terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

lufus

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Desenho do genial Daniel Gonçalves http://www.flickr.com/photos/danielrepelente/

. .....Meu pai e minha mãe eram dois fudidos lá de Guaíra. Saí de casa muito novo. Vim pra Curitiba estudar. Não estudei porra nenhuma. Virei um escroquezinho. Vivia aplicando pequenos golpes. Uma vez dei a volta numa velhota. Ela era influente. Os caras vieram atrás de mim. Fui preso. Apanhei pra caralho na cadeia. No outro dia me soltaram. Foi aí que eu disse pra mim mesmo: Agora chega, vou tomar um rumo. Então me matriculei, fiz o curso e virei policial militar. Isso tem muitos anos.
.....Hoje sou detetive particular. E não gostaria de topar comigo mesmo em ação. Pra mim e pro meu sócio, detetive Linhares, bandido tem mais é que se foder. Ele, principalmente ele, não tem a menor piedade. As vezes eu digo: Cara, cê não precisa matar esse.
.....E ele retruca, naquela tom baixo de voz de demônio que de vez em quando ele tem: Lufus, não sou eu que quero matar o cara, ele é que tá implorando pra morrer, o que posso fazer?
.....Linhaça não tem a menor piedade. Vive dizendo coisas do tipo: Lufus, tá vendo aquele ali, eu já matei ele quatro vezes, e ri. Aí eu olho pro cara que ele apontou e o cara tá manco, sem orelha, sem um dos olhos, sem a mão direita.
.....São os meus corcundas de Notre Dame, são os meus Francksteins, meu caro Lufus Lopes.
.....O Linhaça é mesmo um sacana. A única maneira de deixar o idiota anestesiado é alimentando ele com doses cavalares de haxixe e buceta. Se você der cocaína pra ele, fudeu, ninguém mais segura o animal.
.....O Linhaça vive se metendo em roubadas e me levando junto. Claro que a polícia do Estado todo sabe, mas faz vista grossa. O Linhares é o tipo de animal que não teria problema nenhum em arrancar o coração do Secretário de Segurança em segundos.
.....Por causa dessas merdas, vivo quebrando o pau com meu sócio, mas na hora que o bicho pega a gente se protege, parceria é isso, é irmandade. É como meu pai falava pra mim e meus manos: Aqui dentro de casa cês podem quebrar o pau, mas lá fora um tem que defender o outro.
.....E eu vivo defendendo o anta do Linhaça, porque ele se acha muito esperto, ele se acha bem mais esperto do que. Nem ligo, o garoto tá empolgado, não vou ser eu que vou cortar o barato dele. Mas esses manuais, vamos chamar assim, que ele tá lendo agora, porra, fui eu que escrevi.
.....A única coisa que me irrita é quando o Linhares insiste me levar nesses Cafés de fresco, nos bairros dos ricos. Ele sabe meu ponto fraco, os doces. Sou viciado em tortas e guloseimas. E como ele é viciado em café, aí a gente acaba gastando uma grana na porra dos Cafés da puta que o pariu.
.....Tudo bem, às vezes o lugar tá vazio, aí é até gostoso, a gente fica conversando sobre os casos mais antigos, dando risada dos idiotas que a gente já fudeu. Mas tem vezes que o Café tá lotado de intelectual, essa gente que sai nos cadernos de cultura, que faz um filminho, que lança um livrinho e fica arrotando aspas. Vão tomar no cu.
.....Não sei de onde o Linhaça conhece esses caras. Acho que é lá da faculdade de história que ele começou a fazer anos atrás e depois largou. Só pode ser. A merda de ir nesses lugares é que eu acabo gastando todo meu salário. O Linhares não se fode nem um pouco, porque ele tem lá os negócios paralelos dele. Mas eu não tenho.
.....Só tem um dos clientes do Linhares com quem me envolvi. Salvei o filho dele de ser assassinado por uns traficantes. Então o sujeito tem a maior consideração por mim. Ele é importador. Vive me presenteando com umas mercadorias: perfume, sabonete, desodorante, shampoo, cosméticos, todas essas merdas de higiene. Eu repasso tudo pra Mamá. Menos os cremes de barbear.
.....Cê já reparou, as pessoas sempre tomam banho do mesmo jeito. Uns começam pelo sovaco, outros pela cabeça, alguns pelo rabo. Eu odeio tomar banho todo dia do mesmo jeito. Vivo variando. Começo sempre por partes diferentes do corpo. Por exemplo, se começo pelos pés, acabo no saco. Se começo pelo sovaco, acabo no saco. Putz, tenho que admitir, sempre acabo deixando o saco por último.
.....Eu não sou viciado em higiene. Mas a Mamá é. Cara, essa mulher é o meu karma. Sei lá o que é que é Karma, mas pelo que entendi do que o Boaventura falou, certeza, a Marcela é mesmo o meu Karma.
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.....(...)
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.....O que é que essa Mamá tem de tão especial, Lufer?
.....Sei lá, várias coisas.
.....Tipo o quê?
.....Não sei, caralho.
.....Dê um exemplo e paro de encher o saco.
.....Cara, pra teu governo, ela ganhou duas vezes consecutivas o consurso Garota Bem Bolada.
.....Ah tá, porra, eu não sabia dessa façanha.
.....Vai se foder, Linhares.

.....Não gostava de levar o Linhares na boate comigo. Ele implicava com Mamá. E Mamá odiava ele, pela merda que ele tinha feito com a irmã dela.
.....Na Night Estories mulher não paga pra entrar. Eu também não pago. E quem tá comigo também não.
.....Jair Gardenal veio nos receber. Jair Gardenal. Ele era um magrelo careca, nazi, com um naso enorme. Usava umas botas vermelhas que pareciam bem maiores que os seus pés. Tinha o braço esquerdo cheio de pêlos e o direto todo tatuado. Não tirava aquele charuto barato da boca. Ele era um cínico que se achava o rei da noite. Eu vivia trombando com ele no Tesouros de Cuba quando ia lá comprar minhas cigarrilhas.
.....Bebe o que, detetive Lopes?
.....Água gelada.
.....Água? Que coisa de mulherzinha.
.....Não gostei do que ele falou, mas relevei, Gardenal achava que tinha intimidade comigo, talvez porque Marcela era funcionária da boate que ele gerenciava.
.....E você Linhares, bebe?
.....Não... me fundo à garrafa por osmose.
.....Jair foi até o balcão e voltou com uma garrafinha de água mineral e uma dose de uísque on the rocks pro Linhares. Então nos encaminhou pra um camarotezinho super privado, que mais parecia uma privada. De onde a gente tem uma visão geral da boate, mas quem tá no salão não pode nos ver.
.....É linda essa, guria, né não?, Gardenal tava se referindo a Mamá, que no momento fazia seu striptease pra um bando de gordos babões sentados nas mesas de pista. Eu sabia, aquele porco magro comedor de lavagem tinha metido o pau provavelmente mal lavado dentro da Mamá.
.....Tão mandando?, ele tava nos oferecendo pó. Linhares respondeu que sim com uma fungada cheia de energia. Eu raramente cheiro. Nesse dia caí dentro. Ficamos ali cheirando e vendo a Mamá rebolar e se despir. Quanto menos roupa, mais eu sentava à venta no pozinho mágico do Gardenal.
.....Ei, cão farejador, disse rindo Gardenal, vai de leve.
.....Parei tudo.
.....Do que cê me chamou?
.....Ele logo entendeu que tinha falado merda.
.....Esquece.
.....Esquece, o caralho. Linha, do que ele me chamou?
.....De cão farejador, Lufe.
.....Segurei o nariz dele com força, girei o punho puxando. O nariz do idiota ficou na minha mão. Ele nunca mais ia torrar seu prolabore com cocaína.
.....Ai, ai, filho da puta, você arrancou meu nariz.
.....O que cê fez com ele?, perguntou Linhares, fingindo indignação.
.....Uma plástica. Agora diz pra ele, Linha.
.....É, Gardê, ninguém chama o detetive Lopes de cão farejador, isso é falta de respeito.
.....Ma-mas foi só uma brincadeira, disse Gardenal.
.....E cães farejadores por acaso entendem a estética da gracinha?, perguntou Linhares.
.....Na-não, gaguejou o ex-Pinóquio.
.....Então, o detetive Lopes também não entende.
.....Ma-mas ele na-não é um ca-cão farejador.
.....Pois é, disse calmamente, Linhares.
.....En-então, completou o Gardenal, por que você se ofendeu, de-detetive Lopes?
.....Ué, porque eu não sou um cão farejador, eu disse.
.....Eu se-sei que não.
.....Então por que cê me chamou de cão farejador, se você sabe que eu não sou um cão farejador.
.....Eu e Linhares, a gente falava com ele de forma didática. Estávamos muito calmos. Quanto mais o idiota do Gardenal se desesperava, mais calmos a gente ficava.
.....Na-não era minha intenção o-ofender você.
.....Aquele gara gaguejando e chorando, com a fuça e a camisa branca toda empapuçada de sangue que não parava de jorrar feito uma cascata, já tava me enchendo o saco.
.....Par ou ímpar pra ver quem atira primeiro, eu disse pro Linhares.
.....Tá louco, Lufus, não vamos atirar no cara aqui dentro, vai dar a maior merda. É melhor a gente pisar e esmagar a cabeça dele.
.....Boa idéia, Lins.
.....Socorro, socorro, começou a gritar o cara, incrivelmente sem gaguejar.
.....Cala a boca, porco magro, e dei uma coronhada na têmpora, ele caiu. Caiu de um jeito perfeito. Foi fácil. Dei duas três pisadas pesadas esmagando a cabeça como se fosse uma laranja podre.
.....Saímos do camarote. Fui até o camarim procurar Mamá. Ela já tinha ido embora com um cliente.

.....(...)

.....Fui até o Night Estories. Desde quando pisei na cabeça do Gardenal eu não tinha voltado lá. Fazia tempo que não via a Marcela. Eu sentia falta dela. Quando cheguei os seguranças da portaria cogitaram me barrar. Mas bastou eu sorrir e ser simpático e contar piada pra eles logo abrirem as portas dizendo: Fique à vontade, Senhor Lopes.
.....Entrei e fui direto pro balcão. Pedi água gelada. Fiquei ali bebendo um tempo, de costas pra pista. As caixas cuspiam uma sequência de música eletrônica com letras em inglês que me torturava. Fiquei lembrando de quando eu era pequeno e ia com meu pai nos bailões lá em Guaíra. Não dá pra negar, eu gostava bem mais de vanerão, mas não é o tipo de música que ajuda uma guria fazer seu strip.
.....De repente uma mão suave me tocou os ombros.
.....E daí, caubói?
.....Me virei.
.....Oi Mamá... bonito show.
.....Engraçadinho.
.....Minha nossa, como ele tava bonita. Da última vez que nos vimos, a gente tinha brigado feio. Ela me encheu de tapa. Não revidei. Nunca bato em mulher. Marcela ficou puta da cara por uma bobagem. Saí com uma guria da mesma boate em que ela trabalha. Não sabia que elas eram rivais. Marcela odeia a outra porque ela virou a gata mais cobiçada e cara da casa. Ela meio que usurpou o reino da Marcela.
.....A briga foi mais ou menos assim: A gente tava no meu apartamento. Então caí na asneira de contar que tinha saído com a outra guria. Eu sempre falo a verdade pras mulheres, esse é meu mal.
.....Você é um filho da puta, Big Lufus.
.....Qual o problema, Mamá? Você não tava na boate aquele dia, o que eu podia fazer? Eu tava na seca.
.....Podia ter me ligado.
.....Cê vive me dizendo pra não te ligar, porque cê pode tar com um cliente e não me quer interferindo no teu trabalho.

....Não misture as coisas.
....Cê sabe como é que eu sou, Má, não me aguento, quando bate o troço eu fico louco, posso trepar no meio da rua que nem um cachorro.
.....Você é um vira-lata de merda mesmo.
.....É o que eu sou, Mamazinha.
.....Bom. Enfim. Ela me encheu de tapa. O que eu podia fazer? Quando ela cansou, levantei da cama e lhe servi uma dose de vodca. Ela relaxou aos poucos. E daí a gente trepou com raiva um do outro.
.....Agora, depois daqueles meses todos, apesar do temperamento intempestivo dela, eu tava com saudade. Por isso fui até a boate, mesmo correndo o risco de algum cupincha do Gardenal querer me acertar. Ou tive sorte, ou todo mundo queria mais era ver o Gardenal numa cova, porque nada aconteceu. No máximo, alguns olhares de medo. Bom, esperei Marcela ir pegar suas coisas no camarim. Dali pegamos um táxi e fomos pro Motel do Largo.
.....Quando tirei a camisa, ela se assustou.
.....O que é aconteceu com teu pescoço?
.....É uma longa estória.
.....A madrugada é uma criança sedenta por estórias de Bicho Papão.
.....Foi no Uberaba, eu e Linhares...
.....Você ainda trabalha com esse escroto?
.....Não fala assim dele, querida, aquilo que ele fez com a tua irmã é passado, já pediu desculpa um monte de vezes.
.....Eu sei, mas é que...
.....Esquece isso, tá?
.....Tá, disse Mamá sem muita convicção.
.....A irmã da Marcela também era puta. Também era linda. Também era esquentadinha. Também odiava o Linhares. A única peculiaridade era que ela atendia preferencialmente mulheres. Acho que a Marcela jamais vai perdoar o Linhares por ter pisado na bola com a irmã dela. Porra, o Linhares vive fudendo com tudo. Pelo menos a garota tá bem, longe de encrenca. Espero que um dia a Marcela fique na boa com o Linhaça, senão como é que eu vou pedir ela em casamento? Porque é obvio que ele é que vai ser nosso padrinho. E, seu conheço a Marcela, ela vai querer convidar a irmã dela pra ser a madrinha. Foda-se. Isso é outra estória.
.....Mamá se aproximou e beijou meu pescoço triturado.
.....Dói quando encosto?
.....Não, só dá uma sensação meio esquisita, parece que é uma pele feita de outra coisa e não de pele mesmo, entende?
.....Não.
.....Deixa pra lá, é viagem minha.
.....Mas como é que foi? O que aconteceu pra ficar assim?
.....Então, foi isso, a gente tava investigando essas mortes estapafúrdias lá no Uberaba. O Linhares entrou na casa de um cara, um escritor que, segundo ele, podia nos ajudar. Eu fiquei esperando no carro. Era uma rua deserta. Escuro pra caralho, o de sempre. Nem sei o que aconteceu. Quando acordei, eu tava todo rasgado, trancado numa jaula nos fundos da casa do tal escritor. Tentei sair dali, falei que ia matar o escritor se ele não me soltasse, mas eu tava numa cela, o que podia fazer. Até que chegou o Linhares, aí eu disse que ia matar ele por tar sendo conivente com aquela palhaçada. O Linhares pediu pra eu ficar calmo. Explicou que eu tinha sido atacado por um Lobisomem.
.....Tá vendo, esse cara é um débil mental, fica fazendo piada o tempo todo.
.....Não é piada, Má. Eu também não acredito nessas merdas, mas quem ou o que me atacou não era normal. Nunca vi algo assim. A estória que o Linhares e o escritor me contaram é assustadora. Eles só conseguiram me salvar porque o tal escritor conhecia do assunto, sabia com o que tava lidando. Não sei o que foi, mas que foi coisa séria, não dá pra duvidar, sou a prova viva, basta olhar pra esse merda de ferida.
.....E aí, o que cê vai fazer a respeito?
.....Por enquanto nada, vou esperar. Não sei, o Linhares agora só anda com balas de prata no cartucho. E o escritor falou que eu tenho que tar com ele na próxima lua cheia. Ele me fez prometer que eu vou.
.....Deixa eu dar beijinho então pra sarar meu bebê lobo.
.....Pára com isso, Mamá.
.....Deixa eu lamber esse pescoço rasgado.
.....Maluca do caralho.
.....Vem aqui, Big Lufe, vem com tua Mamá.
.....Eu tava com saudade, gatinha.
.....Eu também.
.....Nos esfregamos. Nos beijamos. Sai faísca sempre. Suguei o mel do meio das pernas. Botei ela de quatro. Não quis comer o cu. Ela tinha uma buceta peluda. Cheiro bom. Nossas trepadas sempre eram ferozes. Tive que me concentrar pra não gozar rápido.
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5 comentários:

  1. é isso ae maninho!!! bóta pra fudê!!!

    "eu me fundo com a garrafa" huahuahuahua

    preciso usar essa no On Café! kkkkkk

    det. linhares

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  2. Espetacular cara, empolgante demais. Fodasso!Obrigado pelo "genial", generosidade sua.

    DG

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  3. Cara, você está dando muita personalidade ao Lufus! Tramas e personagens paralelos surgem a cada instante! Estamos em meio a uma pulp fiction violenta! Muito bom man!

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  4. massa, cládius.
    tô aprendendo com você, mestre vianna.
    generosidade nada, DG, é minha opinião verdadeira.
    você é o cara, detetive linhaça.
    abração aí rapaziada. lepre.

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