sábado, 26 de dezembro de 2009

balbucios de blues

E agora que cidade era aquela? Nem litoral, nem grande centro. O interior esdrúxulo de meu país? Quem sabe. O norte vermelho de meu estado. Ruas das quais saiam fogo por entre as rachaduras. E ali estava ele, o menino coxo a equilibrar seu hamster na cabeça. Havia graça naquilo. Um roedor azulado desaparecendo no fundo da cartola rota. Súbito, descia pelo braço, entrava na manga da camiseta, reaparecia pela gola no pescoço. Em seguida alcançava novamente o topo do menino que, feito um mágico, tirava a cartola para agradecer. Era ilógica toda aquela ação. No outro lado da praça a criança de rua com ranho no rosto coçava a virilha, depois deitava nas pernas da irmã mais velha que um pouco antes a tinha espantado. Um vira-lata fazia suas necessidades, depois partia. Minutos se passavam até que moscas pousavam em sua merda gelatinosa. Do outro lado da rua, um sujeito com feridas pedia esmola em frente a panificadora. Tudo era tão ilógico. A risada aguda da moça a passar, entrando no meu ouvido direito e saindo pelo outro. Ilógico. O magricela venenoso que propunha apostas no prêmio acumulado. Ilógico. O mau hálito do taxista no espelho retrovisor do automóvel estacionado. Ilógico. Era ilógico demais ser eu aquele hamster caminhando sem rumo pelo corpo da cidade que mais se assemelhava a um menino coxo.

7 comentários:

  1. aqui a vontade é de quebrar o relógio, mascar fumo com os chapeludos sem ver a hora passar!!!!
    mas os congestionamentos funcionam como imãs, ilógicamente!

    abração
    saudade
    li

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  2. Ilógico...ou antes, sem sentido. O sentimento mais vil e pesado da existência. O segredo, para mim, é que as coisas fazem sentido apenas quando não precisam mais fazer sentido. Como você observando estes pequenos absurdos no cotidiano, só que apenas com o olhar, e não com o cérebro. Triste périplo de nossa razão! Texto bom, Lufe.
    A tempo: o chato e revisor de plantão te dá a errata: "saÍam" ao invés de "saiam".
    Abração

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  3. concisão e incisão exemplares.
    é sempre bom receber um corte desses antes de sair para uma caminhada.

    falou, meu velho, se cuida.


    r.m.

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  4. lili... fora o calor que faz, me parece que paranavaí é um dos melhores lugares do mundo, e muito porque vocês são daí. beijo.

    obrigado, sabrina. cê fugiu ontem lá do torto, né? o torto no caso era eu, não o bar, haha. beijo.

    se você tá falando, fabz. abração, man. e pau na máquina cheia de lama em 2010. abração.

    valeu, filippo. cara, tenho considerado esses teus comentários verdadeiros e pequeninos poemas, viu. e obrigado pela revisão. abração maninho.

    ei madeira. cara, recebi aquele teu mail. fiquei feliz com o teu cuidado. de fato foram dias meio "carrie, a estranha". desculpe não responder antes, mas foi mesmo preciso um tempo. cê sabe bem como são essas coisas. maninho, tamo junto. ainda não entrei forte no pássaro ruim, só dei umas voltas lá dentro. mas agora vou tirar uns dias e o mergulho virá sem asas em seus abismos. forte abraço. e obrigadão, irmãozinho.

    lufe.

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