sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

especulações sobre o amor simples

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.....O começo foi muito bom. Depois, a coisa degringolou. Vi que os dias corriam diferentes quando a gente se escutava. Sempre um improviso. De repente, Deus podia existir, seria legal se acontecesse. E parecia estar acontecendo. Mas logo acabei entendendo que só a combinação de bisturis e sondas conhecem o subterrâneo das pessoas. Acabei entendendo que os seres mais sofisticados também podem gostar de baladas de amor cantadas pelo Fábio Junior. Pois é, eu devia ter sacado que água oxigenada e carne-viva só convivem bem depois do primeiro minuto. Devia ter contado que quando era criança colocava ataduras ao redor do punho e da mão pra que os outros pensassem que eu tinha me machucado e ficassem com pena de mim. Não sei que tipo de pessoa seria se não tivesse frequentado escolas particulares. Não lembro de me ver crescendo. Quando dei por mim era isso: um homem que ama uma mulher. Tinha um inverno dentro dos tímpanos. E já estava tão cansado.
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Nunca sei como essas coisas acontecem. Sinceramente, não sei. A garota de cabelo encaracolado, uma cabeça miúda que quase não pesa sobre o travesseiro. Sei apenas que a cada dia tem o momento em que ela pára de falar, e aí eu paro de falar. Então ela fica mexendo a colher na xícara vazia, e eu desenho abstrações no guardanapo. De repente, ela diz algo do tipo “entre filósofos e amestradores de baratas de comercial de inseticida, fico com a segunda opção.” É isso, tem esse jeito alegre da gente ser triste. Tem o compromisso de querer que doa. Tem todos os papeizinhos amarelos da Redcard esquecidos na minha carteira. Tem as 208 caronas que eu, ciclista de meia tigela, fico devendo pra ela, e dificilmente um dia retribuirei. Então resta isso na memória, os pedaços do doce que comemos juntos à tarde, dividindo a mesma colher. E ela sempre dizendo coisas como “repara como as moscas esfregam as mãos antes de chupar o doce.”

5 comentários:

  1. a gente vê que cresce...só que esquece... esquece porque de alguma forma aquilo não faz mais sentido... sentimos, ainda como e
    éramos pequenos só que nos apegamos a alguma coisa rapidamente pra não perder o fim da linha, só que a linha, meu amigo, é bamba e dançamos em cima dela descaradamente esperando o tombo... e depois do tombo só o que importa é aquele sentimento de pequeno, e nos apegamos, geralmente a amores inventados, pois nunca teremos que verdadeiramente dar conta deles... e olhamos do chão que a corda continua balançando e que trapezistas suicidas, como nós, também vão passando e caindo...e a corda apenas nos sorri aquele riso cínico que sussurra" não te convidei pra passar por mim, mais já que veio seja bem vindo" e ai nos suicidamos de vez e quando vemos já era nosso passado de criatura crente no amor,somos só mais uns degolados sem memória de nós mesmos vivendo a vida da/para outra pessoa...

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  2. "Só os bisturis conhecem o subterrâneo das pessoas."
    É mesmo?
    Acho que os bisturis só conhecem a superficialidade da carne. O subterrâneo das pessoas é como o inverno, está dentro dos tímpanos.

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  3. ju, é isso aí, muito bonito o que você escreveu. obrigado. bj.

    verdade, CG, o inverno nos tímpanos e tudo mais, é coisa poderosa. do ponto de vista físico (não metafórico) há mesmo uma falha no verso "só os bisturis conhecem o subterrâneo das pessoas". como estou nesse texto querendo explorar mais a relação carnal, achei legal levar em conta a tua observação e reformular a frase. obrigado. bj.

    lepre.

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  4. parte deste texto foi publicado no blog do bocágil, e agora EU sei que foi vc.

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  5. Lepre não tem de que!
    É que ultimamente de carne, cicatrizes e navalha afiada estou entendendo (no sentido metafórico é claro).
    Beijos

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