sexta-feira, 21 de maio de 2010

um poema-rubrica teatral, de fabiano vianna

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Grandes pedaços de algodão flutuando sobre a cena, no palco.
Algodões parecendo nuvens.
Céu nublado sobre os atores.
Eu acrescentaria na descrição da arte, um carcomido.
Seria um noir carmomido.
Ao invés de preto e branco, bege, marrom, preto e branco.
Manchas de podre e mofo.
O mofado pela umidade e frio.
Sintomas do envelhecer.
Algo que um dia foi branco, mas já não é mais.
Bege como a barba do escritor, que cresce sem ele perceber.
Como um caderno que foi muito usado e o couro da capa já está bem gasto pelo tempo.
Não é mais preto nem marrom.
Algumas folhas marcadas por café.
Gotículas de café.
Papel carcomido, rasgado.
Pêlos são como ferrugem.
As manchas se sobrepõem como aquarela.
Como layers sobre as fotografias de Dave Mckean.
Sobreposição de tinta, borrifos brancos e negros.
A tinta como algo inacabado, arremessada sobre uma tela branca que nunca se finaliza.
É a obra que nunca termina.
O caos que nunca chega.
O escritor é também transparente como aquarela.
Atravessa a luz dura dos ambientes.
Feito um fantasma.
Espectro a perambular.
Sempre procurando sua consistência.
Que nunca encontra.
As manchas das construções envelhecidas compõem o seu rosto.
A ferrugem, o mofo.
Sua barba como trepadeiras alvorotadas.
As plantas nunca são podadas.
Não há tempo.
É preciso escrever, escrever.
Barba mofada.
As plantas crescem melhor na umidade.
Plantas que gostam de inverno.
Como nas fotonovelas, há uma sobreposição de imagem e texto.
As palavras, matéria prima do escritor sobre a fotografia noir amarelada.
É possível ver algumas palavras projetadas sobre o palco.
Sobre o corpo do ator.
De repente um pano com texto escrito a mão invade o palco.
Projeção de tela de computador ou máquina de escrever.
Pelas paredes.
Por cima da pele do personagem.
Tipo tatuagem.
Fabiano Vianna

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