domingo, 30 de agosto de 2009

o pão brutal de ontem

A lua de dentro dos vaga-lumes

Pianos com melodias de granizo chovem no que vai pensando a moça durante o trajeto que a leva para casa. O vidro do ônibus é o soco no qual o homem a divisa uma última vez mandando um beijo que contém gelado o tchau. Pesam no estômago da moça as nuvens de fim de tarde e o verão que a todo tempo grita “fogo gera calor que gera tempestades”. Logo, terá medo a moça feito o tem as pessoas sem paisagem, sem perspectivas de futuro? E mais: sentirá saudade? E pior: saudade de quem, de quê, desse homem? Depois a chuva pára. Então anoitece. E ainda vai a moça, agora a luz a flutuar feito a lua de dentro dos vaga-lumes em seus olhos que, possivelmente, estão fixos nas poças d´água que molham as calçadas de agosto. Enquanto o ônibus chacoalha, a boca muda da moça cospe pregos contra o homem. O ônibus se afasta oito, quinze quarteirões. Bem antes ela encostou a cabeça no banco e quase dormiu. E depois, talvez... E se agora dorme, sonha? E se sonha, ronca? E o sonho é o quê? Com quem? O sonho é exatamente assim: “Ele nunca mais vai por as mãos em mim, aquele animal. Mais uma dessas e vou até a delegacia das mulheres.” É o corpo dela lembrando com nojo as mãos ásperas do homem. O miolo das pernas ultrajadas da moça. Lá atrás, sem ao menos se dar conta desse levíssimo suspiro de frio e revolta na noite que lacrimeja de dor, lá atrás, nalguma calçada do bairro, o homem cheira a ponta dos dedos.

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