quinta-feira, 16 de dezembro de 2010
sábado, 11 de dezembro de 2010

O que estou fazendo da vida? Estou lendo, abrindo e fechando a janela. Estou descascando limões e esfregando nos olhos. Estou bocejando. Estou perseguindo insetos. Estou pregando as pálpebras. Estou na obscuridade. Um dia vou meter a cabeça numa serra elétrica, a mesma serra que matou Tati.
Por ter consciência desse quadro lamentável, numa manhã dessas acordei decido a virar o jogo. Sou escravo dos meus humores. Vesti um blazer e fui falar com ele. Os seguranças e as secretárias não me conheciam pessoalmente, tampouco tinham ouvido falar de mim. Fazia mais de seis anos que eu não ia ali. Foi difícil chegar à sala da diretoria. Tive que fazer cadastramento, pendurar um crachá no bolso, ser anunciado e esperar. A secretária abriu a porta e me encaminhou. Tatá não pareceu surpreso ao me ver.
A que devo a honra? Aceita uma água, café?
Ali estava meu primo, grisalho como meu pai.
Café, eu disse.
Ele pegou o telefone: Dois expressos. E em seguida: Quanto tempo, Jassei, o que tem feito?
Ele estava ansioso. Falava sem deixar intervalos que permitissem que minhas respostas fossem mais do que vazios pois é, estou por aí, correndo, etc. Bateram à porta. A copeira entrou carregando uma bandeja com as xícaras. Com um ar desdenhoso, ele disse: Pode deixar aqui, nós mesmos nos servimos.
A copeira pediu licença e se retirou. Tatá serviu as xícaras.
Açúcar ou adoçante?
Puro, respondi. Depois eu disse: Vou trabalhar aqui.
Tatá me olhou pela primeira vez nos olhos e se deteve. Seu olhar era escuro como um poço. Então sorriu encolhendo os ombros como quem pergunta como é?. E disse: Você nunca gostou de marcenaria, Jassei.
Nunca gostei de marcenaria... é verdade. Mas nutro desejos audaciosos, só não consigo colocá-los em prática. Sou o primeiro que me diz não. Eu não tenho admiração por mim. Tatá, Tati e eu não éramos inseparáveis, embora estudássemos no mesmo colégio. Eu tirava notas baixas. Tatá não. Dizia a dona Leda, nossa professor de língua portuguesa, que eu vivia fugindo do tema. E eu fugia mesmo. Mas acreditava que deveria tirar notas boas pela minha capacidade de fugir do tema. Eu sabia ir longe, mas era um tempo em que a escola nos queria adestrados. Meu pai me quis adestrado por um tempo, depois desistiu de mim. Tatá adestrou a si mesmo logo de cara. Agora já estava na hora de eu mostrar quem eu era, ser firme com ele. Não fugiria desse tema. Eu disse: Vou trabalhar no setor de comunicação.
Eu não tenho como colocá-lo na empresa assim de uma hora para outra, nossos quadros estão inchados, estamos passando por um momento crítico.
Preciso trabalhar, Tatá.
Você está devendo dinheiro para alguém?
Há anos venho me guiando pela bússola da contramão. Avião para os negócios, como dizia tia Ruth, o sacana do Tatá estava querendo saber o meu preço.
Estou devendo para o banco.
Quanto?
Não é da sua conta.
Meu tom era amargo. O dele tinha gosto de meia suja.
Se você vem me pedir emprego, é da minha conta, baixou o voz tornando-a ainda mais áspera.
Não vim pedir nada, essa empresa é tão minha quanto sua.
Jassei, você nunca quis fazer parte dela, fui eu quem a transformou no que ela é, além do mais, você recebe sua parte mensalmente.
Mil reais?
Nada mais justo.
Não vou discutir com você, Tatá.
De quanto você precisa para quitar essa dívida e sumir da minha frente?
Você me enoja, Tadeu.
Não somos mais crianças, Jassei, vou aumentar o seu pró-labore de não fazer nada para 2.500 reais, está bem assim? Além de dar a quantia necessária para você quitar suas dívidas, em troca peço que suma da minha vida. Quanto você deve?
Sete mil.
Tatá abriu uma gaveta. Ele se transformou num sujeito bem estruturado, funcional, que provoca admiração pela sua eficácia nos negócios e posição social. Ele e Tati eram um ano e meio mais novos do que eu. Lembro-me bem da vez em que incendiamos o galpão das festas, onde funcionava a churrasqueira, quase que fizemos churrasco de Brennelli quando inventamos de acender o resto de carvão que sobrara. Tia Ruth tinha guardado ali fantasias carnavalescas de várias mulheres da vizinhança (não sei por que logo no galpão) que acabaram servindo de comida para a fome incontrolável do fogo. Eu levei toda a culpa e Tatá saiu de vítima. Cada um de nós levava vida própria. Tentando deixar algum rastro de fogo e brilho por onde passasse. Tatá conseguia, eu não, por mais que incendiasse um galpão inteiro, logo tudo eram cinzas. Às vezes fazíamos programas juntos. Num sábado de manhã, um amigo do vô Breno que tinha vindo fazer o aperitivo lá em casa, perguntou se a gente já tinha ido na zona. E nos explicou direitinho como fazer. Era só chegar lá e dizer que ele nos tinha indicado. Na sexta-feira seguinte Tatá veio com a proposta.
Vamos.
Topo, disse eu.
Melhor não, é perigoso, alertou Tati.
Convencemos Tati e fomos.
Agora eu estava sendo a puta de Tatá.
Ele tirou um talão de cheques da gaveta em sua mesa de trabalho. Vale mais o dono da carteira do que a carteira, por mais que o dono da carteira não valha nada? Tatá viu o cavalo passar encilhado e montou, o mesmo cavalo que agora me escoiceava. Ele assumiu o lugar que era meu por direito e eu nunca quis. Preencheu o cheque, arrancou do bloco e estendeu para mim. Eu disse um obrigado baixo. O fracassado da família.
E fui saindo da sala da diretoria.
E você se casou com esse filho da puta, Mana, pensei. Ele me roubou muitas coisas, mas você ele não podia ter levado. Vieram-me à mente imagens da gente com doze, treze anos. Eu saltando nas costas de Tatá, ele se debatendo, eu o espancando, depois o abraçando com força, prendendo seus movimentos. Derrubando Tatá. Ele tentando fugir e, ainda no chão, me dando as costas. Eu subindo nas costas dele, como ele fosse um bezerro desesperado. Então eu empurrando a cabeça de Tatá na direção do chão e gritando come grama, lazarento, come grama. E de repente eu sentindo alguém me puxar com força, arrancando-me de cima dele, dando bronca em nós dois: Estão de castigo, cada um para seu quarto, agora.
Mas foi ele quem começou, vô.
Não interessa, não quero ver dois primos brigando, isso é muito indigno, já para dentro.
E então eu indignado e ao mesmo tempo envergonhado porque vô Breno, que vivia nos dando ensinamentos pacifistas, de tolerância, tinha sido obrigado a se meter entre mim e meu primo. Eu me remoí, considerando-me o pior ser humano sobre a face da terra. E fiquei um tempo buscando um mínimo olhar de arrependimento de Tatá que, pelo contrário, tinha um risinho de escárnio na boca suja de terra e grama.
Agora eu estava ali em seu escritório, diante do mesmo risinho porco. Abri a porta. E senti um impulso incontrolável. Me virei e perguntei: Como ela está?
Saia faísca da gente. Tatá franziu a testa e me encarou com raiva. Um dia vou chutar a cara desse filho da puta, pensei, vou esmigalhar os joelhos dele, vou arrancar seus braços fora. Não, não vale a pena. Se tem uma coisa que aprendi com os anos é essa: não escoiceie se você não é burro, jegue ou mula.
Saia daqui, disse ele, antes que eu chame a segurança.
A gente se encarou por um tempo. Então saí do escritório também como que arrancado dali pelos braços já frágeis de vô Breno. Cruzei os corredores e a portaria. Tinha a cabeça pensa e os olhos ardendo em fogo.
quinta-feira, 9 de dezembro de 2010
Dias com mais sol
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a sombra imita
meus movimentos
parece suplicar
que eu a tire da parede
da prisão do chão
a sombra não tem
nervos ossos
musculos coração
a sombra é feita
de feixes de escuridão
às vezes até serve de farol
quando aparece melhor
nos dias com mais sol
a sombra habita
em cada pessoa
parece colada
mas se vou olhar cadê
eu vim com o seu fim
a sombra não tem
sequer destroços
crepúsculos sim
a sombra se deita
bem embaixo de mim
às vezes se funde ao arrebol
e aparece melhor
nos dias com mais sol
quarta-feira, 8 de dezembro de 2010
segunda-feira, 22 de novembro de 2010
terça-feira, 16 de novembro de 2010

“A poesia contorna a Economia. É criação improdutiva como a Festa, o Amor. Não é mercadoria, ignora o interesse, está à margem do calculo” - escreve Jair Ferreira dos Santos em seu ensaio inédito, O Pavão é uma Galinha em Flor, publicado no novo número da revista Coyote que ganha as livrarias do Brasil esta semana.
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Editada em Londrina (PR), a edição traz um conto inédito do escritor gaúcho João Gilberto Noll e uma entrevista com a crítica norte-americana Marjorie Perloff. Julgando boa parte da poesia escrita hoje de "prosa preguiçosa", Perloff dispara: "Minha principal crítica hoje é em relação a falta de interesse no aspecto sonoro e visual da maior parte da poesia que aparece sobre minha mesa".
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Coyote 21 apresenta ao público brasileiro a poesia radical do espanhol Leopoldo María Panero, traduzido por Vinícius Lima, e aforismos de Frank Kafka, traduzidos por Silveira de Souza. A revista traz também a poética de Mariana Ianelli e apresenta a literatura de Ivan Justen Santana e Mario Domingues, dois novos talentos da poesia paranaense, além de um conto do londrinense Marco Fabiani.
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A publicação também traz poemas e narrativas de dois livros inéditos deixados pelo escritor curitibano Wilson Bueno, brutalmente assassinado em maio deste ano. Fotografias da série Autodesconstrução, da artista pernambucana Priscilla Buhr, complementam a edição.
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A revista Coyote prossegue abrindo espaço para novos autores, resgatando e apresentando nomes importantes das letras e das artes, de épocas e lugares diferentes, instigando a reflexão e a criação literária. A revista é patrocinada pelo PROMIC (Programa Municipal de Incentivo à Cultura) da cidade de Londrina e editada pelos poetas Ademir Assunção, Marcos Losnak e Rodrigo Garcia Lopes.
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COYOTE 21 // 52 páginas // R$ 5,00 (Londrina) e R$ 10,00 (outras cidades). Uma publicação da Kan Editora. Distribuição nacional Editora Iluminuras.
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Vendas em livrarias de todo o país pela Editora Iluminuras – fone (11) 3031-6161. Pode também ser adquirida pela internet através do site www.iluminuras.com.br.
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Contatos losnak@onda.com.br / zonabranca@uol.com.br / rgarcialopes@gmail.com
Fone (43) 3334-3299 / (43) 3322-2115 / (11) 3731-3281
sexta-feira, 12 de novembro de 2010
segunda-feira, 8 de novembro de 2010
terça-feira, 2 de novembro de 2010
Sexta-feira (05 de novembro) abro o show da banda carioca Os outros, no Wonka. Esse vídeo meu tem um pouco do barulho que pretendo fazer por lá. E quem quiser conferir o trampo d´Os outros vai aqui http://www.myspace.com/osoutros ou aqui http://www.youtube.com/watch?v=9Pewg8cYmcI.
Corpo a corpo com o carniceiro 3
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covarde, covarde
covarde, covarde, covarde
covarde, merda
acho que eu queria pouco
bem pouco
sei lá, comer cupcake na Praça Espanha
num sábado de primavera
descer o rio Nhundiaquara de bóia
mas você...
você nem isso
sabe de uma coisa, ou você nasce com uma bela voz
ou desenvolve uma bela voz
mas você é um covarde
fica aí tomando chá de maçã com canela
desde que parou de ficar bêbado feito um gambá
sem se dar conta do pecado original irremediável
merda
por falar nisso, você já compôs uma das tuas
em homenagem ao gambá?
puta que pariu, cadê o meu remédio?
não fica me olhando com essa cara de fashion-vítima
com o coração no olho
não sou o que você...
você por acaso já viu uma auréola em volta da minha cabeça?
você nunca...
você nunca devia ter me dito palavrinhas amenas
simples e diretas sobre os teus sentimentos
eu não sirvo para musa, Dr. Museu da canção
eu não quero que aconteça
não mais
se eu encostar este dedo em você
primeiro, eu coloco o diabo no teu corpo
depois, você cai fulminado
isso, ri, ri mesmo
vai rindo
você não faz a menor ideia de com quantas pessoas
eu já trepei
você nem...
eu comecei muito nova
é que eu sempre achei que os seres humanos deviam ser
especialistas em seres humanos
e você, não acha
que os seres humanos deviam ser especialistas
em seres humanos?
então
eu não sou o que você construiu
não mesmo
lembra que um dia a gente foi assistir uma peça de teatro
e no final você me disse: achei super radical
e eu: radical o quê?
radical é empinar a roda da frente da bicicleta
mas você não é capaz pedalar nem mesmo um pedalinho
no Parque Barigüi
e era só o que eu precisa
um pouco de romantismo, sabe
mas então
eu não sou o que...
radical, né?
você quer radicalismo
ponha uma mulher na vitrine
olhe do outro lado da rua
xingue ela do quiser
ponha uma vaca na vitrine, com cabresto e tudo
ponha a tua putinha na vitrine
hein, que tal isso?
hein?
diz, diz que eu sou a tua putinha
jogue pedra
apedreje a vitrine
sou eu em cacos o vidro estilhaçado
o sol batendo nos cacos e refletindo, ferindo teus olhos
teu coração nos olhos
pise em mim com os pés descalços
me humilhe
me xingue de prostigaliranha
hein, eu sou, a tua prostigaliranhazinha?
olhe no meu olho e diga
no meu coração no olho e diga
eu fui um erro?
claro que fui
o que você queria?
o que foi que falhou no continho de fadas?
essa é uma história de esquartejamento, mordidas
e deglutição, meu chapa
sabe, você devia compor alguma coisa
em minha homenagem
um réquiem
réquiem para um frango à passarinho
um frango à passarinho, é como eu
me sinto, Sr. Sentimentos Sinceros
é, porque eu sou uma galinha
não sou, a tua?
diz que sim
eu preciso do diabo no sangue
eu dormi em camas erradas
e agora tudo que posso oferecer
é essa espécie de trash food em que me transformei
não sou mais o prato principal
agora sou este troço que não orna
tipo galeto com DJ
tá na hora do meu remédio
eu sei que você escondeu no bolso
cadê?
não bastam as suturas para impedir
que os membros doam
me dá, preciso dos comprimidos
dá aqui
me dá essa porra logo, caralho
(ele dá o potinho com os comprimidos para ela
ela engole dois)
fashion-vítima
essa foi boa
as vacas e as galinhas são totalmente estúpidas
elas não desistem nunca
sabe, há muitos modos de se ferir alguém
e várias maneiras de se fazer um curativo
e no entanto, existem apenas dois tipos de esparadrapo
o que não gruda e o que não solta
você não acha que isso, de algum modo
tem a ver com o amor?
segunda-feira, 1 de novembro de 2010
Corpo a corpo com o carniceiro 2
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músico é foda
sabe, sou alguém que gosta de contemplar a natureza
tomei gosto pela ecologia acho que por causa das viagens
com meus pais
dos 11 aos 14 morei na África
dos 14 aos 15 no Havaí
dos 15 aos 17 fiquei com eles na Amazônia
morar nesses lugares era o trabalho do meu pai
ele era engenheiro de uma empresa que...
só sei que meu era super patriota
a gente saudava a bandeira brasileira uma vez por semana
estivéssemos no país que fosse
papai era muito patriota, yeah, yeah, yeah
mas não quero falar disso
seria complicado
eu tenho a saudade frágil
além do mais, não é nada edificante para uma criança
viver cercado de selvageria por todos os lados
e, no entanto, enclausurado numa beleza infantil
rico, nobre, esnobe, tomado de sofreguidão
jamais aprendi a surfar, por exemplo
mas não quero falar dessas coisas
de tudo me ficou de bom o amor que tenho pela natureza
e os passeios que não fiz de bicicleta pelo norte de Oahu
as deliciosas saladas com cogumelos shimeji
kani kama, molho pesto de salsinha, manga e abacaxi que
comi contrariado
músico é foda
sabe, eu não posso não cantar
adoro compor canções que falam sobre animais
uma das minhas preferidas é a que fala de cangurus
sua condição marsupial
o feto sendo formado dentro da barriga rasgada
e o canguruzinho ainda sem olhos, sem orelhas, sem patas definidas
a pele fina, frágil, transparente
e vai aos poucos se desenvolvendo
um dia já tem pelos
noutro, já tá dando uns saltos por aí
procurando fêmeas em quem
eu tenho muito prazer em fazer essas canções
mas vivo me perguntando se é possível afagar as pessoas
com melodias e palavras
se de fato as baladas românticas podem, de algum modo
substituir o carinho das mãos encostando no rosto
da pessoa que você ama
porque o amor exige no mínimo a palma das mãos
só depois do início pelo tato chegamos em lugares
mais ousados do percurso
como esfregar os dentinhos da frente, roedores
assim bem de leve no clitoris dela
e passar a língua em círculos em volta do ânus
e deixar ela urinar na nossa boca
enquanto num 69 ela nos faz uma gulosa
intercalando com o Beijo Grego
sabe, quando eu canto, mesmo que não tenha niguém ouvindo
quando eu canto sinto doer a raíz dos cabelos
os olhos inflamam como que acometidos por conjuntivite
doe por baixo das unhas
doem os dentes
não foi à toa que fiquei bêbado dos meus 14 aos 25 anos
que estive destroçado dos 25 até hoje
não sei se sou romântico o bastante
não consigo ser um deles, mas tenho simpatia por caras
com penteados tribais e roupas estravagantes
e pela ideia da ciclomobilidade
e por casais dançando descalços
pisando nos salgadinhos e doces no fim do baile de debutantes
ou talvez eu devesse estudar rabeca no Conservatório
largar tudo e ir morar no Superagüi, vigilante da fauna e da flora
ou então meter uma bala nos miolos
você acha isso romântico o bastante?
Sabe, nosso ouvido devia vir com um mecanismo que nos tornasse incapazes para ouvir determinadas combinações de palavras. Há frases que desejam nosso pior mal.
Suporta. Suporta até esquecer.
Não deviam chegar pra você e dizer Fulana chupou o pau de sei lá quem. Principalmente se Fulana é a garota que você ama. Um amigo não devia dar em cima dela na tua frente. A garota que você ama não devia chupar o pau de um amigo teu. Ele não devia dar as bolas pra ela como fossem chupetas. Não devia esfregar os dedos no grelo dela. Socar e esporrar no cu dela. E depois fazer questão que você fique sabendo. Com todos os detalhes sórdidos. Não devia ser assim. As palavras deviam recusar a semântica numa hora dessas. Ninguém devia ser inteligente demais pra ouvir um troço desses e interpretar. As mulheres gostam desses filhos da puta. Ficam loucas com essa espécie de corpo a corpo com o carniceiro. Você...
Eu...
Teu corpo é bonito.
Obrigada.
Sabe, tem caras que têm que pagar pra ter uma mulher.
Você também pagou pra me ter.
Mas não pra meter, kkkk.
Pagou com obsessão.
Com a dependência. Mas não tem a ver com entranhas.
Sempre tem a ver com entranhas. E o pior não chegou.
E eu já me envergonho tanto.
Não precisa.
Seria bom não precisar.
Quando começou?
Quando ouvi você dizendo: Ele é o menino mais algodão doce que já conheci.
Nunca tinha tido alguém em quem pudesse caminhar por dentro à vontade, com os pés descalços.
Eu não quero ser o menino algodão doce.
Não dá pra escolher.
Quero ser o carniceiro.
Não dá pra esco...
QUERO SER O CARNICEIRO.
De que modo?
Não sei, mas com certeza não apenas com o que está ao alcance das mãos.
A gente não tem instinto quando bem entende.
Vamos foder, meu pau tá explodindo.
Não enche o saco.
E você, também se sente a pior do mundo com frequência?
sábado, 30 de outubro de 2010
Para dentro de um livro em branco
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ter sido corajoso para não partir
forte para não voltar
sábio para não me arrepender
ter bebibo mais suco de melancia
usado melhor as mãos os braços
os lábios a bochecha antes
de presenciar morrer o que amei
ter visto toda a filmografia do Kurosawa
e ido mais à praia – não devia ter abandonado o surfe
e estudado mais
dito mais sins às oportunidades de trabalho
e dado um jeito de estar perto de quem precisava estar perto
ter viajado para a Europa
me empenhado mais em levar meus textos ao palco
talvez escrito um livro chamado
Requiém para um frango à passarinho
ou Uma história de esquartejamento e deglutição
e ter aprendido xadrez
praticado budismo
ensaiado a valer minha orquestra de beijos
usado mais vezes sem pudores o banheiro feminino
ter ficado mais tempo em silêncio abraçado
com a garota que foi minha e eu fui dela
e ter cantado para ela orações apenas com os olhos
e ter pensado o impensável
e dito mais palavras amenas simples diretas
sobre meus sentimentos – especialmente aos meus pais
e lido O homem que calculava
e aprendido a ganhar dinheiro
e ter visto Kazuo Ohno ao vivo
cruzado a cidade mais vezes à pé nas madrugadas de primavera
e largado tudo para trabalhar como cuidador de cavalos
numa fazenda texana
ou então, ao menos uma vez, experimentado o diabo no sangue
seguido de exorcismo seguido de entidades
ponteando violões que curam nossa existencia
e ter casado aos 17
com minha namorada cinco anos mais velha, sacerdotisa do fogo
ou estar partindo agora para uma aventura
para dentro de um livro em branco
domingo, 24 de outubro de 2010
Thiago relembra o momento: “Ele me passou uma letra pra musicar e percebemos que a harmonia acontecia”. A canção, Sonâmbulo, conta a história de um cara que está enfrentando mal a relação com o universo underground. A “letra triste”, conta Leprevost, é consequência do modo como o clima do inverno reverberava dentro deles. A temperatura refletiu, pontualmente, nas composições produzidas a quatro mãos e que, agora estão prontas para serem ouvidas.
Este é um momento que aflige a maioria dos músicos que desenvolvem trabalhos autorais em Curitiba: afinal, onde tocar? O Wonka Bar, na Rua Trajano Reis, é um desses lugares onde o foco está na qualidade musical, privilegiando artistas da cidade. Há cinco anos, o endereço, no bairro São Francisco, reúne músicos, escritores poetas, atores e público em torno de uma mesma vontade.
Interessada no potencial dos artistas da cidade, a proprietária Ieda Godoy abriu as portas do Wonka com a disposição de tornar o endereço um reduto de produção cultural de qualidade. “Desde que abri o bar [em 2005], penso nessa característica, muitas pessoas começaram apresentando seus trabalhos lá”. Ela cita como exemplos o grupo Molungo, Troy Rossilho, Alexandre França, Leo Fressato e o próprio Leprevost. Copacabana Club e Bonde do Rolê são outras bandas que sempre aparecem.
O show iria começar às 23 horas, mas às 19 horas Leprevost e Thiago já ensaiavam o trabalho que foi apresentado na última noite de quarta-feira no projeto Homens de ferro. Um intervalo foi o tempo necessário para o papo se dirigir aos espaços que tornam possível esse trabalho.
Thiago ressalta que em lugares assim a música é expressão artística e não somente entretenimento. “Queremos mostrar o movimento. Os compositores necessitam desses espaços, onde não precisam de editais para tocar a sua música”. Leprevost completa: “Tem uma grande rede de pessoas conectadas na produção artística. A demanda existe. Queremos dialogar com a platéia com o interesse mútuo de expansão dos sentidos por meio da arte”.
Essa rede que interliga os artistas da cidade certamente contribui com a disseminação da música partindo do desejo de expressão autêntica. Em sintonia de pensamento e vontades, os parceiros Uyara Torrente (A Banda Mais Bonita da Cidade) e Raphael Moraes (Nuvens) foram convidados a incrementar o show no porão do Wonka.
O repertório, inspirado pelo inverno, desenhou um clima favorável às letras mais melancólicas, incluindo as três inéditas Pó pó pó; Mimimi e Assobiando apelo. A primeira, com letra e música de Leprevost, é um pequeno poema declamado com o violão no colo. Mimimi, uma parceria com Rodrigo Lemos e Ligia Oliveira, emergiu em um desses encontros, sublinha Leprevost, onde em “90% dos casos surgem canções”. Já Assobiando apelo é uma letra escrita há tempos que ganhou agora o acompanhamento da guitarra de Thiago. “É a história de um cara que está triste e as pessoas passam a não notá-lo mais. Ele foi se apagando e assobia essa melodia”, explica o autor.
Os cafés são bons lugares para escritores. Às vezes roubo frases da mesa ao lado. Trabalho valorizando uma dor de cabeça cujo motivo não sei qual é e que me ajuda a pensar de um modo torto. Idéias pululam de vez em quando, noutras ocasiões elas somem por longos períodos. Mas sou apegado mesmo à ação. Sento e escrevo, pratico. Assim desenvolvo as idéias. Agir me faz pensar.
Duvido de quem diz “não escrevo porque não tenho o que dizer, quando tiver, escreverei”. Acontece que se você não escreve, não vai ficar sabendo se tem mesmo algo a dizer ou não. Permanecer no universo da idealização é estar pré-morto. É preciso enfrentar-se. Responder ao medo, com ênfase, como ensina Carlos Drummond ao dizer, se bem me recordo, que tristes são as coisas feitas sem ênfase.
Há vezes em que traço objetivamente a composição de uma série de textos. Definido o que desejo como eu fosse um projetista. Mas logo que inicio o trabalho, imediatamente me cobro a liberdade. Então endereço os textos, faço isso, crio para alguém, para o mundo, por amor, por vingança, por política, por ternura, por revolta, por desespero, por orgulho, não importa. Vale que assim eu me implico. Não tenho medo de me machucar quando estou criando.
Depois desse ímpeto inicial, sou capaz de trabalhar o mesmo parágrafo durante a semana inteira. Promovendo inúmeras variações de sua estrutura, invertendo o sentido, retirando de uma frase todas as palavras que a natureza não exige, como li recentemente num belo livro de Gonçalo M. Tavares. Tudo isso me esgota. Porem me importa ter forças para podar arestas – a poda fortalece os galhos. Para mim é muitíssimo trabalhoso deixar de ser prolixo.
É importante salientar que tudo isso está num plano ideal que vivo perseguindo. Mas o escritor é tão falível quanto qualquer outro ser humano. E é nesse ponto que quanto mais me enfrento, mais a criação se impõe – eu me nego, me inverto, minto. Só assim posso ser tão sincero quanto preciso. Só assim quem ler o que escrevi com tal verdade poderá duvidar de que aquilo não é ficção. Eu desejo que os leitores esqueçam que estão lendo algo ficcional. O que lêem é a vida mesma. É assim que sinto quando me deparo com a obra de um grande autor. Não estou querendo me comparar, mas acredito que os artistas não podem querer pouco. Não querer pouco é muito o nosso ofício. É por causa dessa tensão entre a verdade do escritor e sua criação formal que a literatura se dá em estado de revelação. A epifania agora é do leitor. É ele quem, em última instância, possibilita a existência das personagens, seus deslocamentos, as trajetórias da linguagem.
sábado, 23 de outubro de 2010
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Se em meus textos abro algo da minha intimidade é porque (é óbvio assim) não estou salvo. Então faço uma pausa ao escrever isto e coloco as mãos no rosto. Lambo a pele grossa da palma com a língua e (de certo modo) é uma ferida o que lambo. Imolo a pele que descreve aquilo que já não sou mais. Escrevo porque embora estejamos acostumados a chorar pelos olhos, as mãos também choram.
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sexta-feira, 22 de outubro de 2010
Sempre achei clichê dizer que se escreve por que não se tem opção. Acho que poderia ser qualquer coisa, mas seria um completo incompetente. Na literatura não me considero incompetente, então talvez esteja no lugar certo. A arte não é um lugar seguro, é verdade, certezas não cabem nela. No mais, você se sente o pior do mundo com frequência, mas pelo menos desconfia que esteja fazendo exatamente aquilo que veio fazer na vida. Mesmo se eu não acreditasse no que escrevo, teria que continuar escrevendo. Então eu sigo, sem perguntar demais.
Sabe, teve o dia em que compus uma redação que contava minha estória de amor com uma pequena do colégio. Resultou no primeiro 10 que tirei na vida (e foram poucos). Assim, tanto a redação quanto o amor me pareceram algo que continham algum valor. Passei a escrever poemas. Entendi que o invisível que está entre as pessoas, pode que falam mais sobre elas do que as impressões e julgamentos que fazemos. O impossível, o imponderável é que são matéria da literatura, por isso ela não se esgota. É como diz Henry Miller (cito de cabeça): é preciso injetar sangue nos fantasmas.
Veja, a literatura cobra de você uma coisa que pode ser assustadora: a solidão. Sem solidão não há produção literária. Ninguém se transforma num García Márquez da noite para o dia. Parece-me que a maior dificuldade que um escritor pode enfrentar é a de dar consequência, continuidade à obra.
segunda-feira, 18 de outubro de 2010
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Nunca fui bom no colégio. Minhas notas eram péssimas. Reprovei duas vezes de ano. Era um rebelde. No recreio brigava até sangrar com colegas. Brigava na rua. Esforcei-me nos esportes. Em alguns até conquistei destaque. Mas teve esse dia em que escrevi uma redação que contava minha estória de amor com a menina mais bonita da minha série. Daí em diante só ficou mais difícil.
Lembro ainda de um professor da oitava série que me marcou. Chamava-se Sérgio Vicentin, professor de história e geografia. Ele costumava repetir para nós a frase de um poeta, segundo entendi na época. A frase era assim (cito de cabeça): Não concordo com nada do que você diz, mas defendo seu direito de dizer. Era de um homem chamado Karl Marx. Teve uma vez que esse professor me deu uma lição sobre justiça que não esquecerei. Tinha me dado uma nota baixa. Comparei minha prova com a de uma colega, a resposta dela era idêntica a minha, mas eu tinha tirado zero na questão. Pois bem, fui reclamar a nota, clamei por justiça, ele disse “você quer justiça?, certo”, pegou a prova da menina e deu zero para ela na questão. Poxa vida, eu não sabia onde me enfiar, acabava de prejudicar alguém que tinha me ajudado. Acontece que a ajuda que pedi a ela havia sido um tanto ilícita. Vicentin sabia que eu tinha colado a questão dela no dia da prova, por isso me dera o agudo zero.
Também no colégio. O primeiro livro de poemas que tomei contato foi uma antologia de poesia portuguesa chamada de Camões à Pessoa. A gente era obrigado a ler o livro na sétima série. Meus amigos achavam muito chato. Eu gostava, mas mentia que não. É que você fica com fama de nerds se na sétima série contar que gosta de Almeida Garret. E nerds é uma coisa que nunca fui. Eu tenho um primo que foi nerd. Sempre que estudava história, geografia ou matemática com ele, eu ia bem nas provas. Eu gotava dos nerds, queria ser como eles. Eu gostava muito de ir bem nas provas, mas vivia com a corda no pescoço.
Meu começo na literatura foi diferente do de boa parte dos escritores brasileiros. Não comecei lendo Monteiro Lobato. Tampouco iniciei com o consumo frenético de gibis. Não lembro bem quais foram as primeiras leituras. Tenho um ou dois enredos da época na cabeça. Uma estória que se passava no interior, o menino pobre, meio feio e sentimental. Ele queria ser cantor, acho que tocava violão. E gostava de uma garota que não dava a mínima para ele. Não lembro do final. Tem outro ainda que me ocorre agora: Uma família classe média. O filho é brilhante na escola. Aos poucos se envolve com drogas e destrói sua vida. Não sei bem o que acontece, se ele se recupera ou não. Esses eram livros que a gente tinha que ler na escola. Acho que traziam mensagens, eram um tanto didáticos. Nessa época, resolvi experimentar benzina. Toda nossa turminha tinha começado a fumar cigarro de cravo, cheirar benzina e se agarrar para além de beijos.
Já no segundo grau, aí sim, li Dom Casmurro, do Machado. E Memórias do Subsolo, do Dostoievski. Uma primeira consciência a respeito do ofício de escritor se deu. Mais ou menos nesse período comecei a ler o Vinicius de Moraes. E eu queria ser o Vinicius. E ele foi deveras generoso comigo, apresentando-me sua numerosa turma, entre os quais: João Cabral, Murilo Mendes, Drumonnd. Caí pesado na geração de 45, só então retornei na direção dos modernistas.
Há ainda o Hamlet, de Shakespeare, que é minha fonte inesgotável. Samuel Beckett, mestre a narrar o esfacelamento da civilização do ponto de vista do indivíduo deformado física e moralmente. Julio Cortazar, cuja obra me sopra a todo momento “ser livre é isso, amiguinho, ser livre é urgente.” Há tantos autores que mudaram minha vida, minha visão de mundo e os rumos da literatura em mim. Entre eles: José Agripinno, com Panamérica; Raduan Nassar, com Lavoura Arcaica; João Gilberto Noll, com a Fúria do Corpo; Hilda Hilst, Clarice Lispector. Anton Tchecov e Nelson Rodrigues com seus teatros. Isso não tem fim. Ficaria citando a noite toda, mas é bobagem listar nomes. Se o faço é pela natureza deste texto, que pretende ser um pequeno (sabendo-se incompleto) depoimento. Alguns nomes mais urgentemente estão me ocorrendo. Claro, aqui pertinho de casa, jamais poderei esquecer o Manoel Carlos Karam. Antes de tomar conhecimento de seu trabalho, jamais havia admitido o funcionamento do humor na literatura, eu não sabia o que era isso. O Karam é o responsável por eu ter descortinado também essa faceta da arte, a alegria, a ironia, que considero uma forma de inteligência superior. Quando consigo escrever com alguma astúcia, devo ao fato de ter lido todos os livros do Manoel Carlos Karam, um a um, sem jamais perder o espanto. Foi um gênio, e ao nosso alcance.
Daí segui me metendo com o Salinger e o Jhon Fante. Desses eu li a obra toda, até hoje releio. Então Jack London, Ernest Hemingway, William Faulkner. O lado sujo: Charles Bukowski, Pedro Juan Gutiérrez, Rubem Fonseca, Dalton Trevisan. São caras cujas obras me provocam e alimentam bastante, cada um a sua maneira. O estilo cru tem muitas variações. E é claro que há muitos outros escritores a quem devo a vida.
sexta-feira, 15 de outubro de 2010
Vozes do remédio
.
flagro-te bruto tosco
digo, chulo, baixo feito um
diabo se afogando em latrina
de banheiro público
.
pode que te ofenda
percebendo-me o açougueiro
(a medicina segue medieval
em alguns procedimentos)
de tua carne sem selo de garantia
.
devo agir rápido
um, dois talhos e vejo
o que tens, chechelento
desengana-te como ácida escória
a doença que entranhas-te
.
mas te acalma, esta poesia
que agora escutas com os olhos
são as vozes do remédio
Manuel Bandeira
.
“eu faço versos como quem talha.”
Waly Salomão
eu faço versos como quem coloca
meias de lã nos pés do inverno
eu faço versos como quem inflama líquidos
dentro da mulher amada
eu faço versos como quem dá uma chupada na
ferida do limão
eu faço versos como quem sopra a
brasa sobre a qual pisar
eu faço versos como quem cala numa
página desprezada por pássaros
eu faço versos como quem descansa a
língua da maledicência
eu faço versos como quem tem olhos
acuados de contemplação
eu faço versos como quem entoa cantigas de
ninar bois na execução
eu faço versos como quem se lança às piranhas
eu faço versos como quem engole a própria mão
quinta-feira, 14 de outubro de 2010
quarta-feira, 13 de outubro de 2010
.
com o intuito de saber
o que mais quero agora
(que já estou fatigado
e trêmulo
que nada além de vultos
enxergo – fantasmas?
de quem? de que épocas
humanas? – que nada
lembro e sou
sozinho quanto
um morto que, por insistir na
vida, esqueceu-se
de ir esperar o próprio
velório na capela)
reponderia: a visão diáfana
de um único poema
nem que fosse meu
último poema, vermes
Ode à terra
.
Eu não canto a terra
pródiga,
a pletórica
mãe das raízes,
a esbanjadora,
compacta de frutos e de pássaros,
lodos e nascentes,
pátria dos caimões,
sultana de grandes seios
e eriçado diadema,
nem a origem
do tigre na folhagem
nem a grávida terra de lavoura.
Com a sua semente como
um minúsculo ninho
que amanhã cantará,
não, eu louvo
a terra mineral, a pedra andina,
a severa cicatriz
do deserto lunar, as vastas
areias de salitre,
eu canto
o ferro,
a eriçada cabeça
do cobre e os seus frutos
quando emerge
envolto em poeira e pólvora
recém-desenterrado
da geografia.
Ó terra, mãe cruel,
ali escondeste
os metais nas profundidades,
de lá os retiramos
e com fogo
o homem,
Pedro,
Rodriguez ou Ramirez
os converteu novamente
em luz original, em lava líquida,
e então
implacável contigo, terra,
colérico metal,
saíste das pequenas mãos de meu tio,
arame ou ferradura,
navio ou locomotiva,
esqueleto de estudo,
velocidade de bala.
Árida terra, mão
sem linhas na palma,
é para ti que eu canto,
aqui não gorjeaste
nem te alimentou a rosa
da corrente que canta
seca, dura e cerrada,
punho inimigo, estrela
negra,
eu te canto
porque o homem
far-te-á parir, encher-te-á de frutos,
procurará os teus ovários,
na tua secreta taça
os especiosos raios derramei,
terra dos desertos,
puro horizonte,
porque pareces morta
e te acorda
o estrondo da dinamite,
e uma coluna de sangrento fumo
anuncia o parto
e saltam para o céu os estilhaços,
eis para ti as escrituras do meu canto.
Terra, gosto de ti
na argila e na areia,
ergo-te e moldo-te,
como tu me moldas-te,
e deslizas dos meus dedos
como eu desatado
volto para a tua ampla matriz.
Subitamente, terra,
parece-me aflorar
todos os teus contornos
de porosa medalha,
de jarra diminuta,
e em tua forma passeio
as minhas mãos
achando as ancas daquela que amo,
os pequeninos seios,
o vento como um grão
de suave e morna aveia
e a ti me abraço, terra,
durmo junto a ti,
na tua cintura prendem-se-me os braços e os lábios
durmo contigo e semeio os meus mais profundos beijos.
.
domingo, 10 de outubro de 2010
sábado, 9 de outubro de 2010
sexta-feira, 8 de outubro de 2010
quinta-feira, 7 de outubro de 2010
De ser todo só meu exterior”
o metabolismo tem
muitos outros nomes
.
espírito é só um deles
e pode que caiba em fórmulas (?)
.
o corpo humano o chamamos
de diversos eus
.
pedregulho, por exemplo
se o lançamos contra uma vidraça
.
anatomia se o emprestamos
à lâmina, e por aí afora
.
no mais, o subconsciente
também tem dentes
terça-feira, 5 de outubro de 2010
Negativo de uma fotografia
.
tenho nas mãos
não alguém sorrindo
.
nítidos músculos
um rosto e o resto
dissecados
qual aparecem ilustrados
em apostilas
.
lúbrica abstração
de fera colérica
pelos arrepiados
profusão de presas
garras fome
.
e é só alguém
sorrindo
.
toda presa garra
fome busca carne
.
tenho nas mãos
o negativo
de uma fotografia
o organismo
de um ausente
sábado, 2 de outubro de 2010
lobotomia
.
A Banda Mais Bonita da Cidade cantando Lobomia, canção que fiz há anos em parceria com Troy Rossilho. Gosto muito dos arranjos e da emoção que eles colocam nas várias músicas de minha lavra que estão em seu repertório. tROY rOSSILHO E lUIZ fELIPE le
.
(Troy Rossilho e LF Leprevost)
.
quando eu jacu você erudição
você pé no chão eu aerovia
quando eu minoria você população
quando você hindu eu vacaria
.
quando eu caligrafia você computação
e se você amputação quem me abraçaria?
.
quando o meu tum-tum baticum o teu atrofia
e se o teu taquicardia ai do meu coração
.
quando eu presídio do ahú você alforria
quando você séria serei piração
quando eu contusão você anestesia
você Capitu e eu maridão
.
quando eu dragão você antipaleontologia
e se não contraria quem então senão
.
quando o meu tum-tum baticum o teu atrofia
e se o teu taquicardia ai do meu coração
.
quando você no iglu eu insolação
quando eu maresia você jamais fumaria
quando você ave maria eu danação
quando eu vodu você na sacristia
.
você renascia e eu abstração
e se eu lobão você me lobotomia me lobotomia me lobotomia
terça-feira, 28 de setembro de 2010
Neve de 75
tantos anos já
a Neve de 75
em Curitiba caiu
após essa
nunca mais
e se vive à espera
de renovado
branco gélido
despencar dos céus
e a Neve de 75
é só o que se tem
mas os demais dias
que seguiram
desse, digamos
alpino (ou norte-americano
natalino, ou de inverno londrino)?
por que não foram
consideradas
as noites outonais
as chuvas de verão
por exemplo, a brisa
balançando
o amarelo dos ipês?
(não houve
o que na História
já não há)
serão causas
a vocação
para melancolia, sim
o gosto pelo
masoquismo do
recolhimento?
ah a Neve de 75
entretanto, que bela
manhã de primavera
hoje
está fazendo
terça-feira, 14 de setembro de 2010
cartas aos amigos

terça-feira, 17 de agosto de 2010
segunda-feira, 16 de agosto de 2010
uma epígrafe
"o que interessa, na vida e na literatura, é o coração deflorado do homem." Dalton Trevisan - Desgracida
sexta-feira, 13 de agosto de 2010
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.....- Por que Platina?
.....- Por que Platina o quê?
.....- Teu nome.
.....- Não é meu nome. É meu apelido.
.....- Por que esse apelido?
.....- Faz tempo, cê não vai querer saber.
.
.....Silêncio.
.
.....- Sabe esses trogloditas que durante o dia são engenheiros civis, juízes, diretores de empresa e de noite se transformam com suas Harleys?
.....- Tô ligado.
.....- Uma vez, uma guria...
.....- Sei.
.
.....Silêncio.
.
.....- Eu tava mijando. Ela veio atrás de mim. Disse que tinha me manjado. Eu só falei “bacana.” Achei que ela só queria dar uns tecos ali no banheiro masculino.
.....- ...
.....- Quando acabei ela pegou no meu pau. Molhou a mão com algumas gotas. Daí foi fazendo o serviço. Não pude me desvencilhar. Cê sabe como são essas coisas.
.....- Porra se sei.
.....- Um sujeito entrou no banheiro. Chamou ela por um nome esquisito. Eu disse “acho que o cara tá te chamando.” Mas ela continuou chupando. O cara veio até o urinol do lado, abriu a braguilha e mijou sossegado olhando pra nós. Aí lavou as mãos, enxugou. Eu acabei broxando. Ela parou de chupar e saiu também, sem dizer nada.
.....- Sem lavar a boca?
.....- Eu lavei o rosto. Ajeitei a gola da jaqueta. Voltei pro balcão. Olhei todos os cantos do Dentadas e nada da garota. Fiquei ali bebendo. Fui embora umas duas horas depois.
.....- ...
.....- Tava indo a pé pra casa. Quando dobrei a esquina, três brutamontes e a guria montados nos diabos de duas rodas. Vieram pra cima com correntes, taco de beisebol e o caralho. Tentaram me atropelar. Cheguei a derrubar um deles da mato. Quando acordei tava no hospital, a cara toda embrulhada igual múmia, cotovelos, joelhos, as costas entortada que nem um pedaço de ferro. Os médicos tiveram que substituir os ossos triturados. Não tenho osso na cara, só platina.
.
.....Vilma cochicha no meu ouvido: Aquela ali é a Marginalzinha.
.....Sei.
.....Ela já foi gostosíssima, agora é essa caveira.
.....Isso tá me cheirando a inveja, Vilma.
.....Imagina, inveja... ontem mesmo encontrei com ela aqui no Dentadas, umbiguinho amostra, o piercing pedindo mordida... é uma galinha essa guria.
.....Nunca contei pra Vilma, mas foram incontáveis as vezes em que escrevi o alfabeto inteiro com a língua no corpo superlativo da Marina.
.....Zé, Vilma me chama, tá ouvindo?
.....Tô.
.....Então, ontem eu cruzei com ela...
.....Interrompo: Com ela quem?
.....Porra, Zé, com a Marginalzinha.
.....Ah, tá... e aí?
.....Aí eu disse: Olá, como vai, é um prazer revê-la. Eu fui educadíssima.
.....Vilma espera que eu me pronuncie, mas nada faço. Então ela prossegue.
.....Sabe o que a Marginalzinha fez?
.....Por que cê chama ela de Marginalzinha?
.....Ué, todo mundo chama ela assim.
.....Sério?
.....Aham.
.....O nome dela é Marina.
.....Como é que você sabe?
.....É uma longa história.
.....Você já conhecia ela?
.....Sim.
.....De onde?
.....Daqui mesmo.
.....Nunca me falou.
.....Não tive oportunidade.
.....Essa guria é uma babaca, Zé... Sabe o que ela fez ontem?
.....Fico sem escolha: O quê, Vilma?
.....Eu a cumprimentei e ela não retribuiu meu sorriso, Zé, não retribuiu.
.....E depois de falar um monte de merda, você ainda queria que ela abrisse um sorriso? Aposto que enquanto você dizia “olá como vai etc”, na verdade, o subtexto era “oi Marginalzinha, quantas vezes nessa semana você tomou um porre com os escrotos dos teus amigos do peito, cheirou teus pozinhos mágicos e vomitou no banheiro?”
.....Vilma sequer ouve minha ironia, continua obcecada: Sabia que ela tem bulimia? Pode ver, já tá até sem rosto. Duvido que seja capaz de chorar, tá seca, coitada.
.....Então fito bem a Marina no canto esquerdo do salão e sou obrigado a admitir, Vilma está certa. Marginalzinha não está somente sem rosto, já perdeu a cabeça.
notas para um livro bonito
sábado, 7 de agosto de 2010
hei jaques brand
Hei Jaques Brand, sexta faixa do DVD Troy ao vivo, com Troy Rossilho e banda. Letra de Alexandre França e música de Troy Rossilho. O show foi gravado no dia 20 de novembro de 2007, no teatro Guairinha, em Curitiba.
quarta-feira, 4 de agosto de 2010
terça-feira, 3 de agosto de 2010
.....Tô meio perdido... a senhora sabe me dizer se indo por aqui eu chego em Colina azul?
.....Só seguir reto, diz a velha... Pra ir pra lá é melhor ir pela Rodovia do Café, mas agora que o senhor já tá aqui.
.....Ele acaba de beber o refrigerante. Paga com uma nota de cinco. Recebe o troco em moedas. Guarda no bolso. Entra no Uno. Põe o cinto de segurança. Óculos escuros. O carro segue.
.....O patrão, um homem de aproximadamente 54 anos, está de costas. Olhando pela janela.
Gosta de piscina?, pergunta sem se virar para o gordo e o secretário quando esses entram na biblioteca.
.....Gosto, responde o gordo se aproximando. Ele vê lá embaixo. Uma jovem bonita toma sol. Um rapaz, de dentro da água conversa com a garota. Então sai da água e vai beija-la.
.....A nossa é uma bela piscina... são minha filha e o namorado.
.....Então eles conversam. O deputado dá instruções. O gordo as ouve. Eles apertam as as mãos. O gordo sai. Na porta da residência o secretário lhe estende uma pasta. E o encaminha para o carro. Antes de partir, o secretário pergunta se ele não vai abrir a pasta e conferir o conteúdo. O gordo abre. Examina.
.....Tá tudo certo, diz.
.....Pode me chamar de Mamá, diz ela.
.....Eles saem juntos da boate. Ele abre a porta do Uno para ela.
.....Quem é esse gordo?, quer saber o grandão.
.....Ele preciona Gardenal até arrancar a informação que precisa.
.....Desse jeito você vai me levar à falência, ele diz sorrindo.
.....Tudo outra vez, pensa.
.....Vai até o banheiro. Mija. Lava o rosto. Volta para o quarto. Garrafinhas de uísque. Pistola. Camisinha. Barbeador descartável. Banho. Volta para o quarto. Se veste. Dá uma fungada. Sai. Caminha pelo corredor. A jaqueta na mão. Vai até a recepção. Paga.
.....Bom dia, família, diz a garota.
.....Isso são horas?
.....Hoje é sábado, pai.
.....A garota está um tanto chapada, mas tem algum controle de seu estado, não dá muita bandeira. Ela dá um beijo na bochecha do pai, depois na da mãe. Senta. Prepara um sanduíche com pão integral, queijo branco e peito de peru. Toma um copo de suco. Daí sobe as escadas na direção de seu quarto, levando na mão o que resta do sanduíche.
.
.....Está feito.
.....Depois, liga para Mamá.
.....Quero me encontrar com você.
.....Deviam ter te avisado que era arriscado sair com a Marcela, diz Lufus.