à sua maneira / de calção / com bandeiras sem explicação
carreiras de paixão danada Chico Buarque
quarta-feira, 30 de setembro de 2009
terça-feira, 29 de setembro de 2009
segunda-feira, 28 de setembro de 2009
curitiba noir, por fabiano vianna
especulações sobre o amor simples
domingo, 27 de setembro de 2009
especulações sobre o amor simples
o segredo está em
fazer a mulher rir
se tua garota, tua musa não for
alimentada com diversão
ela se esvai
enquanto ela rir
ficará tudo bem
atestei tantas vezes tal teoria
funciona mesmo na prática
o problema está em quando isso
não acontece naturalmente
você acaba fazendo o papel de
bobo da corte
e aí a coisa degringola
fazer o bobo da corte
é por tudo a perder
sábado, 26 de setembro de 2009
a paciente

o pão brutal de ontem

sexta-feira, 25 de setembro de 2009
quarta-feira, 23 de setembro de 2009
manual de putz sem pesares
Deglutidores de Dores
Nosso nome deveria ser o suficiente para esclarecer: Deglutidores de Dores. Uma gangue? Revolucionários? Não é bem o que somos. Deixe-me dizer mais ou menos como agimos e talvez as coisas fiquem um pouco menos turvas. Vamos lá. Para começar, chutamos o cu da violência enquanto ela nos chupava o pescoço. Então arrancamos com seringa seus miolos enlameados depois de com dez milhares de tiros termos botado abaixo sua vidraça de barro um dia erguida pelo pecado original. Matamos a violência. Bebemos o sangue, bebemos o gozo da violência feito quem aceita doses de seus prazeres sadomasoquistas. Milagrosos? Não, também não fizemos milagres. Fizemos um tour desvendando a rota dos genes da violência. Lixamos as telhas das cascas de seus furúnculos. Britamos as pedras de seu cancro. Tivemos a fome de sua fome. Não ignoramos seus guetos. Nem fomos os porta-estandartes de suas falsificadas utopias. Pisamos na violência nosso próprio veneno, que inchou. Depois enfiamos o nariz em seus fios desencapados. Eletrocutamo-nos junto com ela. E abrimos as feridas do mesmo modo que abríssemos o zíper de uma bolsa em que ela carregasse perfume para não cheirar a bicho, pensando que se distanciava de nós. Tínhamos espelhos, côncavos, convexos, para refletir nossas solidões nas solidões da violência. Ela era milionária? Exibia dores impagáveis? Mostrenga morfética? Então negociamos com ela a preço de uma nota de dinheiro baixo e mercadorias falsificadas em sua própria promessa. Negócios, apenas negócios. Vai violência, ordenamos, edifica tua igreja de assassinos em série com a missa lida na carne pulsante de teus crentes. E assim arrecadamos muito, incontáveis moedas, mas não o bastante. Então miramos a violência, lanças que só sossegam ao conhecer o outro lado de quem está em sua frente. E sussurramos: Também somos canibais, bruxos residem em nossa medula e no eclipse cheio de mácula de nossos olhos gotejantes. Violência, ah, violência... Quebramos o vaso da fina porcelana do amor em sua cabeça, assim demos liberdade total às flores do mal. Depois nos empenhamos na deglutição. E agora que, depois desses anos, conhecemos a paz, procuramos não nos esquecer de quanto é amarga a papa do pão que o Diabo amassou.
dois espetáculos imperdíveis
.
Texto e direção Sueli Araujo
Elenco Greice Barros e Patrícia Saravy
http://www.ciasenhas.art.br/
Teatro José Maria Santos
Rua Treze de Maio, 655
De 02 a 27 de setembro
de quarta a sábado, às 20h, domingo às 19h
Ingressos: 10,00 e 5,00
Informações: 3322-7150 e 9602-7651
terça-feira, 22 de setembro de 2009
a vida como ela é - nelson rodrigues

segunda-feira, 21 de setembro de 2009
revista lama
o pão brutal de ontem
Imagine a cena, querido, você está sentado, lê um romance, Proust. Usa óculos em decorrência do cansaço de horas e horas de leitura. E porque teus olhos já presenciaram horrores em demasia nessa vida. Digamos que teu aparelho de deslumbramento tá exausto. Na mesinha em frente, uma caneca de café, com florzinhas amarelas pintadas à mão na porcelana. Desculpa, estou exagerando. Posso te imaginar resmungando: Ela tá querendo me transformar num cara civilizado. Mas permita que eu prossiga. Entro vindo da rua. Agitada. Carrego sacolas, bolsa, guarda-chuva. Vou largando tudo no sofá. O guarda-chuva, coloco no lavabo. Você repara, mas não dá a mínima a minha entrada. Continua lendo. Começo a arrumar as compras. De tempos em tempos, olho pra você. Acendo o abajur, a tarde vai caindo mais aqui dentro que lá fora. A luz ilumina uma fotografia nossa à beira-mar, debaixo de um céu cinza de maio contrastando com o mar verde sem ondas. Então me posiciono na extremidade oposta àquela em que você está. Espero até que me olhe. E disparo: Eu tô cheia! Pânico mudo de tua parte. Disse “eu tô cheia!” e mais nada. Mas a frase, eu sei, continua se movimentando nas tuas entranhas, corroendo tua pacata almazinha de marido. Vou ao ponto nevrálgico: Sim, queridão, tô cheia feito um pote prestes a derramar seu líquido inflamável. Cheia de segredos. Segredos que não revelo por nada nesse mundo. Segredos que qualquer um teria nojo se eu revelasse. Tudo que sei é que você me atinge à queima-roupa. Quer meus olhos com açúcar e eu quero os teus. Você quer me bolinar, moldar minha carne. Só os tremendamente sensíveis conseguem te entender, eu não. Até aqui você não entendeu onde quero chegar. Por isso, continuo, como vocês homens dizem, surtada: Saiba, só os demasiado inocentes podem chamar um casamento tranquilo como o nosso de paz, eu não. Saiba, tua língua é acolchoada e tua respiração, de sal e coral, ou seja, traduzindo em fala de gente e não de intelectual, tua língua é uma droga, uma ameba, você, preciso dizer agora com todas as letras, não sabe chupar uma buceta. E tem mais, antes que me esqueça: odeio intelectuais. Sou professora de letras por falta de opção. Deus (sim, acredito em Deus, claro que você deve estar espantado, depois de todos esses anos crendo piamente que eu era como você, um nojento de um ateu, um ateuzinho de meia-tigela), mas Deus sabe, ah sabe, como odiei cada frase trocada com aqueles teus amigos insuportáveis, falando de um livro atrás do outro, achando que podem criticar resoluções políticas, com a empáfia de serem mais sábios que todos os filósofos, entendendo mais de direção de cinema que os ganhadores do Oscar. Me poupem, seus janotas de merda! É, você vivia vindo para cima de mim com versos, que absurdo, tenho muitos ainda decorados: “Você tem essa voz deitada / a me ensinar que somente os vivos / são capazes de perder a consciência”, o que é que alguém quer dizer com uma frase absurda como essa? Você era o rei declamador, oh quanta poesia em teu mundo. E eu: Aham, é, que lindo, amor. E tinha que meter a língua dentro pra você calar a boca. Querido, queridão, sei que basta um ato inconsequente para que eu provoque o sacrifício de alguém. E esse “alguém” sou eu mesma, ou é você? Se escolho entre dois amores, não sei se escolhi pelo amor de quem realmente amo, ou se escolhi pela morte do outro, a morte do desprezado. Qual de nós é o que se ferra nessa história, hein? O desprezo nunca será delicado, por mais que eu sorria, sorry. Por mais que também seja um luxuoso ato de amor o assassinato sem armas, sem sangue derramado, a morte que impede o prazer daquele que gostaria de me proporcionar o extremo. Poetas de fim de semana, que palhaçada. Sabe o que estou pensando agora? Que o desprezo é uma espécie de intimidade, assim como o segredo. E aí você se pergunta: O que será que ela quer dizer com tudo isso?, não seria mais fácil chegar aqui e falar que está tudo acabado entre nós? Não respondo o que quero. Não respondo nem que sim nem que não. Respondo que é “segredo”, hahaha, que hilário. Você agora está boquiaberto, né? Afinal sou uma mulher enlouquecida na tua frente. Enlouquecida, é verdade, ainda assim uma mulher que pensa. Tarde de mais pra você, quando resolve balbuciar alguma coisa, surpresa, continuo a catarse: Sabe por que guardo esses segredos? Porque tô na tentativa de desprezar nosso passado. É uma luta inglória, cê tá certa, mas sou cheia de esperanças. Sou ainda a burra de sempre, tentando em vão me olhar no espelho. Pois já não me reconheço mais no que vejo. O que salta dos olhos do meu reflexo são culpas de um passado sobre o qual a borracha do tempo ainda não agiu. Sabe de uma coisa? O problema de não esquecer é que a todo momento a gente lembra que existe algo a ser esquecido. Por isso, minha insistência é de ter lembranças, não esquecimentos. Eu te odeio e quero lembrar de você pra sempre, engraço, né? É que lembrando não esqueço que é preciso esquecer. E existe prazer nisso tudo. O mesmo prazer imbecil que você viveu encontrando em autores fedidos de metafísica. Viu o que você fez comigo, me dando essas imundices subjetivas pra ler? Hoje em dia tem momentos em que me distraio e, já viu, tô falando exatamente como um poeta xarope de quinta categoria. Objetivo, Rita, objetivo. Danem-se os objetivos. Tenho que falar, então agora vou falar do jeito que der, depois, no futuro, quando começar a me relacionar com pessoas práticas, quando estiver longe de professores de filosofia e chefes do departamento de letras, aí sim talvez possa desabafar com objetividade, por enquanto, vou falar como vier. Arfo e prossigo: Quer saber, existe prazer em meus segredos funcionarem feito um relógio quebrado. Os ponteiros sempre estão ali, parados no mesmo lugar. E eu a observar pela janela quando anoitece e quando de repente se faz novamente a manhã. Mas você, meu amorzinho, continua em silêncio. Você vive enclausurado no silêncio dos livros, vozes só dentro da cabeça, são as personagens. Fantasminhas de merda. E você, o leitor de sempre, esboçando um risinho estúpido de Monalisa pra elas. Quer saber, também não tenho nada mais a declarar, acabo de entender que essa profusão de sentimentos desarticulados não vai nos levar a lugar nenhum. Aliás, como sempre. Então vou pro quarto. Porque é obvio que você, o senhor leitor, prefere continuar me ignorando. No quarto, abro a última gaveta do armário, a emperrada, ela faz barulho, um barulhão, e o senhorzinho lá, só os olhos correndo da esquerda pra direita, virando a página do romance. Esse é um grande movimento, um esforço, não é mesmo? Sim, você tá no segundo parágrafo do último capítulo, ávido para seguir a história, quando meto um tiro no meu coração.
*Eis o conto que, a convite da escritora Juliana Hollanda http://www.sousachet.blogspot.com/, enviei para o blog Versos de Falópio http://versosdefalopio.blogspot.com/. Como disse, foi publicado ontem, na coluna O homem do domingo. Há também uma versão no meu livro Inverno dentro dos tímpanos http://www.kafkaedicoes.com.br/.
domingo, 20 de setembro de 2009
uma epígrafe
manual de putz sem pesares
Enquanto não empacotamos temos a poesia, essa coisa burra, barra pesada, catarrada que cola, endurece, vira coisa, embrutece. Essa que suja, é ruga precoce, foice não afiada. Essa que é limite perto e longe, penumbra eterna, lanterna no olho noturno. Essa que perturba pra perturbar, é tapão na orelha, acorda monstros invisíveis. Essa não tem, nem terá, raivinhazinha de você. Tem, sim, da panelinha indefectível. Essa, pra eles, é burro quando foge dando coices. Tem cor de corruíra incorruptível, é filha da daltônica arara faladeira. Essa não é pra adular, é pra durar, durar, urrar tantã, tão incrível, verso estrábico que só sabe ver como antídoto quem não for doutor anti-poesia. Essa forma não define, revolta redundante, renitente, independe deles, pende independente pra quebrar o dente desses babacas. Essa é um puta susto: Bú! Tomem no cu bestas! Basta abrir páginas d’alma e essa é um trauma. Essa eles nunca, never, jamais, jamé, nem mooorrrtas imaginaram partindo de mim, né não? Essa custa caro, castra, resume, deforma em vale-tudo, some, coage o paradigma desses merdas. Essa é maligna, é enguia, é guia traíra de cego, é atropelo. Essa não tem rabinho atrás, pernas longas pra atrasar atrasos. Essa não fica de quatro, chuta forte quem tem a bunda abundante. Essa tá cagando e andando. Essa manda um foda-se. Tem o bolso gigante, fundo, gordo de vida, não de grana. De imaginar valor, essa sabe soma, sal, sabor, sol, suor. Essa soma cenas. Essa sabe ser o que é e o que quer. Essa vai continuar aqui até o fim. Pré-molda caixão, transforma em pasta, estampa na testa, atesta sextas-feiras de festas. Essa é coisa, coisinha, coisica, coisiquinha, casca-grossa, vai durar nanica e grande-eloquente. Maníaca, essa pendura coleira, mastiga o osso insosso, é carne de pescoço. Essa é um cachorro sarnento cheio de cólera. Vai vôo durar goela abaixo, rabo adentro.
sábado, 19 de setembro de 2009
uma epígrafe
três fragmentos de uma minha novela ainda inédita e sem nome
Eu tinha 12 anos e você 11. Não só por isso estávamos achando a cerimônia do casamento da sua prima (sim, era ela) uma coisa muito chata. Então fomos para o jardim atrás da igreja. Você olhou para os meus pés, aí deu um chutezinho leve nas botas. Erguemos os olhos e eles quiseram falar algo muito íntimo, que só os quatro, mais nossos 20 dedos dentro das botas, deveriam saber. Meu rosto estava sorrindo para tua boca, que veio e deu um beijo nele. Então a minha boca ficou com ciúme da bochecha e foi beijar a tua boca. Aceita casar comigo?, perguntei. Você ficou um pouco de perfil, olhando de viés para mim. Era aquela hora do lusco-fusco, você se destacava na tarde cinzenta feito um girassol. Demorou mais do que eu podia aguentar para responder, mesmo assim aguentei. Suspenso pelo temor da negativa, aguentei. Os sinos da igreja começaram a ir para lá e para cá com seu blém blém. Até que, por baixo daquele som, veio tua voz clara feito um copo de água: Aceito. E foi assim que nos casamos a primeira vez.
Os metereologistas não davam uma dentro. Devia estar uns três graus centígrados. Era muito cedo e a geada ainda não tinha dado sinais de que ia derreter. Depois do telefonema da tia Ruth não fiquei um minuto sequer sem pensar em você e na chácara. À noite não preguei o olho. Tinha as costas doloridas até que, não podendo acordar, pois não dormira, emergi da madrugada de gelo como um esquimó que vê seu iglu pegar fogo. Tomei café com leite e um misto-quente na panificadora na esquina do meu prédio, no centro, em seguida entrei no primeiro ônibus que vi e fui desembarcar só no terminal de Santa Felicidade. O dia ainda escuro. Andei até a nossa velha rua sem saída, quase não a reconheci com seu asfalto novo em folha, ainda molhado, por cima do chão batido. Tirei o caderno com capa de couro do tio Breno de dentro do bolso, abri, e lá estava: 50 propostas para uma vida melhor. Talvez eu estivesse tentando colocar algumas delas em prática. Não deixar que meus antepassados morressem em minha memória, era uma boa. Então me pus a escrever para você, porque, agora com a venda da chácara, com a doença da tua mãe e da tia Ruth, me deu um medo de ficar sozinho, de não aguentar. E como eu acho mesmo que não vou chegar a ser um desses velhinhos simpáticos, com problema de audição, sobrancelhas desgrenhadas, vestindo calça de veludo e pulôver que cheiram a mofo e sopa, tentando curar uma tosse crônica com xarope de mel... agora... eu... É uma pena que eu não vá chegar lá. Tanto meu pai quanto tio Breno foram esse tipo de anciões. Mas o que você tem com isso? Ainda mais depois de tantos anos? Não quero passar a vida sofrendo dessa nostalgia boboca. Tua vida agora é outra, talvez você sequer se recorde da família Brennelli, quem dirá da velha chácara que agora será vendida e, possivelmente, transformada em condomínio de luxo, ou numa fábrica, ou ainda num maldito shopping. Esse lugar que para nós, para mim pelo menos, talvez no passado tenha sido uma espécie de paraíso, belo e assombrado, como são as infâncias.
especulações sobre o amor simples
fui procurar o humano fora da minha mulher
mas buscar é o exílio de buscar
garrafas de vodka ignoram que
tudo trinca por dentro antes de congelar
alpinistas morrem escalando o vento sul
e orelhas são tragadas pelo oceano quando
fui procurar o humano fora da minha mulher
e isso é como pegar alguém que já não é alguém no colo
um saco de gelo que a mão não aguenta
incapaz de chorar, suando geadas
debaixo do pulôver quando as ausências
pulsam feito órgãos fui procurar
o humano fora da minha mulher
sedentos por loucura, no instinto
os homens se igualam, mas foi em vão que
cruzei fôlegos num fôlego só
se com a boca diante da fonte fugi
optei permanecer sedento?
só se eu fosse um tolo, e não sou
numa braçada quis engolir sacos de sal
e isso é impossível de se fazer sem nunca
aportar na temperatura máxima da sua febre
sexta-feira, 18 de setembro de 2009
gabriela carneiro da cunha
Como nossos pais
.
Não quero lhe falar
Meu grande amor
Das coisas que aprendi
Nos discos
Quero lhe contar
Como eu vivi
E tudo o que
Aconteceu comigo
Viver é melhor que sonhar
E eu sei que o amor
É uma coisa boa
Mas também sei
Que qualquer canto
É menor do que a vida
De qualquer pessoa
Por isso cuidado meu bem
Há perigo na esquina
Eles venceram e o sinal
Está fechado pra nós
Que somos jovens
Para abraçar seu irmão
E beijar sua menina
Na rua
É que se fez o seu braço
O seu lábio
E a sua voz
Você me pergunta
Pela minha paixão
Digo que estou encantado
Com uma nova invenção
Vou ficar nesta cidade
Não vou voltar pro sertão
Pois vejo vir vindo no vento
O cheiro da nova estação
E eu sinto tudo
Na ferida viva
Do meu coração
Já faz tempo
Eu vi você na rua
Cabelo ao vento
Gente jovem reunida
Na parede da memória
Esta lembrança
É o quadro que dói mais
Minha dor é perceber
Que apesar de termos
Feito tudo o que fizemos
Ainda somos os mesmos
E vivemos
Ainda somos os mesmos
E vivemos
Como os Nossos Pais
Nossos ídolos
Ainda são os mesmos
E as aparências
Não enganam não
Você diz que depois deles
Não apareceu mais ninguém
Você pode até dizer
Que eu estou por fora
Ou então
Que eu estou inventando
Mas é você
Que ama o passado
E que não vê
É você
Que ama o passado
E que não vê
Que o novo sempre vem
E hoje eu sei
Que quem me deu a idéia
De uma nova consciência
E juventude
Está em casa
Guardado por Deus
Contando o vil metal
Minha dor é perceber
Que apesar de termos
Feito tudo, tudo
Tudo o que fizemos
Ainda somos
Os mesmos e vivemos
Ainda somos
Os mesmos e vivemos
Ainda somos
Os mesmos e vivemos
Como os nossos Pais
Belchior
manual de putz sem pesares

.
O ser humano é igual nuvem, em 15 minutos pode mudar mais de 15 vezes. 15 minutos é tempo suficiente para se chegar à exaustão. 15 minutos é o tempo de um bom banho. É tempo para se quebrar o pau com a namorada pelo telefone. Em 15 minutos se toma um café com aquele amigo que você não via há anos. Em 15 minutos se prepara uma lasanha no microondas. 15 minutos é tempo para ficar famoso, morrer e ressuscitar. É o tempo de uma sanguinária briga de galo. É o tempo de uma sanguinária luta de vale-tudo. É o tempo de uma sanguinária chacina. É o tempo necessário para se chagar ao gol. É o tempo para o garotinho de 15 anos melar a cueca. Se temos 15 minutos podemos fazer algo antigo, flanar, por exemplo, por ruas de bairros bucólicos, ou nos dedicar à botânica. 15 minutos, 15 minutos. Em menos de 15 minutos alguém anda na prancha do navio pirata para ser lançado aos tubarões. Em menos de 15 minutos alguém cruza um túnel qualquer com o rádio do carro fora do ar. Em menos de 15 minutos a mosca azul zune depois de enterrados os mortos. Em menos de 15 minutos um jet-boat abre uma cicatriz absurda em baías sujas de óleo. Recomenda-se que todos tirem ao menos 15 minutos por dia para si. 15 minutos, o tempo recomendado. De qualquer modo, os puteiros da cidade não são lugares recomendáveis se você só tem 15 minutos. 15 minutos. Todo mundo tem 15 minutos, só a pressa é que não tem. A pressa joga squash. A pressa toma sal de fruta para digerir angústias. Sem cigarros a pressa é intragável. A pressa queima a língua e a ponta dos dedos fumando baseadinhos em localidades de risco. A pressa inventou restaurantes à quilo. A pressa fabricou carros de fórmula-1. A idade é uma filha que a pressa tem. Todo mundo tem 15 minutos, só a pressa é que não. A pressa almoça barrinhas de cereais na farmácia mais próxima. A pressa não gosta, mas se submete às segundas-feiras. A pressa conhece avenidas, e ignora as esquinas. A pressa tem pressa, quer fazer de você alguém descartável. A pressa é quem faz pessoas serem esfaqueadas, asfixiadas. A pressa mete bala em teus miolos em troca de dinheiro. Se a pressa é inimiga da perfeição, ela é a melhor amiga do dinheiro. A pressa criou cadeias de fast-food. Deu esperança aos freelancers. Criou a sensação de déjà vu. Inventou enciclopédias, depois o Google. 15 minutos é o tempo que um dentista sem pressa tem para arrancar teu dente podre anestesiado.
uma epígrafe
Juro pra você que não foi isso.
Diz quantas vezes por dia você beijava e vou dizer se era bastante.
Quatrocentas.
quinta-feira, 17 de setembro de 2009
notas para um livro bonito
sou uma espécie de latin lover sem
bigode na saída da Catedral olhando
passar meninas brancas embrulhadas em lã
tenho um cigarro nos dentes e
nunca mais a preocupação de não levar
uma bronca da minha avó
cachorros latem longe o sangue das veias
é sempre domingo quando
amanhece no centro velho
os sinos abalam o vôo das pombas
girinos nos lagos do Passeio Público são
lâmpadas fosforescentes dentro da neblina e
a Ilha da Ilusão abriga uma
barraquinha de cachorro-quente
junto, esse simbolismo impertinente
fora de época, o mesmo magro odor de
encontrar o fantasma do
Emiliano Pernetta acenando um
quarta-feira, 16 de setembro de 2009
especulações sobre o amor simples

não franze os lábios
não respira
até que tua garota surge
assim feito os segundos que
antecedem a composição de
uma melodia
e aí você dança
fica todo babado
a compressa de calor das
axilas dela derretem teu
coração de margarina até
não restar mais do que
um pouco de saliva queimada
ínfima mancha no lençol
você olha pro lado: cadê?
ela sobe, some, assombra
por que não é de outra forma?
depois que você deságua
lentamente, inteirinho
pede licença pra esse ausência
e vai arranhar o espelho do
banheiro até apagar a
própria imagem pra
substituí-la pelo apelo
o apelo, o apelo
agora esse é seu rosto
que não pisca
não franze os lábios
não respira
barras antipânico e barrinha de cereal na revista top view

.
estréia a vida como ela é
feliz aniversário, nina rosa
ou
Uma pequenina peça de amor revista
.
Em algum momento do texto, ou durante o texto todo, fica a cargo da atriz, ela deve cantar. É um canto conhecido, cantado sempre por todos a sua volta. Mais se assemelha a uma fala de amor o canto. O canto é assim: A vida a vida a vida a vida a vida a vida a vida a vida a vida a vida a vida a vida a vida, eu aceito isso.
que é pra você
pois se aqui estou
é porque estou viva
e se estou viva
é porque tenho coração
e se tenho coração
ele é uma coisa que pulsa
não um sapo ou um baiacu
um sapo ou um baiacu são
coisas que pulsam
mas eles dois
mas eles não são nojentos
são um sapo e um baiacu simpáticos
bonitinhos
de desenho animado
então, esse coração
que é esse
sim, pulsa
mas por aqui
a gente gosta de dizer
não que ele pulsa
mas que ele bate
então se bate
bate por quem?
bate por você que tanto venero?
vou dizer que te amo
que te venero
é claro que eu devia fazer isso!
se te venero
deve ser por você que o meu
coração bate
sim, é por você que o meu
coração bate
ele
ele ele ele ele
bate por você
pra você e
pra me manter viva em você
ele
ele ele ele ele
bate pra que eu possa fazer
feito essa
na qual você reparou
feito essa pela qual
você foi conquistada
essa que é só pra você
pra você, pra você
que até o momento parece sentir
exatamente o mesmo que
venho sentindo
que sapos
ou baiacus
podem até ser bons signos para
se colocar em cena e
metaforicamente ser
chamados de “meu coração”
mas isso que está aqui
na verdade são os teus pés nus
lavados humildemente nas
terça-feira, 15 de setembro de 2009
luiz ruffato
especulações sobre o amor simples

as sardas no verde dos meus olhos
as garras de caranguejo
mastigam minha boca
as pernas longas
a bundinha, curvas desenhadas por
alguém muito esperto
talvez um Mondigliani com
quatro garrafas de tinto na cabeça
o cheiro do olhar de safada
me ajuda a tirar sua blusa
ali estão os peitinhos acusadores
depois, levanto a saia
a mão esquerda puxa a calcinha
pêlos vastos, sem aparo
avanço os dedos e
é um creme o clitóris
ela pede: lambe, amor
lambo
enquanto isso, ela cava a
terra que envolve meus olhos
arranca-os das raízes
come-os
venda-me com a tarja do fogo
serve-me vivo para banquetes de
exus quando a morte não tem pressa
vejo, assisto e adoro
mordo sua nuca
agora o pescoço
nos beijamos com
línguas que são carne-viva na
carne-viva
desço pelas costas
carícias com o nariz nas axilas
vou para a barriga, umbigo
descontrolada
diz coisas sem sentido
pede mais
intensifico o abraço
ela me afasta
então bebo de sua mão o derrame de
um tapa na cara
mais beijos nos seios
ela dá um gritinho abafado
quando começo devorar
seu coração, esse
peixe liso que se debate
exploro novamente o abdômen
e outra vez lambo as coxas meladas
abro o zíper
tiro calça e cueca como fossem uma peça só
deito puxando ela para cima
senta de uma só vez
a estocada e
desejamos dar frutos
vem o orgasmo
gozamos mordendo os
lábios um do outro
os dentes são ferinos felinos
nos apertamos
prensamos
carimbamos
então sobem de nós
dejetos de choro e alegria
sem mais ontem nem amanhã
só eu e minha garota
outra vez em chamas
só agora entendo
o fogo vai ocultando o que devora
segunda-feira, 14 de setembro de 2009
notas para um livro bonito
dramaturgia em curitiba
viva o mestre chacal
para que viver?
para experimentar.
para que experimentar?
para conhecer.
para que conhecer?
para se encontrar.
para que se encontrar?
para se perder.
uma epígrafe

domingo, 13 de setembro de 2009
balbucios de blues
tentei tirar a prova dos nove e tive que
voltar lá de dentro escalando sem
equipamento de segurança
comigo sempre foi difícil
nunca tive muita coisa
cavalos nem revólver
jamais conquistei a mocinha com
tiros e galopes
tampouco com meus rocks
foi sempre necessário engolir um
deserto em cada esquina
funcionando feito um cacto
nunca tive grandes coisas
além de bons pais que me acolhem
e alguns amigos que dividem a
mesma fome
aprendi a uivar para ser ouvido no
escuro dos poemas
uivar não feito um lobo
mas qual o homem jurado de morte
ferido a prata por algum
General Custer que
vivia de tocaia por aí
sábado, 12 de setembro de 2009
especulações sobre o amor simples
luz feita de grãos que se espalham a
cada rajada de gemidos, calor
nalgum ponto capaz de
tornar superfície as secreções
privilégios dos sabores
afagos da saliva
cheiros que são toques
sucos, suores da inconsciência
a animalidade é o espírito
tua porra tua porra tua porra
tão efêmera quanto um espirro
sexta-feira, 11 de setembro de 2009
balbucios de blues
enquanto eu fazia as malas, ela mascava balas de goma
eu só a procurava nos fins de semana, mas ela me
queria todos os dias em sua cama de pregos
eu não acreditava como uma garota linda como aquela
podia estar comigo
ela dizia que eu era esquisito
como podia não gostar de descer pra praia?
era porque eu tinha vergonha de tirar a camisa
ela, por outro lado, não ia muito ao Café Mafalda, por princípios
eu amava os cabelos cheirosos dela
o vinho fazia tão bem para seu coração
e o meu estava constantemente derramado numa taça esperando
mas ela não tinha um paladar com critérios dos mais elaborados
jamais diferenciaria uma preciosidade de algo que apenas
mantivesse seu cérebro anestesiado
por isso às vezes me trocava por algum ou alguma idiota
talvez gostasse do vômito, da resseca no dia seguinte
se tudo der errado, dizia cheia de dengos
me suicido com uma navalha que não grita
por aí pode-se intuir que minhas futilidades enchiam o saco dela
que também reclamava das minhas roupas de velho
as roupas, por sua vez, não se incomodavam com o
fato de meu corpo viver cansado
eu era mais um dos indigentes filhinhos da
mamãe que vivem por aí bancando os espertos
mas na verdade, a tristeza se escorava em mim
e a esperança não passava de um requinte
a escuridão, no entanto, não me amedrontava quando
libertava os fantasmas dela
era o seu medo que roia o pé da nossa cama
o estrado, colchão, cobertor, não o meu
eu dizia: é que a escuridão não desampara as
pessoas no meio da madrugada
e ela: você não tem medo de ser devorado
já reparou como a solidão tem caninos afiados?
eu ficava quieto
sabia como as coisas funcionam
a mulher que queira devorar um cara como eu
sempre agirá feito uma cadela
mas não serei eu a providenciar coleiras
quero dizer, que ela fosse procurar carne onde achasse melhor
ou então era mais prático meu coração ser um osso
balbucios de blues
e não olhar para trás se não tem ninguém mais por lá
é melhor desistir do que desesperar diante de quem não ama
mesmo que nunca, que não, que em hipótese alguma
é melhor acreditar que alguém vai chegar e
que você será tocado pelos dedos mornos, não da esperança
mas disso que um dia chamou “tecnologia do afeto”
você já assistiu cenas seguidas de cenas sem
poder evitar que partissem
agora, antes que aconteça outra vez, é
preferível saber que as coisas dão errado, que
tudo poderia ser pior, que o mundo é grande e repleto de
projetos, moda, melancias feitas sob medida para
pescoços duros de roer e sorrisos de hienas
então, não deixa de ser uma boa opção terminar
antes que no fim do fim do fim alguém
venha dizer que você não serve
pelo fato de já não conseguir se superar e
ser mais fodão do que foi um dia
todos se ressentem disso, saiba, você tem uma
irreverência que beira a promiscuidade
é atormentado demais, incômodo demais para
que seres humanos extraordinários
possam suportar teu bolerão
quinta-feira, 10 de setembro de 2009
uma epígrafe
revista lama
http://www.youtube.com/watch?v=uNuml2Gif7E Esse é o primeiro trailer de divulgação da Lama. Revista impressa que pretende instigar a produção de uma literatura pulp brasileira. Os escritores e ilustradores deste exemplar criaram seus contos de horror, suspense ou realismo fantástico com completa liberdade temática. O resultado englobou temas bem distintos, criando assim uma edição muito rica. Criaturas, psicopatas, vampiros, detetives. Do terror ao suspense. Do realismo fantástico ao horror inimaginável. Contos de: Ana Paula Maia, Fabiano Vianna, Luiz Felipe Leprevost, Assionara Souza, Martha Argel, Giulia Moon, Daniel Gonçalves, Rodriane DL, Gisele Pacola, Simone Campos & Emanuel R. Marques. Artes de: Pianofuzz, Francisco Gusso, Daniel Gonçalves, Yan Sorgi, Mopa, Bruno Oliveira, Sueli Mendes & Firmorama.
http://www.revistalama.com.br/