sábado, 27 de outubro de 2012


Dias nublados
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Não tenho pressa. Saio do café. Quem, como eu, tanto andou por essas ruas antes dessas ruas serem essas ruas? Sim, tenho-os comigo o quanto estou só. Escuto-os na sala a tagarelar, o hálito alegre da fala sobre nada. Fico melancólico nessa época do ano. Ouço os pingos na lata dos carros estacionados. A chuva, o frio, o mofo não me deixam lembrar direito. Um único dia de sol e tudo estará cegado novamente. Fui crescendo, a neblina e a geada a se infiltrarem em minha pele, no coração só superfície, coração sem fundo. Não há nitidez, nada é uma certeza. Nem bem me dou conta, estou trazendo o inverno dentro dos tímpanos. Sou mais cansado que um velho. Não se pode reter para sempre os instantes. Que passem. Plenitude é o que vai, some. No agora, esqueço. E esquecer talvez seja o jeito humano de guardar. Não quero reter os momentos de felicidade, como alguém que pretendesse o raro de si mesmo. A infelicidade me atravesse, não como eu fosse um túnel, mas lama que não admite modelação. Me atravesse, não suportaria encarcerá-la. A vida acontece conforme o errar se sucede, não como preferimos. Amanhece, abrimos os olhos. É dia. E os olhos abertos, lanternas a procurar na escuridão. O tempo passa para que as pessoas amadureçam, tornem-se melhores? Se você envelhece com pesares e lamentos, destrói cada uma das coisas que um dia amou? É preciso abandonar e ir em frente, ou a maneira mais ineficientemente tola de abjurar o passado seja o insistir na evitação de que a vida não nos fará esquecer sem que sejamos esquecidos. Perambulo, zumbi no centro.

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