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.......Depois do porre com direito a foda no banheiro a gente ficou novamente um tempo sem se ver. Liguei para ela umas três ou quatro vezes, deixei recados, não retornou. Optei por ficar na minha. Respeito isso nas mulheres, a necessidade que elas tem de ficar um tempo refletindo sobre as coisas. Confesso que não achava mesmo muito digno para uma garota ficar por aí trepando em banheiros sujos, ao menos que fosse com o amor da sua vida, o que, acredito, era o caso.
.......Um dia estava no cinema. O celular desligado. Quando a seção acabou e voltei a ligar o aparelho, havia uma mensagem de voz me convidando para ir à estréia de sua peça.
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.......Um dia estava no cinema. O celular desligado. Quando a seção acabou e voltei a ligar o aparelho, havia uma mensagem de voz me convidando para ir à estréia de sua peça.
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.......Entrei à pé. Atravessei o portão carcomido pela ferrugem. Vi-me obrigado a espantar dúzia e meia de gatos, desconfiados vigias de um Jóquei Clube recendendo a decadência. Um desperdício de lugar atravancando há décadas o coração da Zona Sul. Com exceção para o restaurante fino, a academia de yoga, os frequentes eventos em áreas restritas e, a mais importante das exceções, o teatro. Não que eu desejasse que o removessem dali, nada disso, apenas esperava que o usassem melhor. Tais “espaços” ocupavam no máximo uma quarta-parte da imensidão construída para glamourosos equinos, velozes corredores e ávidos apostadores.
.......Apesar da movimentação que, por ventura e simpatia, podia-se encontrar ali, o Jóquei Clube do Rio de Janeiro se assemelhava a uma vila fantasma dominada por, sem exagero, centenas de gatos.
.......Bem, pelo menos eles têm um teatro aqui dentro, pensei.
.......Assim, após comer um sanduíche de churrasquinho com queijo e beber alguns chopes no balcão do Braseiro, no Baixo Gávea, fui ver Nanda atuar, às 20 horas de uma quarta-feira lavada por garoa lenta. Podia deduzir que ela tinha chegado uma hora e meia antes dos três sinais que em meus ouvidos de platéia soavam naquele momento. Nanda devia ter ajeitado suas coisinhas no camarim, figurinos, objetos de cena. Depois rido com os colegas, comentando os erros da noite anterior. Devia ter conversado com o diretor, perguntado a ele se seus olhos estavam mantendo o brilho da verdade.
.......O diretor não deve tê-la levado à sério, então ela, possivelmente, foi se concentrar num canto estremo, repassando suas marcas na cabeça. Quando a luz acendeu estava eu ali com o resto dos expectadores, sentado bem no meio da platéia, de surpresa, homenageando-a mais uma vez. E ela provavelmente sabia que a palavra homenagem era a mais correta, pois vinha de alguém que se não detestava, no mínimo, não se dava bem com o teatro.
.......A homenagem vinha de um pessimista, um pessimista bom vivant, ok, como se tal conceito não fosse uma denúncia tão contraditória quanto o absurdo de eu estar naquela platéia, eu que era traumatizado pelo teatro por várias razões, sendo uma delas o fato de na minha pré-adolescência minha mãe, com o intuito de que eu desenvolvesse espírito de grupo e me desinibisse e também passasse a ter senso de responsabilidade, acreditando no blablablá do psicanalista dela, ter-me matriculado num desses cursos de intermináveis seis meses, quando vivi experiências as mais duvidosos para me reconectar com o meu verdadeiro ser e etc.
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.......Antes da peça começar propriamente, apesar dos atores já estarem em cena, pude, correndo concentrados olhos, investigar sem minúcias uma platéia cheia: professores de Nanda, a quem noutras ocasiões tinha sido apresentado, havendo ainda, na extrema direita da primeira fila, três garotas e um gordo que, se não estou enganado, vi uma vez dando uma de psicólogo de Nanda.
.......Gordo estúpido, pensei.
.......Logo à esquerda do gordo, uma loirinha, parecia carinhosa, com ares de ninfeta fatal. A que estava imediatamente ao lado da loirinha tinha um jeito condensado, certo mau humor na face, de quando em quando, deixava escapulir da barriga altas gargalhadas em resposta aos chistes provocados pelos atores em cena. A terceira, uma morena com mais bochechas que tetas. Bochechas que se ela viesse informar que desejava redesenhar com cirurgia plástica, alguém decente deveria insistir que isso seria um atentado contra o que fisicamente ela tinha de mais interessante.
......E o gordo? Eu achava que já tinha sentado no Baixo Gávea alguma vez na mesma mesa daquele gordo, devia ter tomado com ele e seus amigos de bandas de rock alguns chopes, de modo que sabia, o gordo era metido a intelectual, talvez apaixonado por Nanda, daqueles que não largavam do pé, de repente ia que era um gordo escrevinhador de poemas, certamente um gordo chato e inoportuno por fazer com que eu perdesse a concentração na peça enquanto especulava sobre ele e suas amigas.
.......Apesar da movimentação que, por ventura e simpatia, podia-se encontrar ali, o Jóquei Clube do Rio de Janeiro se assemelhava a uma vila fantasma dominada por, sem exagero, centenas de gatos.
.......Bem, pelo menos eles têm um teatro aqui dentro, pensei.
.......Assim, após comer um sanduíche de churrasquinho com queijo e beber alguns chopes no balcão do Braseiro, no Baixo Gávea, fui ver Nanda atuar, às 20 horas de uma quarta-feira lavada por garoa lenta. Podia deduzir que ela tinha chegado uma hora e meia antes dos três sinais que em meus ouvidos de platéia soavam naquele momento. Nanda devia ter ajeitado suas coisinhas no camarim, figurinos, objetos de cena. Depois rido com os colegas, comentando os erros da noite anterior. Devia ter conversado com o diretor, perguntado a ele se seus olhos estavam mantendo o brilho da verdade.
.......O diretor não deve tê-la levado à sério, então ela, possivelmente, foi se concentrar num canto estremo, repassando suas marcas na cabeça. Quando a luz acendeu estava eu ali com o resto dos expectadores, sentado bem no meio da platéia, de surpresa, homenageando-a mais uma vez. E ela provavelmente sabia que a palavra homenagem era a mais correta, pois vinha de alguém que se não detestava, no mínimo, não se dava bem com o teatro.
.......A homenagem vinha de um pessimista, um pessimista bom vivant, ok, como se tal conceito não fosse uma denúncia tão contraditória quanto o absurdo de eu estar naquela platéia, eu que era traumatizado pelo teatro por várias razões, sendo uma delas o fato de na minha pré-adolescência minha mãe, com o intuito de que eu desenvolvesse espírito de grupo e me desinibisse e também passasse a ter senso de responsabilidade, acreditando no blablablá do psicanalista dela, ter-me matriculado num desses cursos de intermináveis seis meses, quando vivi experiências as mais duvidosos para me reconectar com o meu verdadeiro ser e etc.
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.......Antes da peça começar propriamente, apesar dos atores já estarem em cena, pude, correndo concentrados olhos, investigar sem minúcias uma platéia cheia: professores de Nanda, a quem noutras ocasiões tinha sido apresentado, havendo ainda, na extrema direita da primeira fila, três garotas e um gordo que, se não estou enganado, vi uma vez dando uma de psicólogo de Nanda.
.......Gordo estúpido, pensei.
.......Logo à esquerda do gordo, uma loirinha, parecia carinhosa, com ares de ninfeta fatal. A que estava imediatamente ao lado da loirinha tinha um jeito condensado, certo mau humor na face, de quando em quando, deixava escapulir da barriga altas gargalhadas em resposta aos chistes provocados pelos atores em cena. A terceira, uma morena com mais bochechas que tetas. Bochechas que se ela viesse informar que desejava redesenhar com cirurgia plástica, alguém decente deveria insistir que isso seria um atentado contra o que fisicamente ela tinha de mais interessante.
......E o gordo? Eu achava que já tinha sentado no Baixo Gávea alguma vez na mesma mesa daquele gordo, devia ter tomado com ele e seus amigos de bandas de rock alguns chopes, de modo que sabia, o gordo era metido a intelectual, talvez apaixonado por Nanda, daqueles que não largavam do pé, de repente ia que era um gordo escrevinhador de poemas, certamente um gordo chato e inoportuno por fazer com que eu perdesse a concentração na peça enquanto especulava sobre ele e suas amigas.
.......Cansado deles, deslizei o olhar para outro lado, mais acima, a minha esquerda estava o Narigudo, agora com espessa barba feito um Los Hermanos, também e estranhamente alguns centímetros mais alto do que eu. O Narigudo tinha espichado e virado uma espiga metida a ponderada. Que se danasse, não ia me sentir desconfortável por um tolo como aquele dividir a atenção de Nanda. Mesmo porque, logo após a apresentação, ela veio em minha direção dizendo ter ficado surpresa com minha presença e que, comovida, tinha feito a peça para mim.
.......Foi o que ela disse: Você reparou quanto olhei pra você de dentro do palco?, fiz a peça pra você.
.......A peça, que era linda, ela tinha feito para mim. Retribuiu minha homenagem dentro do imenso linóleo verde que funcionava como cenário. Era uma peça sobre o que sobra do não percebido entre as relações humanas, eu tinha entendido, sentado na platéia eu tinha entendido todas as sutilizas apresentadas pelo elenco.
.......Quanto era um trabalho cerebral como que construído por topógrafos. Entendi que eles estavam encenando o que não estava no palco. O espetáculo era mais o que acontecia fora de cena, nas lacunas que as imagens passageiras criavam na mente do expectador que, sem aviso, sentia como se uma borracha apagasse o que ele tinha acabado de presenciar. Eu adorei aquilo das estórias das personagens não se concluírem, nós a platéia não sabíamos de onde vinham as mulheres e homens, tampouco aonde iam, e isso podia ser bastante angustiante para alguém despreparado.
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.......Depois de parabenizar minha garota, meio que à francesa, fugi dali sem olhar para trás. Nanda, se quisesse, saberia onde me encontrar. Saindo do Jóquei fui escoltado pelo movimento soturno dos gatos, possivelmente comandados por uma bruxa invisível escondida da chuva no meio das copas das árvores. Eu realmente entrava em pânico naquele lugar. Ao sentir um vulto cruzar por mim, corri e tropecei, ralando o cotovelo direito no terreno de pedrinhas e areia.
.......Foi o que ela disse: Você reparou quanto olhei pra você de dentro do palco?, fiz a peça pra você.
.......A peça, que era linda, ela tinha feito para mim. Retribuiu minha homenagem dentro do imenso linóleo verde que funcionava como cenário. Era uma peça sobre o que sobra do não percebido entre as relações humanas, eu tinha entendido, sentado na platéia eu tinha entendido todas as sutilizas apresentadas pelo elenco.
.......Quanto era um trabalho cerebral como que construído por topógrafos. Entendi que eles estavam encenando o que não estava no palco. O espetáculo era mais o que acontecia fora de cena, nas lacunas que as imagens passageiras criavam na mente do expectador que, sem aviso, sentia como se uma borracha apagasse o que ele tinha acabado de presenciar. Eu adorei aquilo das estórias das personagens não se concluírem, nós a platéia não sabíamos de onde vinham as mulheres e homens, tampouco aonde iam, e isso podia ser bastante angustiante para alguém despreparado.
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.......Depois de parabenizar minha garota, meio que à francesa, fugi dali sem olhar para trás. Nanda, se quisesse, saberia onde me encontrar. Saindo do Jóquei fui escoltado pelo movimento soturno dos gatos, possivelmente comandados por uma bruxa invisível escondida da chuva no meio das copas das árvores. Eu realmente entrava em pânico naquele lugar. Ao sentir um vulto cruzar por mim, corri e tropecei, ralando o cotovelo direito no terreno de pedrinhas e areia.
oi,
ResponderExcluirgostei muito dos fragmentos. Me lembrou muito o estilo de um autor americano que eu li - David Foster Wallace, em Breves Entrevistas sobre Homens Hediondos.
Não deixe de postar mais fragmentos!
obrigado anônimo. eu li também o livro breves entrevistas. é muito bom. um estupendo autor o david foster wallace. bacana cê ter encontrado alguma relação, estilo e tal. não sei se procurei isso exatamente, são tantas leituras,né, e caóticas. mas me deixa feliz um eco assim. valeu mesmo. lepre.
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