quinta-feira, 20 de agosto de 2009

barras antipânico e barrinhas de cereal

Bernard Shaw
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Bernard adentra a cena entre parênteses e em itálico,
de casaca, traz um guarda-chuva e alguma parafernália 1
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as formigas te desmontarão
Rodrigo Madeira

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Viemos eu e meu cavalo com buzina e rodas, na verdade um pangaré, estacionei ali naquela quadra, que não precisa de Cartão de Estar. Eu detesto esse negócio do Cartão de Estar. Poxa vida, mas eu vinha vindo, cê não vai acreditar, eu vi você aqui e pensei que era um sósia meu, então eu entrei e vi que não, vi que você é o próprio outro eu mesmo, tá me entendendo?, só que bem mais jovem. Você me desculpe eu vir assim de pijama, mas é que fui abduzido pelo pijama, sabe como é. Me atrasei? Um pouquinho, né? Me atrasei porque acabei de voltar da manicure. Eu odeio manicures. Eu disse inclusive isso pra ela, que ficou assustada. Eu disse: Dona manicure, saiba a senhora que eu odeio manicures. Aí mostrei a mão direita, assim, e ela, como você agora, pôde contar cinco dedos. Mesmo assim eu disse: Odeio manicures porque por culpa de uma delas eu perdi um dedo nesta mão. Depois eu mostrei a mão esquerda, assim, tá vendo os cinco dedos nela?, a manicure também viu os cinco, aí então, mesmo assim eu disse: Eu também perdi um dedo nesta mão, a esquerda. A manicure fez essa mesma cara atônita que você está fazendo agora, então eu fiz com que ela relaxasse, dizendo: É que eu tinha seis dedos em cada uma das mãos. Ela não entendeu nada. Eu assusto as manicures porque na verdade eu é que tenho pavor de manicures. Agora você veja, para amanhã Elga, que não é manicure nem nada, prepara sofisticada recepção em nosso lar. Devo estar apresentável, por isso mandou que eu fosse até um desses salões de beleza, fazer as unhas e aparar a barba. Ora, não sou metrossexual, mas consenti, preciso mesmo fazer as unhas uma vez por mês, senão elas ficam parecendo cascos de cavalo. Ficou bom, você acha que ficou, como disse Elga, apresentável? Veja só, aí a manicure, estrábica de tudo, começou, sem me olhar muito nos olhos, todo um papo de a senhora deveria isso e aquilo. Pois é, ela me confundiu com uma velha. Poxa vida, logo eu que sou muito másculo, apesar da pelanca e tudo. Mas a tal da manicure me irritou, ela não parou com aquele blablablá dela de hein, amiga pra cá, hein, amiga pra lá. Até que eu não me aguentei mais e disse assim na lata: Você é uma pessoa que não se bronzeia, não posso ser tua amiga. É que o meu lado feminino é uma polaca muito da orgulhosa. Polaca da Nhanha. E se for preciso ser mal-educada sou até capaz de gesticular com o garfo com um pedaço enorme de bife fincado nele. Essa manicure, coitada, ganhou uma cliente: O quê, minha Senhora? Eu não posso acreditar no que estou ouvindo. Quer dizer que a Senhora não acredita que suco de beterraba ajuda a manter o pigmento? E a manicure ali na minha frente com aquela cara de entojo estrábico. Como é que a Senhora acha que um morador do inverno nessa cidade cinzopaca mantém o seu bronzeado? E assim sucedeu com a vesguinha. Mas você me desculpe o atraso. Esperou demais? Que frio, não é mesmo? Dá uma licencinha, preciso correr ali no toalete.
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(...)
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Ufa, agora sim, que alívio. Cê me desculpa mas cheguei aqui como se eu fosse um herbivorossaurus todo me cagando nas calças.
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Putz grila, cê me desculpe, deixei o guarda-chuva aqui largado. Dizem que guarda-chuva aberto dentro de lugar fechado assim feito um girassol negro acaba trazendo mau agouro. Ai ai, que correria. É preciso secar o suor da testa, meu Pai, não devia ter corrido tanto. Cê alcança um guardanapo, por gentileza? Poxa, por que esta cara emburrada, meu rapaz? Devo pedir novas desculpas? Não. Não vou pedir desculpas, prefiro estreias sem data e hora marcadas. Ou será que devo dar duas batidinhas na madeira porque amei até mais tarde, ora bolas? Além do mais, não sou inglês, não tenho hora para tomar o chá. Eu não me atraso, nunca, eu não me atraso, principalmente porque comecei o dia adiando. Ah, quer saber, não existe inocência, só existe justificativa, eu não me atraso. Entendeu? Aliás, minto, não existe justificativa, só existe pedido de desculpa. Eu, bem, que se dane, eu não peço desculpas. Apesar de que já pedi uma meia dúzia delas quando cheguei aqui, foi ou não foi? Agora, que fique bem esclarecido desde já: Por aquilo que me obrigam eu não me responsabilizo. Isso tudo é culpa da chata da Elga, você conhece a fera, cheia de horário pra tudo que é movimento, se não tem horário não se movimenta, então fica arranjando horário pra ter o que fazer no meio desses horários, tá entendendo?, uma chata a Elga. No mais, tente cumprir horários, há sempre o lixo a retirar, ou então você corta o dedo enquanto passa manteiga no pão, ou ainda o gás que acaba exatamente no momento do banho. Quer saber, desisti de olhar no relógio. É que toda vez que olhava me deparava com a certeza de que sim, meu amigo, eu não uso relógio. Eu acho um horror essa turma de cumpridores de horários, vivem achando que é necessário procurar o psicanalista pra saber os motivos de sua resistência em relação aos compromissos. Como se as calçadas esburacadas já não fossem motivo de sobra pra se chegar depois em qual quer compromisso. Que se dane. E o pior: Ao final da consulta recebem aquele simpático até a semana que vem seguido, é claro, do não se esqueça, a felicidade não bate na porta de gente feia. Adianta, poxa vida, trazer uma labareda em cada pelo do corpo? Não tem saída, Deus até opera, mas só o médico tem diploma. E, pela vontade de, não vou botar Deus no meio, mas de forças maiores, a gente vive mesmo atrasado. Qual o problema? Vai tirar a mãe da forca? Eu não tenho mãe tem sei lá quantas décadas. E forca então nem se fala. Agora me pergunto, e estendo a pergunta ao amigo: Pesa-me ter vivido até os 30 anos às custas de mamãe? Não, claro que não, pudesse teria vivido até hoje às custas de mamãe. De todo modo, aos 90 anos nada mais nos pesa, exceto pelo que trazemos dentro da carcaça. Refiro-me aos ossos. Este esqueleto (Chacoalha o corpo como querendo desmontálo) que está quase esfarelando. Além do mais, de um velho que morre de velhice, diz-se: Morreu de si mesmo. É tudo muito esquisito na minha idade, é como se em cada conversa eu estivesse narrando minhas memórias póstumas, mas acontece que sou uma espécie de Brás Cubas, sei lá se infelizmente, vivíssimo. E estar assim como estou, vivíssimo, é supimpa, formidável, daí a comparação com Brás Cubas, se é que me entende, e daí que deixei pra lá essa estória de infelizmente?, eu sempre estou usando as palavras no lugar errado, ora bolas. Vou te alertar, meu rapaz, é bom que saiba desde já, e fique sossegado, não vou cobrar nada demais pela revelação. Pois bem, você sabe quando um homem passa a reconhecer sua velhice? Quando ele passa, por mais banhos que tome, a exalar um cheiro de porão empoeirado. Ora, e o nosso cheiro é o nosso espírito, não é mesmo? Este cheiro de sopa, eis o que sou hoje. Por isso que sou perfeito para o inverno. Por isso quanto mais velho fui ficando, mais fui gostando do inverno. Eu adoro o inverno e detesto o verão. Mas eu gosto do inverno com sol. Invernos cinzopacos não me atraem. Verão eu odeio, ainda mais verão com chuva, putz que coisa horrível. Pra mim verão é um nojo, porque verão é quando os mosquitos pesquisam quem vai sair de bermuda na manhã seguinte. Dizem que não há nada mais bonito que o pôr do sol na Baía de Guaratuba. Pra mim tem, é estar em qualquer final de tarde em que eu não seja devorado pelos mosquitos. Dizem que velho não sente picada de mosquito. Isso é a maior falácia. Já viu como é fina a pele dos velhotes? Pensa, os mosquitos injetam veneno até no nosso osso. Mas poxa vida, puxa vida, fui falando, falando, falando igual que uma matraca, como se a gente se conhecesse há um século e nem me apresentei. Permita-me: Meu nome é Bernard S., amanhã completo 90 anos de idade e, pode acreditar, já superei a moda, a moeda, a contestação. Muito prazer. Poxa-puxa, que aperto de mão forte que você tem. Tá vendo aquela placa ali, dizendo Fazemos todo tipo de sanduíche, por exemplo, misto-quente, tá vendo? Então, fui eu que fiz, eu faço assim à mão, vou lixando a madeira e talhando, fiz e dei de presente aqui pro pessoal da Confeitaria. Eu não devia ficar vindo aqui comer essas guloseimas, por causa da saúde, sabe como é que é, mas não resisto, pelo menos duas ou três vezes na semana, eu venho pra cá e me escondo aqui em cima no Salão de Chá. A Elga diz que eu vou acabar emborcando aqui numa mesa dessas, que a minha gula por doces e risoles vai fazer com que a indesejada venha me buscar logo aqui na Confeitaria das Famílias, é uma espécie de maldição que a Elguinha me lançou, bem, que se dane, pior pra eles aqui da casa. Agora, parece-me demasiado óbvio que não há nada mais obscuro e gelado quanto morrer, não é mesmo? A questão é: Quantas vezes um homem de 90 anos de idade desejou morrer, mas por motivos evidentes, e não mais óbvios do que justo o fato de estar com 90 anos e ainda ver-se vivo... Quantas vezes, enfim, esse homem desejou morrer, mas pelo visto, já dissemos antes, droga tô ficando repetitivo... Em suma: Quantas vezes esse homem de 90 anos de idade desejou morrer, mas sempre desistiu? Esta é uma pergunta que não direciono a terceiros, mesmo porque existem poucos terceiros no mundo que eu conheça e que estejam avançados em tal idade. De modo que, esta é uma pergunta que dirijo a ninguém mais ninguém menos que eu próprio. Quantas vezes o Senhor, seu Bernard S., já desejou morrer antes de chegar a este ponto no qual está? Não sabe, não é? Não tem a menor ideia? Talvez então o Senhor nunca tenha desejado morrer. É o que digo a mim mesmo. Mas e agora, que lhe pesa a cauda e a corcova? Não, nem agora... talvez. O fato é que amanhã farei os tais 90 anos de existência. Isso mesmo, amanhã é meu aniversário. Poxa-puxa, só agora você entendeu? Não, não precisa, o presente é estar aqui com você. Bom, já que o amigo insiste, que tal me pagar um risoles e uma Wimi? Ôoo do balcão, um risoles de queijo e uma Wimi aqui na conta do meu amigo. Agora você veja, 90 anos de existência e venho que venho, preservado de quaisquer fanatismos, opondo-me, inclusive, a eles. E assim mesmo, amanhã me verei obrigado a comemorar, comemorar o quê, meu Pai?, meus 300 anos, digo, meus 90 anos de existência bamboleante. 90 anos e esta barba. Não, 90 não, muito mais de 90, que as barbas elas vêm dos nossos queridos bisavôs ou tataravôs, por isso falei 300, eu estava certo quando falei 300. 300 mesmo, pois tanto dos bisavôs e tataravôs homens, quanto das bisavós e tataravós mulheres, nos vêm as barbas. Engraçado em tudo isso é que estou convencido de que só cheguei até aqui porque a terra não gosta das carnes de gentes velhas, e é justo por isso que os velhos, depois que atingiram a velhice suprema, vão vivendo até não querer mais. É a virtude da tolerância daqueles que só comem carne fresca. Toleram as outras, mas sem um pingo de humour. De fato, não tem graça nenhuma morrer aos 90 anos, é por isso que aquele que chegou aos 90 não morre nunca mais. Pensa, amigão: Se vim até aqui, virei eterno. Amanhã é a minha vez de virar eterno definitivamente. O problema é que não virão em minha festa os meus, chamemos assim, contemporâneos, os meus verdadeiros amigos, meus amores de um tempo que não volta mais. Ah, aquele tempo, havia no ar, além de todas nossas incertezas, havia no ar algumas certezas, por exemplo, a certeza de que o grande chato é aquele que insiste em pedir o livro que nos emprestou de volta. Eu por algum acaso não estou com livro teu lá em casa, né? Ah, que bom, assim fica tudo nos conformes. Porque se tivesse livro seu lá em casa, dificilmente eu devolveria, é que agora não leio mais os livros da minha biblioteca, agora só quero ficar lá dormindo-os, e se eu devolvesse os teus, acabaria desfalcado dos sonhos que a biblioteca tem me proporcionado, tá entendendo? Mas está tudo nos conformes, não é? Tudo nos conformes e amanhã farei estes malditos 90 anos. 90 anos de imaturidade. 90 anos escrevendo prefácios para e sobre minha própria pessoa, instruções destinadas ao metteur en scène para atores, diretores, críticos, simpatizantes, etc. e outros trouxas, sempre insistindo no efeito moral de meus textos, chamados com recorrência de teatro desagradável. Desagradável mesmo, ainda bem que abandonei essa chatice, lidar com povo de teatro é uma coisa intragável. Ora bolas, querem agrados, que vão ajoelhar no milho! Comigo não tem nada de agradável, amanhã mesmo terei que suportar a festa, a maldita festa: Continua abstêmio, Bernard? Continuo, claro, mesmo assim, obrigado, Mas nem uma bicadinha, Bernard?, você mudou muito, está ficando sem graça. É claro que eu mudei, poxa vida, noventinha, não notaram?, seus beberrões putanheiros, seus... seus... seus duplamente carnívoros. E você, Bernard, não vai experimentar uma lasca desse delicioso lombinho à pururuca? Ou vai nos dizer que já está na base da dentadura? Dentadura... Tendo que aguentar esses chatos, e já com meus noventinha, acaba que eu tô merecendo ser canonizado. Santo!, essa é boa, Santo Bernard, o planeta não teria condições de acolher dignamente um santo como eu. Um santo já com os pés na cova. Puta que pariu, uma cova deve de ser um troço gelado pra burro. Esse frio é um crime, e ainda por cima a histérica da Elga me inventa essa porcaria de festa. No frio, meus ossos (Chacoalha o corpo como querendo desmontá-lo) acabam se contraindo até chegarem no ponto de eu virar um farelo humano. E Elga querendo festejar. A família é um esquizo troço, loucos são os familiares dentro da família, fora dela o mundo diga. Pra cada cinco ou seis sobrinhos-netos que nasçam, um tio-avô dará adeus. Só Elga, esta minha sobrinha, não me dá de presente uns sobrinhozinhos-netos para então eu poder me despedir. Feia, quem manda Elguinha ser tão feia. É feia que dói a desgraçada, por isso faz tanta festa, pra esquecer, viver anestesiada. Desculpe, companheiro, não sei explicar com clareza os motivos, mas às vezes eu fico assim mesmo completamente desanimado. É bom, claro, manter-me ciente de algumas coisas: De que, por exemplo, minha escova de dente vai continuar e meus dentes não. (Faz ação de pegar uma borboleta no ar, mas não há nada na mão dele, é só um efeito lúdico) Veja isso aqui, por exemplo, essa belezinha que tenho segura pelas asinhas entre o polegar e o indicador, escute bem, ninguém ainda me convenceu de que essas borboletas não são óvnis. É que a humanidade também é, não sobretudo, mas ainda assim, uma total compilação de catástrofes. Somos todos essa coisa: só tristeza e lábios compressos em meio a sorrisos trêmulos. Quer o meu perfil? Pois bem, que seja: Sou dolente entre a língua e o dente. Sou delicado e delinquente. Não sou pedante nem pedinte. E estou fulo da vida porque semana passada meu encanador me deu os canos. Como isto me foi traumático, decidi traumatizar-me à exaustão, tendo em vista que a defesa de qualquer trauma é repeti-lo. Então comecei a marcar dia sim dia não com o tal do encanador que, parece-me óbvio, já perdeu o respeito por mim. E é assim que vivo: suportando. É preciso suportar. E a verdade é que, embora eu não fume, vejo-me obrigado a concordar que no momento estamos precisando bem mais de cigarros e cartões de crédito do que de eternidade. Mas é necessário suportar. Urge que suportemos toda e qualquer overdose de réquiens. O que mais de meu perfil? Vejamos. Sou vegetariano. É que se eu como carne, pronto, lá estão um bando de Pit bulls brigando dentro do intestino. É correta a tua reclamação, o pessoal reclama mesmo, diz que conversar comigo é coisa pra descerebrado, que ninguém entende lhufas da minha linha de raciocínio, mas você acompanha, fique calmo, vou dando esses saltos porque com a idade que tenho se eu fico apegado a detalhes a coisa não anda, é óbvio que eu poderia narrar, por exemplo, as sutilezas de um único ser humano, ou de uma única casa, mas aí... Não podei as garras da fraqueza quando pude, agora fui agarrado. Gosto de dar meus passeios. Vivo por aí nas esquinas. É agradável aqui na Confeitaria das Famílias, você não acha? Apesar de que nunca vi uma família inteira entrar aqui, sempre os clientes estão sozinhos ou em dupla. Você já percebeu, não é mesmo?, tô por essas bandas tem quase um século. Eu ajudei a fundar essa cidade. Nem sei como foi que a gente inventou até cimento capaz de agarrar na neblina. De todo jeito, tanto agarrou que estamos aqui hoje. Se eu te disser que justo essa era uma dúvida que assombrava um par de simbolistas, você não vai me acreditar, mas ninguém lhes tirava da cabeça que o Emílio de Menezes na verdade era o leão-marinho Leôncio, aquele do desenho animado, se não me engano, do Pica-pau. Mas você não deve nem saber do que eu tô falando. Simbolismo, é disso que eu tô falando. Quer saber o que foi, o que é?, vai pesquisar, que agora tô com preguiça. Entra na internet, tem tudo lá no Google, não é assim? Eu tô dizendo, piá, era um tempo aquele em que as línguas dançavam geadas. Sempre que alguém entrava no elevador vinha aquela frase preciso de um amor que me aborreça. Dá uma segurada aí que preciso correr lá nos fundinhos.
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Ufa!, que alívio, se eu continuar assim mijando sem parar, daqui a pouco a Elga vai querer que eu comece a usar fraldão descartável, mas isso nunca! Olha, mas voltando à estória do amor e coisa e tal, eu vou te dizer uma coisa, na minha opinião, amor não correspondido é doença psicossomática. Aliás, permita-me reformular: na minha opinião, amor não correspondido não é amor. Ou até, pensando melhor, acho que só é amor quando a realidade perde a insignificância, entende? Engraçado, o amor tem ouvido absoluto, mas é surdo a certos chamados. Agora é que se me confundiu tudo, ai ai, preciso pensar. Perdoe-me ter chegado ao ponto de até parar pra pensar. Perdoe isso também de colocar a mão no queixo assim igual O Pensador, perdoe, são os velhos hábitos. Perdoe, mas é que tô quebrando a cachola aqui com um questionamento: E se o amor for uma pedra maciça com um oco por dentro? Eu sei, eu sei, mas a questão é: você pode amar muito alguém hoje e noutro dia amar muito outra pessoa, na mesma intensidade, entende?, e não precisa ser necessariamente o teu cachorro. Quer comer alguma coisa?, o amor, digo, esse papo sobre essas coisas, aliás, papo a respeito de qualquer coisa, dá uma fome desgraçada. Quer um risoles? Não? Eu quero: Ôo do balcão, você mesmo aí de branco tentando enganar que é enfermeiro, traz pra mim outra Wimi laranjinha e um risoles, dessa vez de queijo, que eu acabei de virar vegetariano. Nem perguntei: Você é vegetariano? Não. Eu tava começando a querer ser, mas em você não sendo, então de repente eu desisto também. Í, rapaz, chame o corpo de bombeiros, isole a área toda, chame reforços pelo rádio, se posicione na saída de emergência, que venham os helicópteros, pois agora a minha ida ao banheiro será por outro motivo, você sabe qual. Poxa vida, acho que os primeiros risoles e a Wimi não me caíram bem.
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Ufa!, que alívio. Demorei muito? Que bom. Sabe que quanto àquele papo de vegetaria- nismo e coisa e tal, parece que o pessoal votou uma lei aí em relação ao gado. Deve estar dando o maior pepino, porque claro que os deputados que querem aprovar não têm fazenda de gado, e os que não querem aprovar têm fazenda de gado, então como é que fica, né? Agora é que a gente vai ver quantas cabeças de gado existem na fazenda do Governador. Não sou muito de falar de política, mas você é piá novo, sabe quem é o Prefeito de Curitiba? Sabe, né. E o Governador do Estado? Claro que sabe. Foi o que eu fiz, apelidei os nossos políticos de Péssimos. Pra mim é assim: Péssimo III é o nosso prefeito, certo?, e é inimigo de morte de Péssimo II, que é o Governador, que era inimigo de morte de Péssimo I, etc. Fica meio confuso, mas é como eu me acho. Alguns acharam uma lástima que Péssimo I tivesse morrido, é que naquele ano ele tava cotado pra um prêmio que eu inventei pros políticos: Prêmio Nobel da Corrupção. Não é bacana?, dar a eles o que eles merecem, eu só conseguiria premiar um político assim, é toda e qualquer homenagem que eles realmente merecem. Não, eu não, nunca fui político, não me interessava ser, e nem hoje me interessa. Mas certa ocasião oportunizou-se a mim a feitura de um discurso bem no meio da Praça Osório, nem sei quanto tempo atrás, e não sei bem por quais feitos, ocorreu que subi à tribuna e comecei, falando de mim no plural como gostam os políticos: Agradecemos com sinceros votos de grata gratidão 1º os nossos filhos da puta, depois os vossos filhos da puta... Nem bem iniciara a explanação, sei lá por que cargas dágua, os seguranças me chutaram palanque abaixo. Mas não vamos falar de mim. Você por acaso é bombeiro, meu rapaz?, não? Por nada, é que às vezes me vem ao pensamento isso de achar que nós humanos como que deveríamos vir com aquelas portas antipânico dentro da gente. Cê sabe que uma boa portinha antipânico é você ser mestre numa arte marcial qualquer. Mas pelo amor de Deus, tô que tô me mijando, perdoe este boca-suja, mas preciso correr rapidinho ali na casinha.

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