sábado, 27 de fevereiro de 2010

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

curitiba no fringe

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Companhia Transitória, que monta o texto
A matou B Êne Vezes, de minha autoria
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.....Publicado em 24/02/2010, no Caderno G da Gazeta do Povo, matéria sobre o Festival de Curitiba, com destaque para produções curitibanas. O texto é assinado pela crítica e jornalista Luciana Romagnolli. Massa.
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....Curitiba no Fringe
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Companhias locais resgatam os espetáculos da temporada passada e os sucessos de repertório para ampliar seu público em março.
.....Ano após ano, ainda impressiona o número de peças curitibanas no Fringe, a mostra paralela do Festi¬val de Curitiba que acontece entre os dias 16 e 28 de março. A reportagem da Gazeta do Povo contou 164 produções locais, quase a metade delas comédias – são 71, mais seis shows de stand-up comedy. A maior parte dessa multidão de espetáculos, no entando, não é novidade. Março é menos um mês de estreias esperadas do que um período em que as companhias sacam de seu repertório recente o que de melhor têm a oferecer. Levando em consideração que o público de teatro ao longo do ano é pequeno, esse resgate sob os holofotes do festival se torna essencial.
.....É o que faz a Cia. Obragem ao reapresentar O Inventário de Nada Benjamim, que estreou em setembro passado no Teatro Novelas Curitibanas em um período em que as plateias se viram esvaziadas pela pandemia de Gripe H1N1. O segundo espetáculo a tratar de luto sob o olhar delicado da diretora Olga Nenevê busca merecidamente ampliar seu público com sessões no Teuni.
.....No mesmo espaço, a Vigor Mortis retoma a montagem Manson Superstar, em que o diretor Paulo Biscaia documenta o assassinato da esposa do cineasta Roman Polanki, Sharon Tate, pela gangue de Charles Manson. A cena em que as facas caem das mãos de Polanski (Leandro Daniel Colombo), em uma citação a seu filme O Bebê de Rosemery, e são apanhadas no ar por Manson (Andrew Knoll), que ensina seu discípulo a cravá-las na vítima coreografadamente, é o auge da plasticidade do horror, que dá pistas das motivações do crime sem diminuir sua brutalidade.
.....Também no Teuni estará Edson Bueno com as duas montagens que estreou no ano passado, um tributo a Nelson Rodrigues A Vida Como Ela É, e o outro a Franz Kafka, Kafka – Escrever É um Sono Mais Profundo do Que a Morte.
.....Entre as estreias, Como se Fosse o Mundo é um fruto promissor dos trabalhos do Núcleo de Dramaturgia de Sesi/PR. O texto de Paulo Zwolinski foi eleito para ser levado ao palco pelo diretor e dramaturgo paulista Roberto Alvim, de quem já se viu em Curitiba o monólogo Anátema, interpretado por Juliana Galdino, e que está entre os mais respeitados encenadores de sua geração.
.....O Fringe dará ao público ainda novas oportunidades de assistir a espetáculos destacados na temporada 2009, como Otelo – As Faces do Ciúmes; A Fábula do Vento Sul; e A Ópera Atômica. Exemplares da mais nova dramaturgia curitibana, como Gina, de Alexandre França; e Na Verdade Não Era e A Matou B Êne Vezes, ambas de Luiz Felipe Leprevost, também terão seu lugar. Assim como as provocações performáticas da Cia. Silenciosa, que ocupa novamente o bar Blue Velvet com Burlescas.
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Rápidas
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O que não falta na mostra paralela, porém, é mais do mesmo. Não apenas no sentido de que são montagens que estão no repertório dos grupos há muitas temporadas (com a ressalva de que rever bons espetáculos nunca é demais), mas por serem variações de uma mesma fórmula de entretenimento rápido e rasteiro. A pouca criatividade dos títulos o indicam: Além de As Mentiras Que as Mulheres Contam, pode-se gastar o tempo a conhecer as mentiras que os Homens Contam e ainda aquelas que os Homens Que Têm Namoradas, Noivos e Casados Contam. Têm seu público – o que faz do mês de março a festa das bilheterias para esse teatro escancaradamente comercial.
.....Ainda no nicho das comédias que miram o grande público, as companhias mantidas pelo diretor João Luiz Fiani respondem por 24 espetáculos em cartaz no Fringe 2010. A grande novidade será uma “releitura” do musical Grease para os palcos, com o ator Marino Jr. cantando e dançando no papel eternizado por John Travolta.
.....As outras estreias são uma nova versão do show de humor Os Comediantes; uma montagem filiada ao teatro do absurdo de A Orquestra de Senhoritas, de Jean Anouilh (ambas pela Cia. Máscaras); e Pela Noite, peça de Caio Fernando Abreu encenada pela Cia. Metáfora – a vertente criada para as montagens que envolveriam pesquisa de linguagem. Nem Freud Explica volta ao cartaz mais uma vez como o fenômeno de bilheterias que há dez anos acumula um público estimado de 14 mil espectadores.
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.....Destaque
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Espaço de experimentação
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Depois que a Mostra Novos Repertórios foi cancelada, o Coletivo Pequenos Conteúdos cresceu. Este ano, nove jovens companhias tomam conta do TUC (Gal. Julio Moreira – Largo da Ordem) durante os 12 dias do evento paralelo, fazendo da galeria subterrânea próxima ao Memorial de Curitiba o endereço fixo de um teatro marcado pela liberdade, os erros e acertos de quem ainda está experimentando a criação de uma linguagem cênica pessoal.
.....Pablito Kucarz e Thiago Inácio são os organizadores do agrupamento que, no ano passado, deu visibilidade a peças curtas como O Beijo, e desta vez admite espetáculos de média duração, a exemplo de Chiclete&Som, o exercício arrebatado de quatro atores dando voz e imagem ao patético das paixões descritas por Caio Fernando Abreu.
.....O cardápio do Pequenos Conteúdos traz espetáculos que se autodeclaram “processos”, pela ideia de não-acabamento. “Foi o jeito mais honesto que as pessoas usaram para definir o que estavam fazendo”, diz Pablito. O ator, que começou a fazer teatro profissional na Pausa Cia, tem uma carreira das mais estabelecidas do coletivo, assim como Diego Fortes, diretor do grupo A Armadilha, que estreará no TUC a comédia O Esquema.
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.....http://pequenosconteudos.blogspot.com
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Serviço
. ..A Bilheteria Central está instalada no ParkShopping Barigui (R. Pedro Viriato Parigot de Souza, 600) e funciona de segunda à sexta-feira das 11 às 23 horas; aos sábados, das 10 às 22 horas, e aos domingos, das 14 às 20 horas.
. ...Preços
. ...Os preços do Fringe variam da entrada franca a R$ 45.
.....Clientes Itaú e Unibanco e funcionários da Petrobrás têm direito a 50% de desconto na compra de até quatro (4) ingressos. Clube do Assinante da Gazeta do Povo e assinantes da Folha de S. Paulo têm 50% de desconto em até 2 ingressos por peça. Os descontos não são cumulativos.
. ...No dia e na hora
. ..Os ingressos do Fringe só serão vendidos na Bilheteria Central até um dia antes de cada sessão. No dia da apresentação, a venda acontece na bilheteria do teatro onde a peça será encenada, com pagamento em dinheiro.
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.....Ingressos a venda também pelo callcenter 4003-1212, de segunda a sábado, das 9 às 22 horas e domingos das 11 às 19 horas.
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O Festival de Curitiba no blog Palco
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Acompanhe o que acontece na cena teatral curitibana no blog Palco http://www.gazetadopovo.com.br/blog/palco/, mantido pela jornalista da Gazeta do Povo Luciana Romagnolli. Desde já, o espaço se abre para a cobertura do Festival de Curitiba, com entrevistas, textos de opinião, indicações de espetáculos e mais informações sobre a Mostra Contemporânea o Fringe. Ao longo do ano, o blog continuará ativo com a proposta de seguir os passos das companhias locais e trazer notícias de festivais de outros cantos do país.
Luciana Romagnolli

pássaro ruim, de rodrigo madeira, na gazeta do povo

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Aí está Rodrigo Madeira, fotografado por Priscila Forone. .

.....Saiu no Caderno G, da Gazeta do Povo de 24/02/2010, texto assinado por Márcio Renato dos Santos, sobre o livro Pássaro Ruim, do meu bróder Rodrigo Madeira. Veja aí que bacana.
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. ...Rodrigo Madeira se apresenta
.....mais maduro em novo livro
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A poesia está no centro da vida de Rodrigo Madeira. Mas não como escudo ou cortina de fumaça. O poeta sabe que a arte pode aproximar o homem ainda mais da realidade. A poesia, no caso dele, é uma maneira de evidenciar o quanto o ser humano é precário, finito e tem limites.
.....Todas essas nuances estão sugeridas no livro pássaro ruim (em letras minúsculas), que Madeira autografa hoje, a partir das 19 horas, no Paço da Liberdade.
.....Se, como diz a voz das ruas, um amor se cura com outro, Madeira supera um livro com outro livro. Ele reuniu em pássaro ruim poemas que escreveu a partir de 2008, com a finalidade de superar tudo o que aglutinou em Sol Sem Pálpebras, de 2007.
.....Não que negue o que escreveu. É que ele precisa enunciar. O quê? Tudo. A sua luta corporal com o mundo, por exemplo.
.....Madeira tem 30 anos, nasceu em Foz do Iguaçu, mas está em Curitiba desde os12 anos. Sente-se e se considera curitibano. A capital paranaense está no imaginário dele: “Curitiba é uma cidade que pensa ser Curitiba”, escreveu no poema “Uma Ode”, texto inventivo presente em pássaro ruim, em que cita de Dalton Trevisan à Boca Maldita.
.....O poeta pagou pela edição do livro. Foi a opção, a única viável no momento, uma vez que Madeira não aguentaria deixar os inéditos na gaveta, ou no arquivo Meus Documentos no desktop de seu computador.
.....E, se supera uma obra com outra, já tem outro livro, mas nem cita o nome, muito menos o assunto de seu próximo projeto.
.....“Combinar códigos antipáticos”. É assim que Madeira entende o fazer poesia. Que, para ele, também é surpreender.
.....Colocar, por exemplo, em um tabuleiros palavras-souvenirs e fazer um inédito jogo linguístico. Para exemplificar, cita o início de seu poema “balada da cruz machado”: “uma rua à queima-roupa/ louca, brilhante, sem fôlego/ rua-vicia, rua-oxímoro.”
.....Madeira poderia dizer, se fosse um prosador, que a Rua Cruz Machado é um labirinto em linha reta. Ou que, lá, é o local para encontrar os “zumbis curitibanos”. Afinal, entre uma esquina e outra, todo o perigo pode surpreender um ser humano.
.....Mas, poeta que é, Madeira apresenta a sua leitura daquele trecho de inferno no coração da capital: “rua-vício, rua-oxímoro.”
.....O artista visceralmente envolvido com o inventar-língua acredita que o poeta tem de estar cara a cara com a vida. Ele, por meio de seu flerte com o real, reinventa o que vê e, depois de muito trabalho com as palavras, apresenta a sua versão lírica e feroz da realidade.
.....Madeira escreve para ser lido (e compreendido). E justo ele, que é poeta desde que era analfabeto, como costuma repetir. Antes de aprender a escrever, já queria comunicar o que sentia e apreendia.
.....Foi em meio a excertos de poemas, nas apostilas do Colégio Positivo, que começou a conhecer poesia. Depois, leu muito. Percorria páginas de obras poéticas até mesmo sem compreender, apenas para se contaminar, apaixonar e, posteriormente, sentir deleite com os textos dos grandes autores.
.....Hoje, no segundo livro autoral, ele proporciona deleite aos leitores por meio de uma voz peculiar e madura. Márcio Renato dos Santos.....

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

lançamento de pássaro ruim, de rodrigo madeira

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Fotografado por Ricardo Pozzo, aí está Rodrigo Madeira crendo

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Lançamento do livro
Pássaro Ruim,
de Rodrigo Madeira.
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Às 19 horas,
dia 24 de fevereiro, quarta-feira,
na Livraria do Paço da Liberdade
(Praça Generoso Marques).

domingo, 14 de fevereiro de 2010

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

viva o carnaval

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duas epígrafes

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.....Existem apenas os perseguidos, os perseguidores, os ativos e os cansados. F. Scott Fitzgerald

.....A vida é simplesmente desse jeito, aos cacos. Miranda July

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

daniel gonçalves

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Homem Macaco, por Daniel Gonçalves
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.....Massa, o grande Daniel Gonçalves estreou um blog (http://fronteirassemmemoria.blogspot.com/), onde tá publicando um conto melhor que o outro.
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.....Ao escrever realiso uma catarse em minha alma, preencho as lacunas da minha mente com a onisciência de meu universo interior e, desse modo, sou capaz de entender e transformar minha realidade.
.....Minha proposta definitiva é a de contar histórias. Meu avô era um excelente contador de histórias e, a partir de sua influência, passei a criar minhas próprias fábulas. Contos que propiciem a permeação da fantasia na realidade e vice-versa, do inconsciente no consciente. Me fascina a tênue fronteira entre a lucidez e a insanidade, entre o real e o imaginário, as fronteiras sem memória – como chamo. Sem memória porque são limiares indefinidos, balisados pela compreensão de universo que cada um carrega dentro de si. Fronteiras que se movem, estabelecidas inconscientemente pelo indivíduo, de acordo com suas crenças, suas experiências, seu perfil emocional e intelectual.
.....Em meus textos eu procuro explorar essa inconsistência das verdades absolutas. Elevar a ótica de cada personagem a um status de verdade absoluta momentânea, que para mim é como percebemos o mundo e a vida. Mas nada é certo e nem concreto. O que importa é o que os sentidos captam, a imagem do fato. O texto é como a fotografia que registra apenas uma ótica, um ângulo. Construir e desconstruir realidades, isso faz parte do meu processo criativo.
.....Meus contos falam de personagens marginalizados, criaturas, lugares surreais, acontecimentos absurdos. Um repertório que tem em comum um sentimento de deslocamento com relação à humanidade. Esse sou eu, é aí que o leitor me encontra - procurando peças para o meu próprio universo.
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Daniel Gonçalves

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

meu país predileto

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uma epígrage

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minhas mãos são tão promíscuas quanto carimbos.
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Sergio Mello

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

lufus

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Desenho do genial Daniel Gonçalves http://www.flickr.com/photos/danielrepelente/

. .....Meu pai e minha mãe eram dois fudidos lá de Guaíra. Saí de casa muito novo. Vim pra Curitiba estudar. Não estudei porra nenhuma. Virei um escroquezinho. Vivia aplicando pequenos golpes. Uma vez dei a volta numa velhota. Ela era influente. Os caras vieram atrás de mim. Fui preso. Apanhei pra caralho na cadeia. No outro dia me soltaram. Foi aí que eu disse pra mim mesmo: Agora chega, vou tomar um rumo. Então me matriculei, fiz o curso e virei policial militar. Isso tem muitos anos.
.....Hoje sou detetive particular. E não gostaria de topar comigo mesmo em ação. Pra mim e pro meu sócio, detetive Linhares, bandido tem mais é que se foder. Ele, principalmente ele, não tem a menor piedade. As vezes eu digo: Cara, cê não precisa matar esse.
.....E ele retruca, naquela tom baixo de voz de demônio que de vez em quando ele tem: Lufus, não sou eu que quero matar o cara, ele é que tá implorando pra morrer, o que posso fazer?
.....Linhaça não tem a menor piedade. Vive dizendo coisas do tipo: Lufus, tá vendo aquele ali, eu já matei ele quatro vezes, e ri. Aí eu olho pro cara que ele apontou e o cara tá manco, sem orelha, sem um dos olhos, sem a mão direita.
.....São os meus corcundas de Notre Dame, são os meus Francksteins, meu caro Lufus Lopes.
.....O Linhaça é mesmo um sacana. A única maneira de deixar o idiota anestesiado é alimentando ele com doses cavalares de haxixe e buceta. Se você der cocaína pra ele, fudeu, ninguém mais segura o animal.
.....O Linhaça vive se metendo em roubadas e me levando junto. Claro que a polícia do Estado todo sabe, mas faz vista grossa. O Linhares é o tipo de animal que não teria problema nenhum em arrancar o coração do Secretário de Segurança em segundos.
.....Por causa dessas merdas, vivo quebrando o pau com meu sócio, mas na hora que o bicho pega a gente se protege, parceria é isso, é irmandade. É como meu pai falava pra mim e meus manos: Aqui dentro de casa cês podem quebrar o pau, mas lá fora um tem que defender o outro.
.....E eu vivo defendendo o anta do Linhaça, porque ele se acha muito esperto, ele se acha bem mais esperto do que. Nem ligo, o garoto tá empolgado, não vou ser eu que vou cortar o barato dele. Mas esses manuais, vamos chamar assim, que ele tá lendo agora, porra, fui eu que escrevi.
.....A única coisa que me irrita é quando o Linhares insiste me levar nesses Cafés de fresco, nos bairros dos ricos. Ele sabe meu ponto fraco, os doces. Sou viciado em tortas e guloseimas. E como ele é viciado em café, aí a gente acaba gastando uma grana na porra dos Cafés da puta que o pariu.
.....Tudo bem, às vezes o lugar tá vazio, aí é até gostoso, a gente fica conversando sobre os casos mais antigos, dando risada dos idiotas que a gente já fudeu. Mas tem vezes que o Café tá lotado de intelectual, essa gente que sai nos cadernos de cultura, que faz um filminho, que lança um livrinho e fica arrotando aspas. Vão tomar no cu.
.....Não sei de onde o Linhaça conhece esses caras. Acho que é lá da faculdade de história que ele começou a fazer anos atrás e depois largou. Só pode ser. A merda de ir nesses lugares é que eu acabo gastando todo meu salário. O Linhares não se fode nem um pouco, porque ele tem lá os negócios paralelos dele. Mas eu não tenho.
.....Só tem um dos clientes do Linhares com quem me envolvi. Salvei o filho dele de ser assassinado por uns traficantes. Então o sujeito tem a maior consideração por mim. Ele é importador. Vive me presenteando com umas mercadorias: perfume, sabonete, desodorante, shampoo, cosméticos, todas essas merdas de higiene. Eu repasso tudo pra Mamá. Menos os cremes de barbear.
.....Cê já reparou, as pessoas sempre tomam banho do mesmo jeito. Uns começam pelo sovaco, outros pela cabeça, alguns pelo rabo. Eu odeio tomar banho todo dia do mesmo jeito. Vivo variando. Começo sempre por partes diferentes do corpo. Por exemplo, se começo pelos pés, acabo no saco. Se começo pelo sovaco, acabo no saco. Putz, tenho que admitir, sempre acabo deixando o saco por último.
.....Eu não sou viciado em higiene. Mas a Mamá é. Cara, essa mulher é o meu karma. Sei lá o que é que é Karma, mas pelo que entendi do que o Boaventura falou, certeza, a Marcela é mesmo o meu Karma.
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.....(...)
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.....O que é que essa Mamá tem de tão especial, Lufer?
.....Sei lá, várias coisas.
.....Tipo o quê?
.....Não sei, caralho.
.....Dê um exemplo e paro de encher o saco.
.....Cara, pra teu governo, ela ganhou duas vezes consecutivas o consurso Garota Bem Bolada.
.....Ah tá, porra, eu não sabia dessa façanha.
.....Vai se foder, Linhares.

.....Não gostava de levar o Linhares na boate comigo. Ele implicava com Mamá. E Mamá odiava ele, pela merda que ele tinha feito com a irmã dela.
.....Na Night Estories mulher não paga pra entrar. Eu também não pago. E quem tá comigo também não.
.....Jair Gardenal veio nos receber. Jair Gardenal. Ele era um magrelo careca, nazi, com um naso enorme. Usava umas botas vermelhas que pareciam bem maiores que os seus pés. Tinha o braço esquerdo cheio de pêlos e o direto todo tatuado. Não tirava aquele charuto barato da boca. Ele era um cínico que se achava o rei da noite. Eu vivia trombando com ele no Tesouros de Cuba quando ia lá comprar minhas cigarrilhas.
.....Bebe o que, detetive Lopes?
.....Água gelada.
.....Água? Que coisa de mulherzinha.
.....Não gostei do que ele falou, mas relevei, Gardenal achava que tinha intimidade comigo, talvez porque Marcela era funcionária da boate que ele gerenciava.
.....E você Linhares, bebe?
.....Não... me fundo à garrafa por osmose.
.....Jair foi até o balcão e voltou com uma garrafinha de água mineral e uma dose de uísque on the rocks pro Linhares. Então nos encaminhou pra um camarotezinho super privado, que mais parecia uma privada. De onde a gente tem uma visão geral da boate, mas quem tá no salão não pode nos ver.
.....É linda essa, guria, né não?, Gardenal tava se referindo a Mamá, que no momento fazia seu striptease pra um bando de gordos babões sentados nas mesas de pista. Eu sabia, aquele porco magro comedor de lavagem tinha metido o pau provavelmente mal lavado dentro da Mamá.
.....Tão mandando?, ele tava nos oferecendo pó. Linhares respondeu que sim com uma fungada cheia de energia. Eu raramente cheiro. Nesse dia caí dentro. Ficamos ali cheirando e vendo a Mamá rebolar e se despir. Quanto menos roupa, mais eu sentava à venta no pozinho mágico do Gardenal.
.....Ei, cão farejador, disse rindo Gardenal, vai de leve.
.....Parei tudo.
.....Do que cê me chamou?
.....Ele logo entendeu que tinha falado merda.
.....Esquece.
.....Esquece, o caralho. Linha, do que ele me chamou?
.....De cão farejador, Lufe.
.....Segurei o nariz dele com força, girei o punho puxando. O nariz do idiota ficou na minha mão. Ele nunca mais ia torrar seu prolabore com cocaína.
.....Ai, ai, filho da puta, você arrancou meu nariz.
.....O que cê fez com ele?, perguntou Linhares, fingindo indignação.
.....Uma plástica. Agora diz pra ele, Linha.
.....É, Gardê, ninguém chama o detetive Lopes de cão farejador, isso é falta de respeito.
.....Ma-mas foi só uma brincadeira, disse Gardenal.
.....E cães farejadores por acaso entendem a estética da gracinha?, perguntou Linhares.
.....Na-não, gaguejou o ex-Pinóquio.
.....Então, o detetive Lopes também não entende.
.....Ma-mas ele na-não é um ca-cão farejador.
.....Pois é, disse calmamente, Linhares.
.....En-então, completou o Gardenal, por que você se ofendeu, de-detetive Lopes?
.....Ué, porque eu não sou um cão farejador, eu disse.
.....Eu se-sei que não.
.....Então por que cê me chamou de cão farejador, se você sabe que eu não sou um cão farejador.
.....Eu e Linhares, a gente falava com ele de forma didática. Estávamos muito calmos. Quanto mais o idiota do Gardenal se desesperava, mais calmos a gente ficava.
.....Na-não era minha intenção o-ofender você.
.....Aquele gara gaguejando e chorando, com a fuça e a camisa branca toda empapuçada de sangue que não parava de jorrar feito uma cascata, já tava me enchendo o saco.
.....Par ou ímpar pra ver quem atira primeiro, eu disse pro Linhares.
.....Tá louco, Lufus, não vamos atirar no cara aqui dentro, vai dar a maior merda. É melhor a gente pisar e esmagar a cabeça dele.
.....Boa idéia, Lins.
.....Socorro, socorro, começou a gritar o cara, incrivelmente sem gaguejar.
.....Cala a boca, porco magro, e dei uma coronhada na têmpora, ele caiu. Caiu de um jeito perfeito. Foi fácil. Dei duas três pisadas pesadas esmagando a cabeça como se fosse uma laranja podre.
.....Saímos do camarote. Fui até o camarim procurar Mamá. Ela já tinha ido embora com um cliente.

.....(...)

.....Fui até o Night Estories. Desde quando pisei na cabeça do Gardenal eu não tinha voltado lá. Fazia tempo que não via a Marcela. Eu sentia falta dela. Quando cheguei os seguranças da portaria cogitaram me barrar. Mas bastou eu sorrir e ser simpático e contar piada pra eles logo abrirem as portas dizendo: Fique à vontade, Senhor Lopes.
.....Entrei e fui direto pro balcão. Pedi água gelada. Fiquei ali bebendo um tempo, de costas pra pista. As caixas cuspiam uma sequência de música eletrônica com letras em inglês que me torturava. Fiquei lembrando de quando eu era pequeno e ia com meu pai nos bailões lá em Guaíra. Não dá pra negar, eu gostava bem mais de vanerão, mas não é o tipo de música que ajuda uma guria fazer seu strip.
.....De repente uma mão suave me tocou os ombros.
.....E daí, caubói?
.....Me virei.
.....Oi Mamá... bonito show.
.....Engraçadinho.
.....Minha nossa, como ele tava bonita. Da última vez que nos vimos, a gente tinha brigado feio. Ela me encheu de tapa. Não revidei. Nunca bato em mulher. Marcela ficou puta da cara por uma bobagem. Saí com uma guria da mesma boate em que ela trabalha. Não sabia que elas eram rivais. Marcela odeia a outra porque ela virou a gata mais cobiçada e cara da casa. Ela meio que usurpou o reino da Marcela.
.....A briga foi mais ou menos assim: A gente tava no meu apartamento. Então caí na asneira de contar que tinha saído com a outra guria. Eu sempre falo a verdade pras mulheres, esse é meu mal.
.....Você é um filho da puta, Big Lufus.
.....Qual o problema, Mamá? Você não tava na boate aquele dia, o que eu podia fazer? Eu tava na seca.
.....Podia ter me ligado.
.....Cê vive me dizendo pra não te ligar, porque cê pode tar com um cliente e não me quer interferindo no teu trabalho.

....Não misture as coisas.
....Cê sabe como é que eu sou, Má, não me aguento, quando bate o troço eu fico louco, posso trepar no meio da rua que nem um cachorro.
.....Você é um vira-lata de merda mesmo.
.....É o que eu sou, Mamazinha.
.....Bom. Enfim. Ela me encheu de tapa. O que eu podia fazer? Quando ela cansou, levantei da cama e lhe servi uma dose de vodca. Ela relaxou aos poucos. E daí a gente trepou com raiva um do outro.
.....Agora, depois daqueles meses todos, apesar do temperamento intempestivo dela, eu tava com saudade. Por isso fui até a boate, mesmo correndo o risco de algum cupincha do Gardenal querer me acertar. Ou tive sorte, ou todo mundo queria mais era ver o Gardenal numa cova, porque nada aconteceu. No máximo, alguns olhares de medo. Bom, esperei Marcela ir pegar suas coisas no camarim. Dali pegamos um táxi e fomos pro Motel do Largo.
.....Quando tirei a camisa, ela se assustou.
.....O que é aconteceu com teu pescoço?
.....É uma longa estória.
.....A madrugada é uma criança sedenta por estórias de Bicho Papão.
.....Foi no Uberaba, eu e Linhares...
.....Você ainda trabalha com esse escroto?
.....Não fala assim dele, querida, aquilo que ele fez com a tua irmã é passado, já pediu desculpa um monte de vezes.
.....Eu sei, mas é que...
.....Esquece isso, tá?
.....Tá, disse Mamá sem muita convicção.
.....A irmã da Marcela também era puta. Também era linda. Também era esquentadinha. Também odiava o Linhares. A única peculiaridade era que ela atendia preferencialmente mulheres. Acho que a Marcela jamais vai perdoar o Linhares por ter pisado na bola com a irmã dela. Porra, o Linhares vive fudendo com tudo. Pelo menos a garota tá bem, longe de encrenca. Espero que um dia a Marcela fique na boa com o Linhaça, senão como é que eu vou pedir ela em casamento? Porque é obvio que ele é que vai ser nosso padrinho. E, seu conheço a Marcela, ela vai querer convidar a irmã dela pra ser a madrinha. Foda-se. Isso é outra estória.
.....Mamá se aproximou e beijou meu pescoço triturado.
.....Dói quando encosto?
.....Não, só dá uma sensação meio esquisita, parece que é uma pele feita de outra coisa e não de pele mesmo, entende?
.....Não.
.....Deixa pra lá, é viagem minha.
.....Mas como é que foi? O que aconteceu pra ficar assim?
.....Então, foi isso, a gente tava investigando essas mortes estapafúrdias lá no Uberaba. O Linhares entrou na casa de um cara, um escritor que, segundo ele, podia nos ajudar. Eu fiquei esperando no carro. Era uma rua deserta. Escuro pra caralho, o de sempre. Nem sei o que aconteceu. Quando acordei, eu tava todo rasgado, trancado numa jaula nos fundos da casa do tal escritor. Tentei sair dali, falei que ia matar o escritor se ele não me soltasse, mas eu tava numa cela, o que podia fazer. Até que chegou o Linhares, aí eu disse que ia matar ele por tar sendo conivente com aquela palhaçada. O Linhares pediu pra eu ficar calmo. Explicou que eu tinha sido atacado por um Lobisomem.
.....Tá vendo, esse cara é um débil mental, fica fazendo piada o tempo todo.
.....Não é piada, Má. Eu também não acredito nessas merdas, mas quem ou o que me atacou não era normal. Nunca vi algo assim. A estória que o Linhares e o escritor me contaram é assustadora. Eles só conseguiram me salvar porque o tal escritor conhecia do assunto, sabia com o que tava lidando. Não sei o que foi, mas que foi coisa séria, não dá pra duvidar, sou a prova viva, basta olhar pra esse merda de ferida.
.....E aí, o que cê vai fazer a respeito?
.....Por enquanto nada, vou esperar. Não sei, o Linhares agora só anda com balas de prata no cartucho. E o escritor falou que eu tenho que tar com ele na próxima lua cheia. Ele me fez prometer que eu vou.
.....Deixa eu dar beijinho então pra sarar meu bebê lobo.
.....Pára com isso, Mamá.
.....Deixa eu lamber esse pescoço rasgado.
.....Maluca do caralho.
.....Vem aqui, Big Lufe, vem com tua Mamá.
.....Eu tava com saudade, gatinha.
.....Eu também.
.....Nos esfregamos. Nos beijamos. Sai faísca sempre. Suguei o mel do meio das pernas. Botei ela de quatro. Não quis comer o cu. Ela tinha uma buceta peluda. Cheiro bom. Nossas trepadas sempre eram ferozes. Tive que me concentrar pra não gozar rápido.
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Leia mais sobre
Florestano Boaventura
e
Detetive Linhares

uma epígrage - repetida

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....._ afirmo que o genuíno artista-vidente, o divino imbecil que produz beleza, morre ofuscado por seus próprios escrúpulos, pelas formas e cores deslumbrantes de sua própria consciência, sagradamente humana.
.........Eis aí meu credo.
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J.D. Salinger

charles bukowski

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

entrevistas na cruz machado

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Pôr do sol na Cruz Machado, centro de Curitiba
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.....Com o patrão
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.....Sou escória, é? Então beleza, sou escória... e tenho orgulho. Trago comigo esse revólver aqui ó, tá ligado? O revólver tá, hehe, ligado. Pra mim cês não passam de rede de malha cercando e sendo isca ao mesmo tempo. A gente não é humano o mesmo quanto que é húmus. Não penso nada não, o tráfico é um negócio como outro qualquer. A única diferença é que todo mundo que vem aqui vem armado, seja com um três oitão desses, ou com o desespero. A gente não se preocupa com a qualidade da paçoca. O lance é o dinheiro. Mistura que é pra dar mais. Grana compra grana, sabe cumé?, e não coisas que tenham outro valor. Pra fazer esse tipo de serviço cê tem que saber que a raiz do... Pra quem vende, isso aqui é o paraíso, tá ligado? Pra quem consome, o inferno aterrissou na moral, tá sabendo? O que vou fazer, meu chapa? Perder meu emprego? Eu quero prosperidade, maluco. Trabalho com uma palavra chave: Esperança. Crio delírio pros nóia, entendeu? É no viciado que tá meu patrimônio. Não adianta cê vir me dizer que tudo é aniquilação. Eu sei que tudo é aniquilação, mas me vejo obrigado a discordar. Ou cê é o patrão por acaso? Não, né?
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.....Com um viciado
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..... acha que funciona como? Com a brasa dos pulmões engula a fumaça. Em apuros o caralho! Pegue ilusões no ar, com a cabeça na queda, dentro do escuro. Com a gula dos tufões engula. Prenda. Luxúria é uma coisa, eletricidade é outra bem diferente. Essa lata e o pito, o mísseis em que o mundo corre. É pra matéria sobre vadiagem? Cê vai ter que entrevistar essas traveca do caralho que ficam aí. Quer saber, elas que tão certa, ganhe e perca seus próprios dinheiros. Eu perco os meus. Que se foda, piá, faço como quiser. O que tem de pior e de melhor tá por aqui de madrugada. Prestenção, amiguinho, depois que a mágica bate o mal é veloz feito um jegue que afunda dando coices pra tudo que é lado no teu sangue. Aí cê precisa de controle, porque só o que passa na nóia é essa espécie de pressa moderna de ir feito quem mastiga geringonças, manja? Uns treco assim tipo quem respira o que cansa engrenagens. Pedra, lembre disso, não é pra amador, tá percebendo? Quer saber?, não deu pra mim, mano. Não sou que nem igual você, não pude escorrer minha mágoa num leito alegre. Não deu pra beber leite boa-vida. Tô nessa faz tempo, piazão, de navegar no amargo que desnutre. No estrume.
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.....Com uma travesti
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.....Aço é minha alma montada, as tetas, esse pauzão aqui. A barba crescendo por baixo da maquiagem, é minha inimiga. A Cruz Machado, meu ganha-pão. Casaco? Ninguém usa, nem no inverno. O negócio é fio dental dourado direto e cabô. Que mais? Meu equilíbrio não tá na yoga, nem nada dessas merdas, quem me dá equilíbrio tá aqui ó, meu salto 15. Que mais, meu bem? Ah, sei lá, não conhecer o futuro é que é o meu futuro. A madrugada? Hum, indústria, comércio, meu vício, a chapação de trepadas compradas. Porque isso chapa, fofinho, vai achando... Remédio imunológico? A essa altura do campeonato? Plastiquinho na pistola só se o cliente exigir, eu tô nem aí, que se foda. Que se foda, que me fodam, que eu os foda, engulo o choro sem som, e... Lágrimas nem sei mais o que são. Nada mais de pai, mãe, família. Que se foda. Família é isso aqui, eu, a Jane, a Babi, a Rô e olha lá. É difícil, mas é fácil. Fácil, é, respiro, sorrio, me empino, rebolo. Quando vejo, tô entrando no próximo carro.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

especulações sobre o amor simples

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.....É, eu já sabia que teus olhos são catedrais onde missas badalam com fé. E o silêncio não janta jardins recônditos, oásis e paraísos escondidos no sono que, mesmo preenchido por pesadelos, é um vasto deserto. Por isso que, segundos antes de vê-la adormecer, queria escrever a canção de ninar e povoar teus olhos verdes feito a chuva dessa tarde. Uma canção que fosse não o furador de gelo da noite de ontem. Nem um crucifixo esquecido nalguma gaveta do passado. Mas uma reza pontiaguda e luzidia que dessa vez cegasse a mim, aniquilando meu desamparo de te perder para sempre — se é que isso já não aconteceu quanto está acontecendo nos últimos tempos. Mesmo assim sigo compondo rezas que sejam cantadas num teatro só ruídos. Rezas que nunca escurecessem os sons que teus olhos sem piscar ecoam, de um quarto bagunçado, decorado com escolhas erradas. E eu sigo fazendo o que sei pouco mas é só o que posso. Sigo fazendo música, pois minha maneira de rezar é te ver respirar dormindo os olhos abertos.
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*Parabéns, menininha de coração jacu.
Tudo de bom sempre. E sempre.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

especulações sobre o amor simples

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.....O começo foi muito bom. Depois, a coisa degringolou. Vi que os dias corriam diferentes quando a gente se escutava. Sempre um improviso. De repente, Deus podia existir, seria legal se acontecesse. E parecia estar acontecendo. Mas logo acabei entendendo que só a combinação de bisturis e sondas conhecem o subterrâneo das pessoas. Acabei entendendo que os seres mais sofisticados também podem gostar de baladas de amor cantadas pelo Fábio Junior. Pois é, eu devia ter sacado que água oxigenada e carne-viva só convivem bem depois do primeiro minuto. Devia ter contado que quando era criança colocava ataduras ao redor do punho e da mão pra que os outros pensassem que eu tinha me machucado e ficassem com pena de mim. Não sei que tipo de pessoa seria se não tivesse frequentado escolas particulares. Não lembro de me ver crescendo. Quando dei por mim era isso: um homem que ama uma mulher. Tinha um inverno dentro dos tímpanos. E já estava tão cansado.
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....(...)
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Nunca sei como essas coisas acontecem. Sinceramente, não sei. A garota de cabelo encaracolado, uma cabeça miúda que quase não pesa sobre o travesseiro. Sei apenas que a cada dia tem o momento em que ela pára de falar, e aí eu paro de falar. Então ela fica mexendo a colher na xícara vazia, e eu desenho abstrações no guardanapo. De repente, ela diz algo do tipo “entre filósofos e amestradores de baratas de comercial de inseticida, fico com a segunda opção.” É isso, tem esse jeito alegre da gente ser triste. Tem o compromisso de querer que doa. Tem todos os papeizinhos amarelos da Redcard esquecidos na minha carteira. Tem as 208 caronas que eu, ciclista de meia tigela, fico devendo pra ela, e dificilmente um dia retribuirei. Então resta isso na memória, os pedaços do doce que comemos juntos à tarde, dividindo a mesma colher. E ela sempre dizendo coisas como “repara como as moscas esfregam as mãos antes de chupar o doce.”

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

na verdade não era

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Robert Downey Jr. como Sherlock Holmes .

.....A liberdade é uma mulher sem calcinha

.....Eu estudava direito e fazia estágio num escritório do Centro Cívico. Certa vez entrava no escritório e vi um hippie. Caramba, pensei, um hippie?, em pleno centro cívico, de sandálias e camisa aberta no peito, barba e cabelos enormes, e eu um piá de bosta, 19 anos, de terno e gravata. No dia seguinte nunca mais fui ao estágio, nem para faculdade de direito. O hippie foi a melhor má influência que tive. Esse bem que podia ser um breve prólogo, tipo o Detetive entra em cena e diz exatamente isso: Eu estudava direito e fazia estágio num escritório do Centro Cívico. Certa vez entrava no escritório e vi um hippie. Caramba, pensei, um hippie?, em pleno centro cívico, de sandálias e camisa aberta no peito, barba e cabelos enormes, e eu um piá de bosta, 19 anos, de terno e gravata. No dia seguinte nunca mais fui ao estágio, nem para faculdade de direito. O hippie foi a melhor má influência que tive. É um bom prólogo. É bom, não é bom? É bom. Eu acho. Mas tá faltando alguma coisa. O quê? Não sei. Talvez isso: Por tais motivos, muitos acham que não sou um profissional dos mais confiáveis. Só porque não ostento um diploma na parede. Boa, são duas boas frases. E mais: Também acreditam alguns que sou mentiroso. Dizem que forjo minhas provas. É que possuo uma mente inventiva. Ele bem que pode dizer isso, não pode? Mas não confundo as coisas. Sei muito bem que ficção é ficção e realidade é realidade. O problema é que a realidade só é palpável no presente. Depois, quando fazemos o registro, quando documentamos, quando dependemos do passado, depois, nenhuma garantia terá a realidade de que será avaliada com os olhos críticos da ficção, que é, no fundo e em essência, mais crítica que o blábláblá dos críticos reais. Taí, agora sim, acho que é assim que se encerra o prólogo dele. Ou melhor, ainda não. Ele ainda pode dizer: Mas devo admitir, um sábio não agiria como geralmente ajo. Onde já se viu?, dizem por aí. Um sábio, aliás, jamais seria o que sou. Ser o que sou nessa cidade não é mole. Agüentar esses bandidinhos caçadores de Robins Hood. E o que sou? É essa a última pergunta do prólogo dele. E o que sou? É assim que se começa uma boa estória com esse tipo de pergunta, poxa vida: O que sou? E o que é ele, hein? O Detetive? O Detetive. O cara para quem entregaram alguns envelopes roxos. Ninguém disse nada, apenas entregaram os envelopes e os dólares. E ele? Ele o quê? Como reagiu? Dizendo: Darei um esporro na secretária. Isso quando e se ele puder pagar o salário da secretária e ela resolver ser boazinha e aceitar trabalhar para ele novamente, daí sim ele pode dizer: Darei um esporro na secretária. E ainda completar assim: Por que a senhora não anotou a porra do nome da pessoa que trouxe os envelopes? Interessante, interessante. É assim que sou, estaria nos dizendo o Detetive agora. Um caloteiro? É assim que sou. Essas são as frases que vão se entulhando no monólogo interior do Detetive. O monólogo interior fazendo com que ele sempre se pergunte: Onde já se viu um detetive sério e renomado não saber quem lhe entregou o material e o pagamento dentro desses alguns envelopes roxos? Hum, deixa eu pensar. Pensar , pensar, pensar. Pensei. Então, recapitulando: Onde já se viu um detetive sério e renomado não saber quem lhe entregou o material e o pagamento dentro desses alguns envelopes roxos? Essa frase é péssima, aliás. Ou melhor, eu gosto. Digo, a não ser que seja um melodrama. Aliás, não necessariamente. Ou, necessariamente? Não necessariamente. Tá, tá bom, não vamos entrar nesse joguinho outra vez. Vamos em frente. O que estariam tentando amenizar entregando fotos de comprovada traição justo dentro de tais alguns envelopes? E mais. Por ter caído na teia dela, da secretária que, depois da bronca, depois mesmo dela ter feito biquinho e chamego, depois dela ter chamado o Detetive de Meu duro de matar 5, depois dele ter esquecido tudo, esquecido da vida, e ter acabado aceitando o convite para pizza de calabresa em sua quitinete... Pizza? Pizza? Será? Pizza sim, umas cervejas... E então, depois de tudo isso, o Detetive viria a ficar sem palavras. Assim... Depois de tudo isso... A secretária chegará no escritório. E dará bom-dia para ele. Como se dar bom-dia fosse a coisa mais natural do mundo. Mas, ora, dar bom-dia é a coisa mais natural do mundo. Era. O quê? Digo, era, era a coisa mais natural do mundo. Pelo menos no caso dela era a coisa mais natural do mundo. Mas por que era? Porque ela foi despedida e não voltará, elementar. Tem razão, vocês agora dirão. Ou então, outra hipótese, porque ela não foi despedida, mas... Mas não recebe o salário atrasado faz mais ou menos uns cinco meses. Entendem, por isso a secretária não voltará. Pelo menos não logo um dia depois de ela ter envenenado o patrão. Você envenena alguém e no dia seguinte dá bom-dia com essa cara de santa? Eis o monólogo... interior, vocês sabem. Santa do pau oco. Essa mulher, eu conheço as mulheres, jogou, voltará a jogar, comigo. Esse Detetive, vão reparando, é o rei do monólogo interior. De modo que continua a pensar: E se eu não pagar? E se eu disser que está comprovado que ela é minha amante. Que ela é tão minha amante que chegou ao ponto de me envenenar. Ou então que ela me enlouqueceu com essa coisa de bom-dia, todo santo dia, dissimulado? A coisa está se complicando. É melhor o Detetive esquecer a aproveitadora da secretária de uma vez por todas e se concentrar no trabalho. Ao trabalho, ao trabalho. Isso, é melhor mesmo.