quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

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Começo de uma caveira
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Os dentes são os únicos ossos
expostos do corpo, o sorriso é
o começo de uma caveira.
Toco de caneta bic
e uma coca-cola vazia,
improviso o cachimbo.
Olho pra lata, que ri.
Coloco a bic na boca,
tenho poucos dentes,
lábios rachados.
A chama do isqueiro
na pedra, chupo, a língua sente
o gosto, amargo estrume.
Engulo a fumaça
prendo, a mágica bate.
O bem que faz é veloz
feito jegues que afundam dando
coices no sangue.
Sou atacado por morcegos cuspidos dos
olhos e ouvidos.
Luxúria é uma coisa, nóia,
eletricidade outras bem diferentes.
Vou perdendo os dentes
e a memória.
Quem fui? Eu não era
magro desse jeito.
Aguente, é tudo que
digo pra mim.
O estômago dói.
Tô comendo sem molho
minha própria caveira.
Comecei pelo sorriso.

5 comentários:

  1. olha só! hoje vi bastante coisa sobre as drogas.
    legal! tudo está conectado...rsrs

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  2. espetacular, leprevost!! bom demais esse
    poema!

    madeira

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  3. deixa eu enfiar meu cachimbo aí no meio...

    o craqueiro reinventa o mito de sísifo,
    só que pelo avesso: um sísifo que também vai mais uma vez buscar a pedra,
    mas com hálito de querosene, dedos carvoejados, com bolhas nos pés e o dvd da
    família.
    o amor pelos homens embotado, com indigência
    e medo em lugar de heroísmo.

    ao contrário do sísifo de camus, ele nem chega a pensar, na dura e ininterrupta descida,
    em sua própria condição.

    madeira

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  4. Realmente o poema do lepre é demais da conta.

    Entretanto, quero interferir nos comentários do prezado amigo Madeira:

    Rodrigo: corremos o risco de ultrarromantizar os "pedreiros" que se transformam em pedra (e olha uma medusa surgindo aí...) -

    mas em vez do sísifo reinventado que você vê, Rodrigo, eu vejo um comedor de lótus que se acha mais fraco do que a flor que come -

    o craqueiro não se sisifiza, pois não cumpre um eterno castigo: o craqueiro torna-se a própria pedra que rola ribanceira abaixo -

    dessa forma, quero acreditar que só depende do ser humano encontrar em si a força pra parar a queda, procurar ajuda, e assim subir de volta ao mundo dos vivos:

    recusar o cálice desse lótus sem luz:

    trocar a pedra da morte pela pedra bruta da realidade

    e pelas infinitas pedras dos sonhos de verdade.

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  5. é isso aí, ivan.

    mas não tem romantismo, não. o crack é a peste do egito, o quinto cavaleiro do apocalipse (só imagens bíblicas dão conta da extensão e dramaticidade do negócio).
    o crack é simplesmente ultrajante e asqueroso! quem usa oscila entre os picos violentos de um maníaco e a fantasmagoria. o craqueiro é o oposto de sísifo. sísifo deu ao homem sua humanidade; o crack despersonaliza e desumaniza a pessoa. só o "buscar a pedra" é o mesmo - foi isso que quis dizer.
    no caso específico do crack, poesia é uma coisa; a vida, outra bem diferente, totalmente sórdida e esvaziada de sentido ou beleza.

    mas concordo com você, ivan. sozinho, ninguém sai dessa. tem que amadurecer o fracasso. tem que reconhecer a própria fraqueza e derrota. e isso, no princípio, dói!
    sem nenhum glamour decadentista, vou citar o whitman: "eu sou o homem. eu sofri. eu estava lá".
    o crack instala uma doença incurável, progressiva e fatal que só pode ser detida com compromisso diário e profunda revisão pessoal. se não mudar e se cuidar, volta praquela vida de merda em dois palitos. se quem se meteu nessa roubada terrível não sair de si para pedir e oferecer ajuda, não há a menor chance de recuperação.

    a vida, precária e preciosa, é tanta (e tão pouca) para entrar ou seguir perdido nessa floresta escura.

    abração.

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