domingo, 21 de junho de 2009

entrevista

Fui entrevistado dia desses por Patricia Rosa, estudante de jornalismo da Unibrasil, para matéria de jornalismo cultural, do professor e editor do Caderno G, da Gazeta do Povo, Paulo Camargo. Antes de minhas respostas ficarem prontas trocamos uma série de e-mails e sua abordagem, embora direta, sempre foi delicada e profissional. Agradeço a Patricia a oportunidade. Segue o papo.

1-Luiz Felipe para que eu possa fazer um texto sobre você, que irá anteceder a entrevista para que os leitores saibam mais sobre você, preciso que me fale um pouco de sua vida. Quem é você, idade, onde estudou quais trabalhos já realizou, quais seus anseios, como vê o mundo em que vive, fale de algumas experiências que te marcaram.

Meu nome é Luiz Felipe Leprevost. Nasci em Curitiba, no ano de 1979. Sou o terceiro filho de uma família com quatro irmãos. Tenho três sobrinhos (entre eles um afilhado) e uma sobrinha (e mais uma que está para chegar, já na barriga da mamãe). Na escola sempre fui péssimo aluno, mas há muitos professores que sentem carinho por mim até hoje. Por ter sido rebelde, reprovei de ano duas vezes, e passei por alguns colégios. Nenhum deles superou as alegrias, marcas e memórias adquiridas no Colégio Paranaense Marista, onde estudei praticamente durante todo o colegial. Eu sou escritor e publiquei alguns livros, de poesia e contos (falo sobre eles ao longo da entrevista), também tive peças encenadas. Também fiz algumas canções em parceria com pessoas talentosíssimas. Atualmente sou parte do grupo Teatro de Ruído. Ator de formação, mas, como já descobri que é impossível abraçar o mundo com as pernas, atualmente estou mais voltado à literatura. Ao longo da vida muitas coisas me marcaram, positiva e negativamente. Mas há uma saudade recorrente que guardo de minhas avós, elas me faziam sentir bastante protegido. A maior ambição que tenho é ficar bem velhinho e com saúde, escrevendo e amando sempre, assim como um Gabriel Garcia Márquez, ou então um Manoel de Barros. Eu acho o mundo uma coisa bem complexa, mas tendo a pensar que a beleza da existência humana vem daí. É essa complexidade e, apesar de tudo, a gente meio que faz coisas bobas e repetitivas todos os dias como, por exemplo, escovar os dentes. Isso é tão banal e simples, mas, ao mesmo tempo, de suma importância, pelo menos para se viver em comunidade. No mais, faz alguns meses que estou escrevendo em dois blogs. São eles: http://www.notasparaumlivrobonito.blogspot.com/ e http://www.anevenaotemgostodealgodaodoce.blogspot.com/.

2-Como a poesia e a música apareceram em sua vida?

Sorrateiramente. Sem aviso. Sem que eu esperasse. Quando vi, era isso: uma pessoa debruçada sobre o papel como alguém que reza sua fé.

3-Você escreve poesias, compõe e interpreta canções, dirige peças teatrais, mas disso tudo o que realmente mexe com você?
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Não catalogo. Não faço diferença. Para mim teatro, canções, poesia são uma coisa só: a minha necessidade absurda de expressão, que é um jeito de laborar o que mexe dentro e não se explica.

4-E como é o seu processo de criação? Existem rituais? De onde surge inspiração para escrever seus poemas, músicas, peças teatrais?

O ritual é abrir o caderno e correr a caneta. Procuro me manter atendo, digamos, com a sensibilidade ativada como que uma língua na tomada. Quanto mais trabalho, quanto mais leio e escrevo, isto é, quanto mais treino a inspiração, mais inspirado fico. Às vezes gosto de escrever até meu punho doer. Noutras, passo semanas só anotando frases, pequenas idéias para o futuro. Tanto teatro quanto poesia ou ficção me chegam desses lugares, avizinham-se nas horas da prática, querem ser uma mesma massa poética.

5-Como você teve a idéia de lançar seu primeiro livro?

Eu era muito novo. Tinha alguma centena de poemas numa pastinha. Então achei que se fizesse uma boa seleção teria um livro. Para me ajudar na organização e coordenar o trabalho editorial procurei a sábia Antônia Schwinden. Conversamos demoradamente a cerca de cada poema, em sessões agradabilíssimas. Os papos me estimulavam a fazer opções, a trabalhar em alguns versos. Na época eu estava bastante influenciado por uma maneira de olhar o mundo poeticamente que tinha ecos da poesia concreta. Achava que aqueles poemas que se pretendiam musicais, feitos para batucar com a língua, cabiam nessa herança. E assim foi, permitindo-me correr certos riscos, nasceu o Fôlego.

6-Você escreveu os livros Fôlego, Tornozelos Deitados, Cecília Roendo as Unhas e Ode Mundana. Como foi o processo de produção? E qual teve maior sucesso?

Cada um dos livros acontece de maneira específica. Não há uma fórmula ou formato definido, ou até, definitivo. Tanto Tornozelos deitados quanto Cecília roendo as unhas, assim como o Pífio – monólogos dos psicotrópicos que não fazem mais efeito, são livros de bolso, feitos quase artesanalmente, com um projeto editorial bem simples, pela kafka edições baratas, selo nascido do entusiasmo de Paulo Sandrini e Fernando Koproski. Serviram um pouco como cartões de visita, como que apresentando o escritor em potencial.
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Ode mundana é outra estória, foi escrito de um fôlego só, durante o primeiro mês da minha mudança para o Rio de Janeiro, em 2004, quando lá fui estudar. Aquela cidade me arrebatou, revoltou-me, amei e odiei ao mesmo tempo. Então, após demorado processo burocrático e cuidadoso projeto gráfico, finalmente Ode mundana foi lançado pela Editora Medusa.
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Todos tiveram sucesso a sua maneira, principalmente no âmbito íntimo. Mas o que até agora me trouxe maior visibilidade foi o mais recente trabalho, o livro de contos Inverno dentro dos tímpanos (Kafka edições), lançado no final de 2008.
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Todavia, espero que o próximo Barras antipânico e barrinhas de cereal (Editora Medusa), que está no prelo, traga-me um bocado de alegrias.

7-Fôlego também está em CD. O que o disco traz?

O disco traz o poema Technera, uma elegia à música. Por ser uma obra absolutamente oral, pensei na ocasião que seria equivocado limitar o poema as páginas do livro. Era um poema sui generis. Por dialogar essencialmente com a canção, pedia sonorização. Para produzi-lo comigo convidei a musicista Grace Torres, do Grupo Fato, um talento inestimável.
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Anos depois o próprio Fato gravou o poema, em seu álbum Música Prageada. Com a voz potente de Alexandre Nero em primeiro plano.

8-Em seus poemas e na canção Triste você fala muito de solidão, você se sente um solitário?

Às vezes me sinto solitário, às vezes não, como todas as pessoas, creio. Agora, quem é escritor e leu Cartas a um jovem poeta, do Rainer Maria Rilke, por exemplo (e eu o fiz tem muitos anos), jamais desconsiderará alguns dos benefícios da solidão. Livros e cds podem ser apenas solidão organizada na estante, quadros podem ser solidão pendurada na parede, ou então um mundo extraordinário que nos ensina a ser menos falidos, desenvolvendo a nossa sensibilidade, o olhar para o humano e seus mistérios, o interesse pela memória... E isso é um pungente libelo contra o lado negativo da solidão do mundo.

9-A letra da canção Triste é uma descrição de sua vida?

Essa canção ela é uma fabulação apenas. Uma estória criada por um escritor. Um conto curto que acabou nesse formato musical que você pode ver no youtube. São mídias sobre mídias. Pois o formato da canção é uma mídia, assim como o youtube ou um livro. E é por isso que encaro a canção como algo que é mais do que a canção, é teatro, performance. Aquele Luiz Felipe que está no vídeo, de óculos escuros, ele é muito uma personagem. E o que são as personagens senão o outro em nós mesmos e por nós mesmos? Ou seja, é claro que a origem da canção, o que a impulsionou, vem do estado de espírito de seu autor em determinado momento da vida. E esse estado de espírito é fugaz, mutante, foge. E, se retorna, já está preenchido de novas experiências. No entanto, a tristeza da canção, na canção, permanece, por mais que hoje eu seja o sujeito mais feliz do mundo. Não que seja o caso.

10-Você também tem grande participação no teatro com peças como Na verdade não era. Como é o seu trabalho nos palcos?

Sempre quis escrever para teatro (hoje quero menos). Então fui estudar teatro. Aí acabei virando ator. A minha formação acadêmica foi em artes cênicas, na CAL, uma escola do Rio de Janeiro. Lá conheci bastante do ofício do ator, li muitas obras clássicas da dramaturgia mundial. Foi natural então que as coisas que à época eu vinha escrevendo acabassem influenciadas pelo teatro. Quando me dei conta, escrevera uma série de peças. Na verdade não era foi o texto em que mais longe cheguei como dramaturgo, na medita em que procurei dialogar com autores do passado para então romper com a tradição do drama e depois, no último ato da peça, voltar a ele, investindo no conceito do teatro pós-dramático, mas com a pretensão de não respeitá-lo em seu formato mais praticado. O resultado da peça me espanta, a polêmica que ela causou, tanto pela estrutura quanto pelo conteúdo, que se confunde com a vida dos envolvidos. Lembro que meti mãos à obra e não sosseguei antes de estar convencido de ter criado o meu Frankenstein, o Na verdade não era.
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E a montagem dirigida por Nina Rosa Sá muito me agrada, especialmente por corroborar com essas idéias e ideais de dramaturgo que eu vinha tendo. Nina é uma diretora de sensibilidade ímpar. E acho mesmo que acertou na mosca sempre que encenou textos meus. Sem contar que as atrizes não mediram esforços para atingir aquilo que Jersy Grotowski chamou de ato raro. Em minha opinião, muitas vezes elas chegaram lá.

11-Entre seus trabalhos destacam-se também cursos e oficinas. Como eles são realizados?

Na verdade nunca ministrei cursos ou oficinas. Uma vez conversei sobre literatura dramática com alunos do segundo grau, o que foi revelador e gratificante. Especialmente por me permitir saber que ainda sou um piazão entusiasmável. De modo que não estou fechado a tais práticas, caso exista interesse.

12-Você consegue ganhar a vida com a arte?

Claro que sim! Sem a arte, acredite, eu estaria morto. Mas se você me perguntar se estou financeiramente tranquilo, se meu futuro está garantido, é bastante óbvio que não. Mas quem está tranquilo, e qual futuro garantido?

12-A sua infância, sua família, o tipo de educação que você teve... Tudo isso tem alguma coisa a ver com a sua opção pela música e a poesia?

Meus pais nunca me disseram: leia, você precisa ler. Acontece que em casa sempre tivemos livros. Herdamos uma biblioteca de meu avô, por assim dizer, populada por grandes figuras e suas obras. Esse lugar da casa sempre foi um bom esconderijo, ali se respirava dormitando livros. Eu tive essa sorte.
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Já a música nunca foi minha opção. Ela é só um jeito de se estar com amigos, de fazer um pouco de farra, de dividir idéias. E nisso a família teve pouca influência. Embora tenha sido em casa que descobri um disco do autor que mudaria minha relação com a música: Chico Buarque. No começo eu não entendia aquilo de “joga pedra na Geni / joga bosta na Geni”. Lembro de meditar por bastante tempo e não ir perguntar nada a meus pais. A música para mim sempre foi o brinquedo de se brincar coletivamente. Eu tenho um primo quase da minha idade que toca violão, com ele comecei a trocar as primeiras figurinhas musicais. Mas eu não levo a música à sério, talvez porque não tenha jeito para instrumento nenhum. Gosto da música porque gosto dos meus parceiros. E se posso ser considerado compositor, sou compositor popular. E acho compor música sozinho muito chato, e bem mais difícil. Escutar música sozinho é agradável, mas quando você se dá conta já está sofrendo.
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A música, diferentemente da literatura, não povoa uma casa só com o pensamento. A literatura, diferentemente da música, não povoa uma casa com pessoas vivas e eloquentes. São naturezas distintas. Poderia então dizer que o excesso de livros em casa deu a mim a música nas ruas. E a música das rodas do mundo, deu-me o aconchego essencial da solidão na literatura.
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13-Você já estudou Direito, Jornalismo e Letras, mas abandonou tais cursos. Por quê?

Não eram a minha praia. O Direito me assustava e me assusta ainda. Digo, o modo como é ensinado e praticado no Brasil. Digo isso sem querer generalizar, é claro, pois, inclusive, lembro de bons professores que passaram pelas salas em que estive. A teoria essencial do direito romano, a sistematização, a lógica da construção das leis e suas tantas falhas, isso tudo é deveras estimulante. Muito do pensamento humano se deve aos juristas, à sensibilidade de juízes ao avaliarem acontecimentos atrozes, a indicarem rumos para que possamos viver protegidos por certa ordem. Mas, em mim, o problema foi que a convivência com os profissionais da justiça me fez logo ver o quão tudo é injusto. E que a burocracia é um ninho para traças. Depois, que nos arquivos mais antigos vai que muitas ratazanas fizeram sua toca. Em resumo, eu me desencantei.
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O jornalismo, por sua vez, trabalha com a realidade de um modo que não me parece justo (essa é a palavra da hora), dada sua insuficiência. Já que o registro de um fato é apenas uma das visões possíveis desse fato, então o jornalismo também produz peças ficcionais de algum modo. E se um jornalista começar a pensar assim ele será seduzido pela ficção e aí, quem sabe, se tornará antiético, porque um jornalista não pode escrever inventando, ele tem que acreditar piamente que aquilo que está escrevendo é o retrato fiel do ocorrido, ou então não será imparcial, não é mesmo? Era um pensamento que me ocorria com frequência durante o período em que estive no curso. Além do mais, se você quer escrever contos e poesias, não pode ficar pensando em cabeça, gravata, em perguntinhas como o quê, quando, onde, etc. O jornalismo para mim era inviável. A não ser que eu fosse uma espécie de Hunter Thompson, ou um Hemingway. Mas aí as cartas estariam abertas na mesa: olha, eu sou escritor e trabalho assim, quer ou não? Enfim, precisei abandonar o curso. Ficaram daquela época algumas aulas de filosofia, uma introdução à semiótica, o carinho pelo professor e poeta Luiz Alberto (Pena) Kuchenbecker, e minha parceria musical com Carlito Birolli, Cauê Menandro e Matheus Lacerda, que nasceu num dos bares ao redor da faculdade. E também o estágio que fiz no caderno de cultura do Jornal do Estado, na época em que o meu amigo, o mordaz Paulo Polzonoff, deixava a cidade em polvorosa. Hoje em dia ele está em outra, pode apostar. Mas com Paulo e com Alessandro Martins, editor da página de cultura, aprendi algumas coisas. Aprendi, por exemplo, que não vale a pena atacar um artista gratuitamente só para deixar a cena em polvorosa, certo? Ser sério, ser sério e responsável, obrigação dos jornalistas.
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Sempre preferi me perder nos acasos, casos e dificuldades da ficção. E o curso de Letras pode que forme teóricos e técnicos, não necessariamente escritores. Não que não existam excelentes escritores dentro da academia, existem. Não que eu também não tenha vontade de me aprofundar técnica e teoricamente, eu tenho. Mas na época em que neguei tais cursos eu era bem mais jovem. E a negação me levou ao Rio de Janeiro. Quer dizer, não poderia trocar essa estória acalorada por outra, principalmente nos sítios do Direito, logo eu que “sou todo errado”.

14-Você é conhecido por andar pelas ruas de Curitiba, entre vários cafés da cidade. O que busca? Personagens, cenários, histórias, enfim, o que nasce dessas andanças?

Eu vou aos cafés para beber macchiattos, capuccinos e comer pão de queijo, ora bolas. Mas é claro que sempre estou atento. Me dá prazer conversar com as pessoas, ouvir suas estórias. Às vezes paro e anoto algo que me ocorra. É bom estar nas ruas para ver a vida e sentir que faço parte dela. Como disse o Samuel Beckett, gosto de prestar atenção àquilo que ninguém está vendo. O óbvio, o que está na cara, a banalidade cotidiana, é aí, para mim, que se esconde o assombro. A literatura que faço não é autobiográfica, ou seja, não é sobre mim, mas seria ingênuo pensar que ela não é feita a partir de mim. Então eu preciso ir até lá para constatar certas coisas. Depois de ver o escritor pode imaginar melhor. Eu jamais quereria ser como o Dalton Trevisan, que é conhecido por andar nas ruas, todos sabem a cara dele, e mesmo assim fingem que ele é invisível. Para mim é assim: ou o anonimato total, ou a obrigação do bom dia, como vai?

15-Como você avaliaria a poesia da sua geração?

Do que eu conheço, muito me apraz. O pessoal é erudito, têm técnica exemplar, e verve. Alguns apresentam mais paixão, outros uma ambição da métrica. Se comparada a algumas gerações anteriores, a poesia de meus contemporâneos está mais aproximada da vida vivida, do corpo a corpo com, como disse Drummond, o sentimento do mundo.
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Você não me pede, mas tomo a liberdade para destacar dois extraordinários poetas: Edson Falcão e Rodrigo Madeira, trabalham em polos distantes, mas você não fica indiferente ao ler um ou outro. Falcão se aproxima da filosofia, revelando suas potencias a partir de uma existência comezinha, pacata. Mas não se engane, é uma poesia de ventosas que penetram o sangue do cérebro. Madeira vem com seus pássaros ruins como que saídos de nuvens negras, um universo denso, mas que é ouro dado o requinte de sua arte.

16-Quais artistas que mais te influenciaram? E hoje, qual ainda te espira?

Tantos. Vem à memória assim de supetão: Salinger, John Fante. Tchekov, Samuel Beckett... No Brasil, Murilo Mendes, Jorge de Lima, Manuel Bandeira e Vinicius de Moraes. Entre as mulheres, Clarice Lispector, um assombro, Hilda Hilst, outro. Fui absolutamente arrebatado por Raduan Nassar, por João Gilberto Noll de A fúria do corpo... Meu Deus, isso não tem fim, e olha que nem saí dos escritores ainda. As influências e inspirações não sossegam um minuto. Como minhas relações com a arte até hoje foram bastante abrangentes, aconteceu muito, por exemplo, de as artes plásticas influenciarem no teatro que eu pretendia fazer, seja como ator ou autor. Ou então, escritores me mostrarem o caminho para determinada cena que eu estivesse dirigindo. Ou algum instrumentista me revelasse o sentimento perfeito para um poema, etc, etc, etc. Essa é uma pergunta difícil.

17-Ao lado de Alexandre França você dirige a companhia de teatro Iconoclastinhas. Como é esse trabalho?

Os Iconoclastinhas éramos uma dupla de poetas, chamemos assim, performers. Duas personagens politicamente incorretas que incendiaram a cidade por algum tempo. No fundo, uma estripulia artística. Mas a dupla não existe mais.
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Quando, já sozinho, resolvi fundar meu grupo de teatro, com o consentimento do França, apropriei-me do nome. E com essa Iconoclastinhas Cia. de Teatro realizei alguns trabalhos, não muitos, pois logo apareceu em meu caminho a diretora Nina Rosa Sá, da Companhia Provisória. Naturalmente nos transformamos em Provisória/Iconoclastinhas. Mas isso não fazia sentido, pois não? Daí que da nossa fusão nasceu o grupo Teatro de Ruído, do qual hoje faço parte, cumprindo especialmente o papel de dramaturgo.

18-Quais são seus próximos projetos?

No momento trabalho na minha Trilogia da Geada. São novelas independentes, mas com uma mitologia entranhada que perpassa as três.
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Na primeira, A neve não tem gosto de algodão doce (o exílio), a trama acontece entre Rio e Curitiba; A segunda (a terra, o lar), chama-se Tudo que não esqueço é ilusão, o resto foi real, nela trabalho com um conceito de memória inventada, onde narro alguns episódios de uma família curitibana, moradora de um bairro periférico; Depois, Outras paisagens secretas (cárcere), acontece num restaurante chique e central, um homem e uma moça conversam e rememoram uma ausência, um mesmo amor, que ambos perderam.
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As três são narradas na primeira pessoa, por personagens nascidos em 1975, o ano em que nevou em Curitiba.

19-Conte um pouco como foi morar no Rio de Janeiro e estudar na Casa de Artes de Laranjeiras.

Foi uma das coisas mais importantes em minha vida. No Rio de Janeiro, caso esteja aberto para a aventura (e eu estava), você será brindado com uma injeção de humanidade em cada poro de seu corpo. Seus olhos assistirão belezas ininterruptas ao mesmo tempo em se sujarão de decadência e desamparo. O amor, a leveza da bossa nova, a ancestralidade do samba, a cultura dos negros, o peso histórico da época em que foi império, a Ipanema e o Leblon paradisíacos que você vê nas novelas do Manoel Carlos (que não são de todo uma mentira, embora sejam), tudo isso e muito mais é possível reconhecer e, depois, conhecer a fundo. A natureza explodindo em cada janela, a contradição naquelas edificações sobre pedras, túneis abertos feito um pão sem recheio. E a Cidade de Deus, a Tropa de Elite, as atrocidades que vemos no noticiário, tudo isso também está por lá, e se faz presente na tua esquina quando você menos espera. Mas só um tolo não subiria os morros ao menos para conhecer, não iria até a Mangueira, ou não tentaria encontrar recantos selvagens em praias afastadas. Afora isso, vivi alguns amores insuperáveis, outros insuportáveis. Fiz amigos, creio, para toda a vida. Convivi com famosos legais, famosos medíocres, com andergraudes insípidos, com andergraudes geniais. O escritor que sou hoje, para o bem ou não, deve-se muito a minha estada no Rio. E jamais poderei esquecer que a CAL, embora esteja longe de ser perfeita, do ponto de vista artístico, injeta em você uma quantidade inestimável de referências e ensinamentos. A possibilidade de conviver com grandes mestres, como Celina Sodré, por exemplo, isso de viver o ofício do teatro mais de seis horas por dia todo santo dia, com aulas de expressão corporal, aulas de técnica vocal, aulas de história do teatro, enfim, é algo que não sairá de minha carne. Tudo isso fez com que, após esses anos todos, mesmo tendo voltado para Curitiba para me curar, eu possa afirmar: o Rio é mesmo a Cidade Maravilhosa que todos dizem. Isso quando ele não é a Cidade do Foda-se.

20-Pessoas de outras cidades atribuem aos curitibanos o rótulo de ser muito fechados, mau humorados, antipáticos, como você rompeu com este estigma?

Com bom humor e simpatia. Sem forçar a barra. Esses rótulos colocados nos curitibanos são uma falácia. Em minhas andanças poucas vezes vi um povo tão bem educado quanto os curitibanos. Não é que sejamos antipáticos, apenas não somos invasivos. Mas isso são características que pensamos identificar no povo, em nós curitibanos, quando na verdade cada ser é de um jeito, e tem gestos variáveis conforme a ocasião, apesar dos traços de personalidade. E, além do mais, os cariocas gostam muito do curitibanos, eles nos têm em altíssima conta.

21-Que recado deixaria para os jovens que admiram o seu trabalho e pretendem seguir a mesma carreira?

Agradeço de coração aqueles que admiram meu trabalho. Espero poder continuar escrevendo sempre. E tal admiração me ajuda a prosseguir.
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Aos que pretendem ser escritores, digo o que digo a mim mesmo: Leia, leia, leia e escreva. Depois releia, releia, releia e reescreva. Não se afaste das suas origens, elas farão você ser original. E, lembre-se sempre: tanto para o leitor quanto para o escritor, a literatura é um brinquedo extraordinário, um jogo diverso, mas daqueles em que se brinca sozinho. Queira ou não, é assim.

22-Me escreva um poema inédito.

Um que nunca foi escrito antes. Aí vai:
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na boca cai bem um sorriso
um sorriso para que você sorria por aí
feito um bobo alegre
um bobo alegre, pois não
tem coisa melhor?
um bobo alegre capaz de mudar o
nome do tédio para ameno, eis
uma boa proposta
feita pelo bobo alegre
o mesmo que diz ser preciso
esgotar o desgosto e
gostar desse gozo
o mesmo que acha o inverno
uma ótima estação para se
desenvolver, estética e
espiritualmente, o corpo
o corpo de ficar embaixo das cobertas
só beijando na boca
beijando na boca até secar a saliva
diz o bobo alegre, depois sorri
isso é bem bom: ir sorrindo
sorrindo, e que não seja
da boca pra fora

3 comentários:

  1. tá vendo? tá vendo? tá vendo? se colocasse a música que a gabizinha gosta no youtube, algumas perguntas seriam bem diferentes.

    me escreva um poema inédito.

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  2. Estou muito feliz por você ter publicado a entrevista, abraços Patricia Rosa

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  3. legal, patrícia. gostei de ser entrevistado por você. faça isso mais vezes, com mais artistas da cidade. precisamos de pessoas interessadas ao nosso lado. bj.

    sabrina, não faltarão poemas pra você. bjs.

    lepre.

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