quarta-feira, 13 de outubro de 2010

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Ode à terra
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Eu não canto a terra
pródiga,
a pletórica
mãe das raízes,
a esbanjadora,
compacta de frutos e de pássaros,
lodos e nascentes,
pátria dos caimões,
sultana de grandes seios
e eriçado diadema,
nem a origem
do tigre na folhagem
nem a grávida terra de lavoura.
Com a sua semente como
um minúsculo ninho
que amanhã cantará,
não, eu louvo
a terra mineral, a pedra andina,
a severa cicatriz
do deserto lunar, as vastas
areias de salitre,
eu canto
o ferro,
a eriçada cabeça
do cobre e os seus frutos
quando emerge
envolto em poeira e pólvora
recém-desenterrado
da geografia.
Ó terra, mãe cruel,
ali escondeste
os metais nas profundidades,
de lá os retiramos
e com fogo
o homem,
Pedro,
Rodriguez ou Ramirez
os converteu novamente
em luz original, em lava líquida,
e então
implacável contigo, terra,
colérico metal,
saíste das pequenas mãos de meu tio,
arame ou ferradura,
navio ou locomotiva,
esqueleto de estudo,
velocidade de bala.
Árida terra, mão
sem linhas na palma,
é para ti que eu canto,
aqui não gorjeaste
nem te alimentou a rosa
da corrente que canta
seca, dura e cerrada,
punho inimigo, estrela
negra,
eu te canto
porque o homem
far-te-á parir, encher-te-á de frutos,
procurará os teus ovários,
na tua secreta taça
os especiosos raios derramei,
terra dos desertos,
puro horizonte,
porque pareces morta
e te acorda
o estrondo da dinamite,
e uma coluna de sangrento fumo
anuncia o parto
e saltam para o céu os estilhaços,
eis para ti as escrituras do meu canto.
Terra, gosto de ti
na argila e na areia,
ergo-te e moldo-te,
como tu me moldas-te,
e deslizas dos meus dedos
como eu desatado
volto para a tua ampla matriz.
Subitamente, terra,
parece-me aflorar
todos os teus contornos
de porosa medalha,
de jarra diminuta,
e em tua forma passeio
as minhas mãos
achando as ancas daquela que amo,
os pequeninos seios,
o vento como um grão
de suave e morna aveia
e a ti me abraço, terra,
durmo junto a ti,
na tua cintura prendem-se-me os braços e os lábios
durmo contigo e semeio os meus mais profundos beijos.
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Pablo Neruda
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*Estou muitíssimo comovido com
o resgate dos mineiros chilenos após 69 dias
presos nas profundezas da terra,
no deserto do Atacama.
A cápsula Fênix,
com apenas 54 cm de diâmetro,
está sendo a responsável pela coragem e
heroísmo do Chile.
E pela esperança da humanidade.
Creio esta ode de Neruda
(um guerreiro sem pausa) ser oportuna.

Um comentário:

  1. fala,leprevost.td bem contigo?
    estou em santiago há 15 dias...
    ontem aconteceu uma festa comovente aqui na plaza itália, ao lado de onde estou hospedado...
    esse renascimento foi bonito mesmo. lembrei do
    neruda: para nacer he nacido...

    abraco,
    madeira

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