quinta-feira, 17 de junho de 2010

benditos cavalos

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.....Benditos cavalos
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Noite de sexta-feira, 23:40. Rua Cruz Machado. A BMW, vidros escuros, pára. A garota na calçada não está bem vestida, mas é bonita. Não tem mais do que 28 anos. A janela de trás do carro desce lenta. Ela se aproxima. Faz que sim com a cabeça. Depois se debruça na janela. Há pouca luminosidade no interior do automóvel. Rosto jovem, uma boca bem desenhada, pergunta: Quanto?
.....A garota responde.
.....Certo, vou querer até segunda-feira, diz o homem.
.....A menina sorri sem jeito, com os olhos apenas e diz: Vai ficar caro pra você.
.....Agora é ele quem sorri seus dentes perfeitamente alvos. Então ela se afasta um passo atrás. O vidro sobe. Seguidamente, a porta é aberta. Ela entra no carro. A porta permanece aberta sem que nenhum dos dois tome a atitude.
.....Você poderia puxar, por gentileza, pede ele educadamente, exitando em se debruçar sobre a garota.
.....O carro arranca. Ela sente o perfume caro do homem. Olha para ele, que olha a rua. Confirma, ele tem mesmo um rosto lindo. O ar-condicionado está ligado.
.....A temperatura está agradável?
.....Ahã... o cheiro também, diz ela e sorri timidamende.
.....Para onde Sr?
.....Para o apartamento da Visconde de Guarapuava, indica ao motorista.
.....A BMW cruza e centro em direção ao Batel. Ela tenta puxar papo, mas o homem parece estar com a cabeça longe. Fazem o percurso sem um pio sequer. Chegam. Os portões se abrem como que por mágica. O motorista avança e estaciona em frente ao elevador. Desce e vai abrir a porta de passageiro. A garota desce. O homem atrás. Entram no elevador, que sobe feito um foguete em direção à cobertura. É uma sala ampla, pouco iluminada. Há um sofá grande, macio. Uma televisão enorme, de plasma, ocupando uma parede inteira. E muitos quadros nas outras. O homem vai até o bar. Serve uma dose de uísque para si.
.....Gostaria de beber alguma coisa?
.....Um igual a esse tá bom.
.....Gelo?
.....Pode ser.
.....Ele coloca duas pedras e dá o copo pra ela. Bebe em silêncio, duas bicadinhas. Aí vira o copo num gole só. E prepara outra dose. Bebem calados. Ele não tira os olhos da garota. Parece que a está avaliando. Ele fica um pouco incomodada, como se houvesse esquecido sua profissão. Não admitindo a fraqueza, vira o resto do uísque e vai na direção do homem. Esfrega suas costas, o peito, o pau. Vai beijá-lo, mas ele se afasta. Ela fica ainda mais desconfortável. O silêncio pesa no ar. Vai até a janela, imóvel olha as luzes da cidade. Só então se dá conta de quão alto estão.
.....É uma bela vista, diz.
.....Venha, vou mostrar o seu quarto, diz o homem.
.....Vão por um corredor de mais de quinze metros. Ele abre a porta do quarto, acende a luz.
.....Uau, faz a garota.
.....É uma suíte maior que a casa em que divide banheiro, cozinha e camas com mais quatro amigas. A cama que está em sua frente, nela caberiam uns três casais confortavelmente. Sobre a cama há um pijama lilás de flanela leve. Escova de dentes, sabonete, shampoo, cremes. Ele vai até o banheiro, acende a luz. A garota se ilumina.
.....O paraíso deve ser assim, pensa, limpo, cheiroso, de mármore, com um ofurô bem no meio. Quem é esse homem, educado, rico, bonito? Não pode ser verdade. Ele a pegou na rua. Mesmo quando a voz dele soa grave a trazendo de volta, o encanto não é quebrado.
.....Amanhã Henriquieta vai ajudar você a se aprontar, sairemos às 8 horas em ponto, algum problema para você, digo, acordar tão cedo?
.....Na-não, gagueja ela.
.....Recomendo que acorde uma hora antes pelo menos, para podermos tomar o café com tranquilidade.
.....Tá.
.....Boa noite então, diz ele e sai.
.....Bruna.
.....Ele se volta para ela: Oi?
.....Eu me chamo Bruna, diz a garota.
.....Certo, boa noite, Bruna, diz e fecha a porta.
.....É mesmo esse o seu nome, não mentiu. Sequer queria lembrar seu nome de guerra, como se diz. Ao amanhecer, Henriquieta vem acordá-la. Abre as janelas que dão para uma paisagem com centenas de prédios. Enquanto ela urina, lava o rosto e se ajeita um pouco, Henriquieta troca os lençóis e arruma a cama. Coloca as roupas velhas da garota dentro de um saco. Tira tudo de dentro da bolsa e coloca a bolsa também nesse saco.
.....Ei, são as minhas coisas.
.....Não se preocupe, querida, vai ficar tudo bem, você vai ganhar roupas novas.
.....Mas eu gostava dessas.
.....Esqueça isso, deixe eu olhar para você, nada é mais lindo do que olhos azuis como esses numa manhã ensolarada.
.....Henriqueita a leva à copa. O café está servido, pão de centeio, geléias, queijo de búfala, leite desnatado, café, frutas e iogurtes, salmão cru em fatia.
.....E ele, pergunta a garota, não vem tomar café?
.....Daqui um pouco, querida, pediu que você fosse comendo sem ele, para não se atrasarem.
.....Depois Bruna vai tomar banho. Usa o sabonete, o shampoo, condicionador. Enxuga o corpo, passa os cremes. Escova os dentes. Olha-se no espelho. Respira fundo. Não há maquiagem alguma ali, então apenas ajeita um pêlo ou outro da sobrancelha. No quarto Henriquieta a espera com um vestido branco impecável. Ajuda-a vestir.
.....Caiu como uma luva em você.
.....Henriquieta dá para ela uma bolsa.
.....Pronto, aqui está sua bolsa nova, algumas coisas, camisinhas, a maconha, os modes, enfim, joguei fora, mas os documentos e seu dinheiro, bem mais do que tinha antes, estão na carteira nova.
.....Obrigado, diz Júlia.
.....Não precisa agradecer, aos pouco vamos nos conhecer melhor.
.....O elevador chega, Júlia se despede de Henriquieta e entra.
.....Uma BMW de outra cor e modelo, com outro motorista, a espera.
.....Onde está o...?
.....Vocês vão em carros separados, ele vai encontrá-la direto lá, Sra.
.....A BMW pega a Rodovia do Café. Perto da entrada para a cidade de Palmeira, entra numa estrada de terra. Avançam por mais de 20 minutos, até surgir ao longe uma mansão. Cruzam o enorme portão com uma placa: Haras Palud. O carro avança agora numa rua estreita de paralelepípedos com flores bem cuidadas nas margens. Há cercados de madeiras. Dentro de cada um deles, cavalos pastam, galopam, relincham. A BMW estaciona em frente à mansão. Empregados uniformizados e cães da raça Dálmata, limpos e dóceis, vêm recebê-la.
.....Bom dia, Sra.
.....Bom dia, diz ela às empregadas afagando um dos cães.
.....Dona Elizabeth a espera na estufa das flores, por aqui, por favor.
.....Ao vê-la entrar, o rosto de 74 anos de Elizabeth Palud se alegra. Larga o regador que tinha nas mãos sobre uma bancada e vem beijá-la.
.....Olá, querida, seja bem-vinda ao haras, bem que o Beto falou que você era linda, que prazer.
.....O prazer é meu, Dona Elizabeth.
.....Pode me chamar de Beth, meu bem, perdoe meus trajes não sei meter as mãos na terra sem ficar assim toda suja.
.....Ela tira as luvas de borracha, segura Júlia pelo braço e a vai conduzindo para fora da estufa, por uma alameda florida.
.....Não percamos tempo, quero apresentar você a seu sogro, aquele rabugento, ficou falando a manhã toda que vocês não iam vir, que você é muito ocupada, que ser advogada de um grande escritório é isso, ter que trabalhar no final de semana, se for preciso, viver viajando, ele me enlouquece, se você soubesse, mas que bom, que bom que vieram, pelo visto você tem cuidado do meu bebê direitinho, nunca vi meu filho tão feliz.
.....Ele já chegou?
.....Sim, está com o pai nas cocheiras, lidando com os cavalos, esses dois só pensam nesses benditos cavalos.

3 comentários:

  1. Pensei em várias coisas, e até mesmo em pessoas reais... muito bom!

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  2. Muito bom, gostei do final inesperado.

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  3. Muito bom, Leprevost!!! Descrição poética e sutil! Equilíbrio de nuances na temporalidade narrativa... Belos tons e sinestesia!
    Passarei sempre por aqui. Quando puder, visite também o meu blog!
    Saudações :)

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