sábado, 5 de setembro de 2009

coração vagabundo

Luiz Felipe Leprevost, Maíra Lour e Caetano Veloso,
pela lente da Paula Martins
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Quando Caetano Veloso veio apresentar o show Zii e Zie em Curitiba, em junho desse ano, tive a oportunidade de acompanhar a produção mais ou menos de perto. No dia da sua chegada, eu e Maíra Lour estivemos com ele no Hotel Rayon. O abraçamos e lhe ofereci meus livrinhos, Ode Mundana, Inverno dentro dos Tímpanos e Barras antipânico e barrinhas de cereal. Apesar de rápido encontro, o mestre nos recebeu com cordialidade e atenção.

Caetano na ocasião conversou com a jornalista Malu Mazza, que além de fazer perguntas relacionadas ao show, aproveitou a oportunidade para colher depoimento dele sobre Paulo Leminski, por motivo de um documentário que está sendo produzido sobre o poeta curitibano.

Durante a entrevista, minha impressão foi a de estar diante de um Caetano sábio e sóbrio, porém um tanto machucado afetivamente, por seu país, por pares e amores do passado. Do show, na noite seguinte, ficou-me o homem entristecido, o guerreiro já tão vitorioso, que deveria estar apaziguado, mas do qual ainda se cobra muito. Por um lado, tal cobrança é salutar, pois foi, possivelmente, dentro desse turbilhão de sentimentos contraditórios que Caetano produziu discos viris e ferinos como Zii e Zie, em que volta, de algum modo, a referências de formação, e o anterior , no qual expõe sua sexualidade, conflitos e virulência afetiva.

No dia seguinte ao show, soube que Caetano teria pedido ao motorista, após apresentação no Teatro Positivo, que o levasse passear por Curitiba. Parece que desejou ver o Museu Oscar Niemeyer. Então, fiquei com a imagem um pouco angustiada na cabeça: chuva rala na cidade, o artista abordo de um carrão, só ele e o motorista, silêncio ali dentro, ele olhando o "Olho" da janela do carro.

Ontem estive na estréia do documentário Coração Vagabundo, dirigido por Fernando Grostein Andrade. Apenas eu e, coincidentemente, o jornalista Omar Godoy (http://oultimoachegar.blogspot.com/) na platéia. Gostei do filme. A fotografia é bela, mostrando Nova Iorque e Tóquio, bastante poéticas.

Omar teve a sensação de que o diretor conhecia pouco o seu personagem. Isso, ou então houve um acordo entre as partes de não transformarem o filme em libelo de nada, ou em tese de defesa de conceitos. Pelo contrário, é uma obra leve, sem cortes para imagens de passados arquivados, praxe em documentários sobre personalidades pop. Esse, apenas revela um pouco da intimidade do artista em turnê. Disso, tira boas falas de um entrevistado inquieto. Em certa altura, Caetano conta não suportar a idéia do artista iluminado, do ser especial. Diz, com todas as letras, que ele não é esse tipo de pessoa, desmistifica-se. De certo modo, desnuda-se, no entanto, aquela estória dele aparecer pelado é uma bobagem. Para o bem do trabalho, acontece sutilmente, assim como outras passagens, por exemplo, quando o artista menciona a filha falecida.
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Noutros momentos, é mais direto e incisivo, ao dar depoimento sobre religião, ou então quando aborda polêmica levantada por Hermeto Pascoal que, em resposta a opinião de Caetano de que a música norte americana é a mais importante do mundo, teria saído em defesa da música brasileira.
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O ponto alto do documentário está na presensa de Michelangelo Antonioni. No camarim, antes de entrar em cena, em bate-papo informal, Caetano cita para a câmera Antonioni. Fernando Grostein Andrade então, vai atrás e consegue fazer algumas imagens do cineasta italiano, bem velhinho, sem poder falar, com a esposa a seu lado respondendo por ele. Simplesmente de cortar o coração.

Durante o filme voltou a mim aquela impressão de um Caetano machucado, pungido. As filmagens são de período anterior a separação de Paula Lavigne. A crise do casal está bastante aparente no documento.

Entre outras coisas que julguei importante, ele fala do sentimento de ser brasileiro, filho de país de terceiro mundo, de se sentir inferiorizado ou marginalizado lá fora. Não se declara um cosmopolita, mas alguém vindo do interior. Nisso fiz uma leitura, mais uma vez, em prol do que resta de pequenino em nós, esse sentimento humilde e pobre do homem interiorano, cada vez mais raro. Apesar da obra ser imensa, e de sua consciência sobre o que seu trabalho representou e representa para o Brasil, identifica-se facilmente em Caetano uma humildade matuta, desconfiada, mas cordial. A beleza de tal reflexão se potencializa no fato do compositor Brasileiro ser absolutamente reconhecido em terras estrangeiras. Ele não é um pop estar apenas no Brasil, mas também em outras partes do mundo. São os ecos de seu trabalho, que, por essência, não admite fronteiras.

É verdade, enxerguei em Caetano essa tristeza que move. No entanto, num momento do filme, contradizendo o que pensei, ele diz ser um homem do sol, da alegria, da saúde mental, da consciência. Em suas canções e depoimentos, a todo momento luta por isso.

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