sábado, 11 de fevereiro de 2012

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Melodias de granizo
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Pianos chovem no que vai pensando a garota no trajeto que a leva para casa. O vidro do ônibus em que a diviso uma última vez mandando um beijo que contém gelado o tchau. Sei que lhe pesa no estômago as nuvens de fim de tarde do verão que a todo tempo anuncia fogo gera calor que gera tempestades. O ônibus avança na direção do subúrbio. Há poucos minutos estávamos nesse motel central. Você não pisca, não franze os lábio, não respira até que sua garota surge assim feito os segundos que antecedem a composição de uma melodia. Aí você dança, fica todo babado. No quarto, a cama com uma colcha ordinária bege com padrões roxos desenhados. O ar sufoca como a pólvora. Ela liga a televisão, filme pornô, desliga. A compressa de calor das axilas dela derretem seu coração de margarina até não restar mais que um pouco de saliva queimada, ínfima mancha no lençol. Você a lambe. Animais na noite. Saliva e gosma. Você olha para o lado: cadê? Ela sobe, some, assombra. Por que não é de outra forma? Depois que você deságua lentamente, inteiro, pede licença para a ausência e vai arranhar o espelho do banheiro até apagar a própria imagem e substituí-la. E é o apelo agora o seu rosto, que não pisca, não franze os lábios, não respira. A garota que foi sua um dia. A da ciranda dos quadris que giravam rápido demais. A dos beijos que funcionavam às vezes feito moedores de sussurros. Por ela, ainda por ela, você perde a madrugada lendo um a um os 233 e-mails que trocaram tentando entender em qual deles escreveu a frase que botou tudo a perder. Agora que os olhos dela mudaram de cor sem que você compreendesse por quais deletérios foi deixado para trás. Ainda outro dia, o nosso motel, a nossa espelunca. Pianos com melodias de granizo no que vai pensando a garota no trajeto que a leva para casa. Carregará, quem sabe, o medo das pessoas sem as paisagens do outro? Sentirá saudade? De quem, do que de nós? A chuva para. Anoitece. Agora a luz dos postes a flutuar feito a lua de dentro dos vaga-lumes. Seus olhos vão fixos nas poças d´água das calçadas de fevereiro. O ônibus chacoalha, afasta-se oito, quinze quarteirões. Ela encosta a cabeça no banco e quase dorme. E se dorme, sonha? O sonho é o corpo dela. Lá atrás, num boteco do centro, um homem bebendo cerveja cheira a ponta dos dedos. Sim, é comigo, esse levíssimo suspiro de brisa na noite que entra em alguém que embaça os olhos.

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