quarta-feira, 31 de março de 2010

notas para um livro bonito

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.....Eu e meu pai no centro. Manhã de sábado. Ele me leva pela mão.
.....Vamos entrar aqui, comprar um sapato pra você.
.....Compramos. Meu primeiro par de sapatos de couro, canoa em dia de chuva na Rua XV. Não é 1987, eu não tenho oito/nove anos – é já esse poema.
.....Boca Maldita. O prefeito discursa idiossincrasias em um palanque improvisado. Mas homens públicos nunca serviram de bóia salva-vida.
.....Meu pai conhece o engraxate mais adiante. Ele esfregava com ritmo o escuro dos próximos passos que darei na vida. A chuva. O pano. Os sapatos. A cadeira do engraxate é uma ilha segura num mar de transeuntes e ambulantes. Meu pai paga. Leva-me.
.....Paramos pra um frapê na Confeitaria das Famílias. Presencio algo, com a imagem como que tenho um alumbramento. Sem pestanejar observo um homem gordo que na mesa em frente olha do mesmo modo pra um objeto de papel. Olho os pés do gordo, sapatos pretos, brilhantes.
.....Um leitor, digo a meu pai, que assente.
.....Saímos dali. Guarda-chuva aberto. A graxa preta nos meus pés exala o sabor de longas distâncias. Estamos voltando pra casa pisando paralelepípedos encharcados.

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