Fui ver A vida como ela é - Nelson Rodrigues, em ótima adaptação e direção (arisco dizer, brechtiana) de Edson Bueno. Pretendo escrever a respeito. Para isso, terei de assistir outra vez a peça, dada a complexidade do tema. Por enquanto, publico as letras das músicas compostas pelo maestro Octavio Camargo, responsável pela trilha do espetáculo. Fico feliz por assinar parceria em duas dessas pérolas.
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Cheiro de saudades
(Octavio Camargo, Chiris Gomes)
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hoje as palavras estão corrompidas
as mesmas palavras que um dia
foram jóias
guardadas num cofre
pra não se perderem
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de vez em quando precisamos
dar uma volta ao passado
e somos vitimas de falsas lembranças
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a memória tem suas alucinações
a sublime obcenidade diz
que a morte tem
cheiro de saudades
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Íntimos segredos
(Octavio Camargo, Chiris Gomes, Luiz Felipe Leprevost)
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bebados, boêmios, amantes da música
e moralistas de plantão
frequentam esse cabaret onde funciona a redação
onde os fatais destinos são escolhidos a dedos
páginas e páginas
sujas de tinta
é dia de sangue no jornal
e todo mundo vai ganhar
um extra nessa edição dominical
nossos intimos segredos, carícias e beijos
caindo nas mãos de bebados, boêmios
amantes da música e moralistas de plantão
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Pecado original
(Octavio Camargo, Luiz Felipe Leprevost, Fabíula Nascimento)
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o contorno dos teus lábios
quando dizem eu te amo
tem o rosto diabólico do pecado original
um convite para sair dessa vida
com uma única mordida
porque o corpo também pode
silenciar suas vozes
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quando você estiver muda
suturada sua boca
a orelha ficou surda
não há Deus que te acuda
nem há Judas que te livre dessa culpa
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você tem mãos e não as usa
sua filha da puta
você tem mãos e não tira as luvas
sua filha da puta
você tem mãos e não as usa
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Sem exagero
(Octavio Camargo, Chiris Gomes, Letícia Sabatella)
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bebendo vinho aos pouquinhos
te vi falando baixinho, sem exagerar
dizendo só o que se deve
nada além do que pede a boa educação
pois no mundo da mercadoria
o que predomina é a imagem
que se mostra
nunca a verdade do coração
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foi aí que o teu amor se mostrou comportado
excessivamente preocupado em dar atenção
primeiro aos presentes
que estavam indiferentes
à nossa separação
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entre sorrisos de bom dia e apertos de mão
conversas sobre o tempo
em teu rosto não havia
nenhuma expressão de sentimento
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Língua madura
(Thadeu Wojciechowsky, Octavio Camargo, Bárbara Kirchner)
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língua madura, como vai a vida, bendita e querida
ou anda sofrendo mais do que mulher de vida facil
conta pra nós, qual é a sua, língua madura
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um homem de sua estatura
com toda essa envergadura moral
deveria andar de cabeça erguida
e nunca com a mão no bolso procurando um drops
pra mulher bomba que vai explodir seu coração
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diga então, língua madura, como vai a vida, bendita e querida
ou anda querendo subir de posto nesse partido alto
e ser apanhado de pijamas
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fica bacana, um homem de bem coberto de lama
completamente iludido por um beijo no asfalto
por favor toma tento, não faça vergonha
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se atrapalhando todo atrás de um isqueiro
pra acender por primeiro o cigarro
de quem não te ama
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Segue também texto do diretor Edson Bueno escrito um dia antes da estréia de A vida como ela é - Nelson Rodrigues. Fui buscar a crônica em seu blog http://efranbueno.blog.uol.com.br/.
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Estreia amanhã, “A VIDA COMO ELA É - NELSON RODRIGUES”, minha nova aventura (minha não, minha e de meus atores!) no universo mexido e remexido de Nelson Rodrigues. É gostoso brincar com a sua obra e as suas palavras. Tivesse disposição, dinheiro e coragem e teria dedicado a vida inteira a encenar apenas Nelson Rodrigues. Acharia mil maneiras de colocar em cena absolutamente tudo o que me fosse possível. As frases, os artigos, os contos, as peças de teatro. Teria, com certeza, tido uma vida artística intensa (a minha é, mas teria sido mais!) e original. Ontem, dando uma entrevista para um (excelente!) jornalista da Gazeta do Povo, ele me perguntou quantas peças eu dirigi. “Setenta”, eu respondi meio de soslaio. Talvez tenha sido menos, talvez tenham sido apenas sessenta e sete ou seis, tenho que calcular, mas foram muitíssimas e numa sinapse fajuta, eu raciocinei a minha disposição. Por quê? Por que tantas? Não, não foi por dinheiro, porque foram poucas as que me deram boa grana. Por que, então? Que necessidade tem sido essa de encenar? Talvez um complexo de megafone ou de bufão, quem sabe? Mas o fato é que gosto de dizer o que penso das coisas e da vida. E gosto do palco preenchido de gente. Gosto de ver o ator vivendo uma ilusão que não é ilusão, porque está ali, criada e viva! E tenho paixão por um determinado momento dos ensaios, pertíssimo da estreia, quando os diversos elementos começam a se juntar: cenário, figurinos, músicas, sonoplastia e a iluminação. E você vê os atores encaixando-se no meio de tudo e reelaborando aquilo que elaboraram durante meses. É novidade pra todo mundo! Alguma coisa de magia, de fantasia, de sonho e irracionalidade acontece. E você se sente um privilegiado no meio de um mundo de realidades. Você vira um efeito especial. Não é mais gente, não é mais nada. É uma fantasia tornada realidade. Não é mais nem menos que qualquer coisa, é apenas uma festa do espírito. E aí eu resolvo pensar, como sempre penso, em Orson Welles! Longe de mim me comparar a ele, embora uma das mais belas cenas do filme de Tim Burton, “Ed Wood”, seja aquela em que o Ed senta-se numa mesa e conversa, naturalmente, com o gênio. Um exalava genialidade, o outro maluquices, mas os dois sabiam o que era cinema. Tim Burton ao criar essa cena, com certeza lembrou-se da famosa frase do Orson: “Cinema é sonho! E um sonho pode ser confuso, estranho, aterrorizante como um pesadelo. Mas nunca é uma mentira!” Pois é. E agora pela manhã, mandando um cartaz para o Solda, pedindo a ele que divulgue o espetáculo em seu blog, pensei em uma frase que resumisse o espetáculo. Pois bem, saiu essa: “É Nelson Rodrigues lutando contra os idiotas de objetividade e entregando-se de corpo e alma ao óbvio ululante”! Vamos conferir e seja o que Nelson quiser! Edson Bueno.
Olá Luiz,
ResponderExcluirQue alegria ver as canções postadas aqui! Apareça pra gente fazer as próximas.
Abraço,
Octavio
massa, octavio. vamos fazer muitas novas. abração, mano. lepre.
ResponderExcluirAssisti a peça e adorei as musicas...
ResponderExcluirProcurei em vários lugares e não acho.
Vc tem elas gravadas? ou algum vídeo?