quarta-feira, 25 de abril de 2012


"Venha para mim se estiver envelhecendo
venha para mim se estiver a fim de um café"
Leonard Cohen

vou defender novamente a idéia, que você julga absurda, de que duas pessoas que saem e conversam e se enxergam e dão as mãos em mútuo elogio e charmosamente se esquivam e voltam desinteressadas do mundo ao redor, de algum modo, já estão trepando. o Toddy pergunta o que estou fazendo? queria escrever um poema. e ele: devia parar de bobagem e trabalhar na segunda novela da trilogia da geada. mas me sinto incapaz de costurar o pouco da história que tenho, como cogitar a invenção de novos capítulos? tomo o café da manhã. o Toddy me olha, lambe meu pé descalço. a realidade é também uma religião, talvez por isso estejamos em guerra. há um ano naquele bar de esquina você estava muito louca. e sapateou para mim aquela cena do Blue Valentine, com ukulele e coração natalino na porta da loja. e depois eu te salvei de uma matilha de bêbados. você estava paralisada dentro do medo. eles desenhavam teu rosto sem parar, os cartunistas. eu te puxei pela mão feito o segurança de uma celebridade e saímos dali. e então nos beijamos com força no meio de uma rua do centro violento da cidade. se estamos em guerra, estou vencendo pela via do afeto. você reclama: é como todos eles, só quer me comer. não, eu quero também te comer. mas e eles, eles querem te levar para o trabalho de manhã, eles querem almoçar no Quilo do bairro e carregar a caixa da tv nova e insistir para você fazer aquelas maquetes inspiradas nos romances do Faulkner? você me acha louca, burra, o que quer comigo? escutou, Toddy, viu o que ela está me dizendo? eu te acho um pouquinho louca sim, mas gosto desse tanto de loucura. e, menina, você é tão esperta, como pode se chamar de burra? são coisas tão perfeitas as que você fala sobre Tolstói, e sobre a música, e até sobre o meu livro, concordo com tudo que viu nele, você foi mais fundo que os críticos e que meus amigos escritores. não, não, sou um monstro, sou má, me esqueça. não posso, gosto tanto da rua quieta e quase sem árvores em que mora, gosto das roupas de grife que você usa, mesmo que não fossem de grife, como você quer me fazer acreditar, eu ia gostar, nem mais nem menos. e gosto da tua profissão que iniciou tantos movimentos artísticos ao longo da história. só deixaria de gostar da tua profissão se você abandonasse os projetos mais ambiciosos por medo, não por falta de grana e tempo, mas por medo se conformasse em passar a vida projetando banheiros de bares, embora eu goste até dos banheiros que você projeta, pois sua alma também está ali. viu, eu sou um monstro. ah, Toddy, esta menina às vezes não sabe mesmo o que diz. todos com quem convivemos são anjos, ensinou dia desses o maestro Octavio Camargo, já vimos o mal, ele está aí, sabemos que é pior que uma discussão entre amigos. são todos anjos. e eu me pergunto: por que ela reverencia tanto a derrota? se um dia fui cruel, você sabe, foi da boca para fora. se estamos em guerra, estou vencendo pela via do afeto. estarei preparado se você desesperar, e quando disser chorando que não suporta o mundo e quer morrer. seria uma cena melodramática não ocorresse sussurrada em meu carro às 2:34 da madrugada em seu rua ainda mais quieta e sem árvores. a realidade é também uma religião. óbvio que isto é só um poema e será criticado: demasiado sentimental. apesar do poema, estou pronto para te abraçar e entrar no ritmo do soluço do teu choro, vai ficar tudo bem, vai ficar tudo bem, como fiz certa vez com o ator que dividia o palco comigo em Esperando Godot (ele Pozzo, eu Lucky). depois da nossa cena esperávamos o restante da peça no camarim, ele teve uma crise nervosa e não conseguia respirar, o roxo em seu rosto era a morte. então o abracei e aos poucos seu corpo foi aprendendo a respiração do meu e se acalmando, voltando para os domínios da vida. sim, porque se estamos em guerra, estou vencendo pela via do afeto. você chora: que em menos de 20 anos estará intoleravelmente velha. eu também estarei, e todos nossos amigos, os que resistirem. familiares terão partido, e as crianças de agora passarão a ser os donos de nossos medos de agora. e então, se tivermos sorte, teremos 80 e tantos anos, e eu a olhar atrás: não sei se verdadeiramente consegui ser um artista, gostava de ter sido, mas até hoje não aprendi a me vestir com estilo. isso, não consegui me vestir com estilo, da mesmo forma que se tenta em vão livrar-se da falta. por enquanto, fico aqui fazendo bolinhas com o miolo do pão e jogando para o Toddy. ele brinca, os labradores são uma raça de brincalhões. sabe, concordo que viver exige demais e dói. me chame depois da meia-noite para eu ajudar com o vestido e limpar as máscaras do seu rosto, você não merece estes pesos.      

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