outra cerveja na geladeira que range pedindo socorro. não devo duvidar, se faz o que faz é porque está viva. foi loira, somente nas tardes de sol. na época em que a maior parte dos dias acordavam sob o acinzentado céu do pós-apocalipse, sua grossa cabeleira ostentava grisalha antiguidade, como a das mulheres que somassem eternidades. mas é em sua loirice que me agarro agora. faceira, orelhas surdas no vento, bochechas coradas, da blusa os peitos a saltar, pernocas bem definidas, saídas com petulância da bermuda, descia pedalando a ladeira deste mesmo mercadinho. nossa ajuda fundou a cidade. ela não pode fazer a curva, derrapa, de nada servem os freios. os aros, entortados, dobrado em z o guidão. a coxa esquerda em frangalhos, em carne viva joelhos e cotovelos. finca-me seus olhos amarelazuis inchados de visões. foi exatamente aqui.

*esta ilustração genial é de Isabele Linhares
o meu conto e a arte da Isabele tiveram sua primeira publicação
no blog da revista Lama (http://revistalama.blogspot.com/),
que tem promovido parcerias entre escritores e ilustradores.
a primeira rodada já foi. dia 08 de fevereiro começa a segunda.
parabéns ao editor da Lama, Fabiano Vianna.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012


alguém com uma pata de toupeira no lugar da mão. e adquiro completamente forma por demais grotesca nos dias em que sou obrigado a dedicar cem por cento do meu tempo ao trabalho burocrático. após tão dolorosa transformação, quando a pressão passa e me é permitido relaxar, imediatamente sou devolvido à forma humana. porém, minha garra peluda e dura, a fétida mão que escreve, permanece imutável em tais características. quase sempre me envergonho dela. parece que nunca vou me acostumar. detesto seu cheiro e voracidade. sei que ela assusta a todos. decepá-la seria, de fato, uma solução. mas sabe, teve o dia em que compús uma redação que contava a estória do meu amor...

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

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não metrifica capturas aquele que ama: minhas grades são de uma subjetividade atroz: não esquecer como é apoiar o peso sobre os músculos das pernas, mover mãos e braços, colar corpo inteiro em outro: por muito tempo ainda poder dizer não perdi minha banalidade: uma só palavra e estou salvo de viver o real: água nem rio, lago nem lágrima, afogamento nem gravidez: poça em que se entra até o pescoço: raízes dos continentes de neblina: alguém sem sombra é alguém?