quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

rugas despudoradas

entrei no armazém amarelo, modorrento. bruxuleante luz no teto. quase nada de produtos a venda. uma senhora. as rugas mastigavam, despudoradas, o seu rosto: protocolo carimbado pelo tempo.
cerveja preta, pedi.
foi buscar. nunca mais voltava. despejou o líquido em meu copo. pensei reconhecê-la. teimavam seus disfarces. foi atender as moscas, únicas clientes. o espelho da parede oposta ao balcão onde estava me eram úteis. expunham ainda mais a precariedade daquela presença: caroço humano.
lembra-se de mim?, pensei.
chamei-a. virou-se, quase não dobrável.
ela sabe que sou eu?, pensei.
anos atrás eu conheci uma menina, 14 anos.
ainda bebê, deu-me de presente.
não me reconhece?, perguntei.
fez uma expressão de dúvida fitando a rua como se de lá a resposta. passou as mãos sobre a toalha de plástico com flores apagadas limpando farelos de comida sobre a mesa.
nunca mais, filho, ninguém soube de mim, ela disse.



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