quarta-feira, 11 de julho de 2012


Squash
há coisas a meu respeito de que nem meus amigos mais próximos têm conhecimento. por exemplo, sabem eles que dos meus 16 aos 20 anos fui jogador aplicado de squash, este esporte considerado tão burguês, ao mesmo tempo tão prático para uma cidade como Curitiba cujo índice pluviométrico se dá como um dos maiores do país? não sabem. hoje, 13 anos depois, voltei a jogar e foi como houvesse nunca parado. toda a técnica, os tempos de bola estavam em mim, no corpo. poder voltar ao jogo se deve ao fato de, desde fevereiro, vir cuidando de minha saúde, com acompanhamento de Valeria Guilherme, a quem devo este salvamento da vida pela via do esporte, não para projeções platônicas de futuro, mas para o regalo do presente. comprometido com o processo de dança que venho desenvolvendo com Carmen Jorge e Ane Adade, e também com o grupo Batom, passei a reparar que por muito tempo vivi o conflito de negligenciar o corpo no âmbito da saúde, ao mesmo tempo em que colocava desafios hercúleos para ele. em minha pessoal experiência, o teatro propriamente se coloca neste lugar de recodificações físicas, ações impossíveis, habitações extraordinárias, mas nunca nos malabarismos. usar o corpo no teatro e dar conta sempre me deu orgulho e dor existencial. quanto ao corpo dos esportes, não sei bem quando passei a me envergonhar dele, quando comecei a negá-lo como fosse algo menor, mediocrizado pelo capitalismo, pela padronização do corpo-massa a que se referia Celina Sodré em suas aulas, na CAL, opondo-o ao corpo-canal, aprendidos das teorias de Jerzy Grotowski. bem, definitivamente não sou o padrão, nem de um, nem de outro. e meu corpo, infelizmente, nunca emitiu luz que eu saiba, como o do ator Ryszard Cieslak. sou radicalmente pelo corpo-canal, mas já sei que para sê-lo integramente, é preciso que todos os outros corpos possíveis e impossíveis estejam nele contidos. todavia, não tenho mais do que me envergonhar. nem mesmo de ser apenas mais um rostinho bonito, como sei que de mim já se falou, talvez de modo metafórico, querendo se insinuar outras ofensas. já senti na carne tudo isso, toda a glória de ser um corpo-canal, o corpo-massa fracassado e o gigantesco preconceito, ignorado, que existe contra o gordo (hambúrguer e anfetamina, que fossa, hein, meu chapa!? daí que se me acusarem de burguesinho (por um lado, não sou, mas por outro, sou) curitibano do Batel (onde não moro, mas já morei, assim como no bairro de Santa Quitéria), como muito já se fez, por ter agora, após uma vida de 13 anos (a maioria deles entregue aos excessos, especialmente do álcool), voltado a jogar squash, só poderei abrir um nem tão sutil bocejo, porque estarei descansando para a próxima partida. mal me comparando, Vinicius de Moraes treinou jiu-jitsu com Hélio Gracie. quando os lutadores souberam que ele escrevia poesia, fizeram insinuações a cerca de sua masculinidade. nunca teremos certeza, mas tal preconceito possivelmente o afastou do esporte. certamente não era este o motivo de Vinicius de Moraes (tão meu pai quanto meu pai e é por isso que posso falar assim dele) ter sido alcoólatra (e sua dignidade, intacta). o buraco da escravidão do alcoolismo é bem mais embaixo (sei disso, apesar de não ser alcoólatra). não pretendo com isso mudar ninguém. tenho amigos que bebem e fumam e eles sabem que não fico dando uma de Dr. Drauzio. é como diz o mestre Tibério Santos, não ofertemos sentido a quem não demanda. de todo modo, se os amigos quiserem vir para uma caminhada comigo, vou ficar feliz, porque as pernas nos ajudam a pensar. Ernest Hemingway escrevia em pé. segundo um de seus poemas, Paulo Leminski também. Murakami escreveu um livro chamado Do que eu falo quando eu falo de corrida. no romance O Animal Agonizante, Philip Roth, mais sutilmente, coloca dois grandes amigos, sessentões, um crítico de arte, o outro poeta laureado, tendo os papos mais banalmente profundos nos intervalos de suas partidas de squash. é um detalhe no brilhante livro de Roth, mas que joga estes dois senhores bem sucedidos profissionalmente direto na discussão de relevantes conteúdos da contemporaneidade: o enclausuramento das relações nas cidades, o corpo que não quer envelhecer e morrer... Roth espelha a beleza da juventude selvagem e latina com a sabedoria civilizadamente ilustrada, de herança européia. e a doença em tudo sob as aparências. e o amor está em foco, no velho que não sabe deixar de pensar feito um adolescente em busca de sexo apesar de ter o conhecimento do mundo, vendo-se escravo dos afetos, de um jeito tão antigo de sentir e lidar com o medo da rejeição. a incapacidade de se deixar fazer as mortes necessárias para o amadurecimento, algo como o filho do protagonistas não conseguir matar o pai. ou a amante de anos cujo o sexo envelhecido (beleza e frescor já não contam), automático (animalidade já não se faz presente), casual (mais tolerância, conforto, que admiração apaixonada), sendo o mais permanentemente inevitável e até profundo relacionamento. é sublime o livro de Roth e não pretendo dar conta aqui de analisá-lo. são apenas pensamentos um tanto apressados que me chegam à mente agora, após cinquenta minutos dentro de uma sala de squash, este aquário retangular que alugamos pagando com o cartão de crédito e em que nos debatemos para gratuitamente suar. é idiota, eu sei. mas se olhado com o devido distanciamento, o que não é?  Por outro lado, é um esporte. como tal, promove a estetização e ritualização de uma forma de vida. e isso é já bonito. sei que eu deveria estar teorizando sobre teatro e poesia para ser um pouco mais respeitado. paciência. mesmo sabendo de minha trágica condição humana, mesmo sabendo que basta um passo de cima do meio-fio na direção da linha do Ônibus Expresso e ele providenciará o meu fim, estou empenhado na tentativa, talvez vã, de cuidar de minha saúde. e textos como este são o máximo que pretendo fazer contra mim.

2 comentários:

  1. puta texto, leprevost!

    então vc é meu irmão, cara. a gente é filho do mesmo pai.

    abçs.

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