sábado, 23 de outubro de 2010

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O estilo cru tem muitas variaçãoes 3
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A literatura, embora não tenha me trazido dinheiro ao bolso, deu-me algo que posso chamar de angustiada felicidade, e calos na mão. Na angustia só há perguntas sem respostas. Na felicidade, por estarmos plenos, perguntas não há. Quando um sofrimento de difícil explicação surge e com ele perturbações sem limites, posso optar em escrever ou não, mas sei que escrever é o principal modo de se especular a existência humana. Ou posso esperar apenas. Pacientemente esperar. A espera, a reflexão, o estado ponderado produz sabedoria. No entanto, se só espera e não põe mãos à obra, o sábio não escreve nada. Assim, o que adianta ser sábio? Fique claro que estou me referindo à literatura, já que é possível haver sábios por aí que, inclusive, pode que sejam analfabetos. Agora, escrever, que é uma das mais íntimas pesquisas humanas... Escrever, que é como entrar num laboratório afetivo e recombinar uma série de poções explosivas... Bem, escrever nada responde, e assim pode ou não produzir sábios. Muita vez produz apenas escritores, e quem sabe isso baste. E nisso vai o paradoxo. Será possível um escritor sem sabedoria? O que posso afirmar? Comigo funciona assim, por mais que escave, vasculhe o que não compreendo, ao escrever machuco bem mais o punho.
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Se em meus textos abro algo da minha intimidade é porque (é óbvio assim) não estou salvo. Então faço uma pausa ao escrever isto e coloco as mãos no rosto. Lambo a pele grossa da palma com a língua e (de certo modo) é uma ferida o que lambo. Imolo a pele que descreve aquilo que já não sou mais. Escrevo porque embora estejamos acostumados a chorar pelos olhos, as mãos também choram.
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Estou sentado aqui por horas a fio. Continuo escrevendo já que o fogo não acabou de comer minhas mãos. Sim, escrevo à mão... com as duas. E mais com as mãos do que com o coração. E mais com ele do que com o cérebro. O fogo é assim, não escolhe, come o máximo que consegue, mesmo o que não necessita. O fogo não distingue se isso ou aquilo vale ou não ser comido. Nada pesa em seu estômago azul. A escuridão mastigada é sua melhor amiga, é ela quem o ajuda a modelar as chamas nervosas. A uma película que escureceu dizemos se tratar de um filme queimado. Películas que enquanto registram imagens as vão devorando, eis o que estou produzindo aqui.

2 comentários:

  1. é destino de alguns ser devorado pelo tempo ou mesmo pelas traças, mas certamente não o teu,
    mas acho mesmo que pra escrever a gente necessita de uma certa dose de solidão,ossos do ofício...
    acabei não conseguindo ir ao seu show e dos drinks, mas tenho certeza que deveria estar ótimo
    abraços

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  2. obrigado Poliana
    pela leitura
    e pelas palavras
    e sim com certeza
    haverá mais shows
    até já
    bj

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