terça-feira, 16 de junho de 2009

tecnologia do afeto

A atriz Ciliane Vendruscolo ao lado da diretora Nina Rosa Sá

A diretora Nina Rosa Sá escreve semanalmente para o Jornal Caiçara (http://www.jornalcaicara.com.br/cultura.html), de União da Vitória. Em sua resenha de alguns semanas atrás ela escreveu sobre o lançamento que fizemos do Inverno dentro dos tímpanos por lá. Para variar, a Nina me deixando comovido. E achando que ela é demais carinhosa com esse escriba que não merece tanto.
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Sobre o inverno
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Sim, de fato esfriou bastante. Mas, convenhamos, este não é um espaço para se discutir temperatura ou estações do ano. Até porque, tecnicamente, o inverno não começou ainda. Embora pareça que sim. Então por que nomear esta coluna assim? Bem, existem invernos metafóricos.
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Na semana passada eu estive aí na cidade junto com dois amigos muito queridos para lançar o livro de um deles. Inverno Dentro dos Tímpanos, de Luiz Felipe Leprevost. A outra pessoa querida era a grande atriz Ciliane Vendruscolo, que nos acompanhou para ler alguns contos. O lançamento foi promovido graças a uma parceria bacana entre a Fundação de Cultura de União da Vitória e a Confraria da Cerveja, e também organizado por uma porção de outros amigos queridos. Sem contar os amigos que sempre prestigiam este tipo de evento.
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E uma vez que estávamos aí, prontos para ler alguns contos do livro, fiquei incumbida da missão de apresentar o autor. E da mesma forma que comecei lá na Confraria, começo a minha fala sobre ele aqui: o Luiz Felipe Leprevost é meu amigo. A gente se esbarrou na vida por obra do acaso e de um ciclo de leituras dramáticas. Nós nos conhecemos quando eu fui convidada a dirigir uma leitura sobre Hilda Hilst no Teatro da Caixa e ele foi convidado a atuar. Tínhamos nos esbarrado fortuitamente umas duas ou três vezes, mas nunca tivemos tempo de conversar propriamente. No processo de ensaios da leitura acabei me identificando, e muito, não só com as referências desse incrível poeta, dramaturgo, contista, ator e diretor, mas também com o seu coração de artista. Depois da leitura apresentada prometemos os dois que não nos separaríamos. E cumprimos a promessa. Tanto que aqui estou, falando sobre ele, sobre o seu livro e também sobre suas peças.
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O Leprevost tem uma teoria que muito me agrada sobre a arte e a vida em geral. A teoria é tão importante que ele escreveu uma série de pecinhas, que combinadas, formam uma peça chamada Pecinhas Para Uma Tecnologia do Afeto. A teoria é mais ou menos sobre isso. Antigamente – e eu uso a palavra antigamente para me referir ao ano passado – ele acreditava numa didática do afeto. Que se estendia para todas as formas de comunicação. O modo como se escreve o mais burocrático dos e-mails, mas ainda assim prevalecendo uma espécie de carinho pelo destinatário, é um exemplo disso. No final do ano passado, inconformado com a quantidade de tecnologia envolvida na feitura de um espetáculo e o total despreparo de alguns atores, Luiz Felipe, digamos assim, evoluiu a sua teoria. Surgiu então a tecnologia do afeto. Que é a única coisa que nos interessa.
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Segunda-feira passada nós apresentamos mais quatro pecinhas no Wonka Bar. Em cena, eu, ele, o Leo Fressato (de quem já falei neste espaço) e a Fábia Regina. Antes de irmos pro bar arrumar o cenário e outras coisas, nos reunimos aqui em casa para terminar o pouco que faltava. Eu passei um café e, enquanto a Fábia terminava de editar uma gravação em off e um vídeo, ficamos conversando. Foi quando Leprevost disse a coisa mais incrível. Nós não falávamos sobre teatro ou sobre arte. Sequer falávamos sobre a apresentação de logo mais. Não. Falávamos sobre amor, sobre paixão, sobre sexo, sobre beijar na boca. Ele se virou e disse: “É por isso que eu sei que a gente vai dar certo. Porque ao invés de ficar falando de teatro e dessas coisas, a gente fala sobre beijar na boca. Porque a gente só sabe falar sobre amor. Isso é tecnologia do afeto.” E a verdade é essa, nós sempre estamos declarando algum tipo de amor.
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Por isso, Inverno Dentro dos Tímpanos, o livro de contos lançado em União da Vitória na semana passada, é tão tocante. Por mais que alguns contos sejam bastante experimentais, ainda assim eles são sobre amor. No caso da obra, talvez apareçam mais os defeitos e as crises que o amor provoca. Em minha opinião, existem dois tipos de contos dentro do livro. Alguns mais experimentais, um pouco mais leves e outros tristes de congelar a alma. Como eu já disse, existem invernos metafóricos. Junto com o amor vem o desprezo, a dor, a inabilidade de derrubar uma lágrima, a solidão, o abandono, as drogas pesadas, o exílio. Não há redenção fácil. Há o trajeto, em alguns casos, para um lugar um pouco mais ameno.
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E apesar da tristeza salpicada em cada página, nós ainda continuamos falando sobre beijo na boca. E apesar da tristeza vinda de outros lugares, o autor foi bastante feliz em seus dois dias de União da Vitória. E apesar da tristeza também há espaço para o sarcasmo, para a graça, para um espírito meio Bukowski.
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E pra quem quiser saber das impressões do autor sobre a nossa cidade, ou apenas quiser ler mais coisas, encerro aqui deixando um trecho do que lá ele diz, e o endereço do blog: “Eu, Nina Rosa e Cili estamos em União da Vitória - PR, cidade que vive de mãos dadas com Porto União - SC. O trilho do trem não é o que separa as duas cidades, ao contrário, é sua aliança de casamento.” http://www.notasparaumlivrobonito.blogspot.com/.
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Nina Rosa Sá

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