sexta-feira, 9 de outubro de 2009

fragmento de uma minha novela inédita

Na noite em que vim embora, entrei num ônibus e deixei tudo para trás. Quando o frio ardeu em minhas narinas, eu soube: estava em casa. Lembro nitidamente da madrugada em que pisei de novo em Curitiba. Fazia 7 graus e tudo era branco do lado de fora. O ônibus da Itapemerim mergulhando num copo de leite integral muito gelado, cheio de nervuras, quase virando pedra. Trazia uma mala pequena e um coração pesado demais. Não carregava livros, apenas poucos amigos, por carinho. E algumas memórias. Vinha do Rio de Janeiro e meus olhos tinham secado. Estava de volta em minha cidade, em ruas vazias com indecifráveis hieróglifos de mijo e sua caligrafia do sangue das almas simbolistas. O apartamento que um dia tinha sido escritório de meu pai transformei em moradia, no oitavo andar do Edifício Tijucas. Jornais, revistas e livros comprados em sebos agora dividiam espaço com latas de suco e embalagens de comida pretensamente saudável desde que parei de me embebedar e passei a me preocupar com “o futuro”. Hoje faço alguns planos e às vezes dou umas voltas no Parque Barigui. Noutras ocasiões, me perco na neblina de dentro dos próprios bolsos, feito um chaveirinho separado da chave de casa. Aos fins de semana, peço pizza cortada em oito, dou-me esse direto. Mimo a mim mesmo às vezes. Vivo aqui, na nave do sofá vermelho, ora dentro da novela pilotando a televisão, ora roncando baixo enquanto meus ouvidos se comovem com uma canção fudidamente triste cantada por Nina Simone. Cinco anos faz que emborquei lá atrás a Cidade Maravilhosa. E continuo olhando para você, Nanda, nas fotos que trouxe comigo. Cinco anos que almoço quase todos os dias sozinho em restaurantes à quilo. Às vezes lembro que gostaria muito de visitar Machu Pichu, mas acabo me contentando com o Passeio Público. Após o almoço, caminho até a Praça Osório, de lá vou para o Largo da Ordem, no Sal Grosso bebo um copo de suco de laranja muito ácido, não feito um condenado, porém um carrasco de mim mesmo.

6 comentários:

  1. autobiografia pode?
    contentar-se com o Passeio Público é triste pra nós, hein? e seguimos percorrendo essa curitiba que é o nosso quintal...
    abs.. gostei do trecho de novela inacabada!

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  2. Isso aí, Leprê. Lembre-se sempre de uma coisa que cheguei à conclusão: ninguém adota uma rotina sem gostar muito de tudo aquilo. Este pensamento serve tanto para casais em crise quanto para escritores. Eu não vivo sem meus vinis de sábado a tarde, religiosamente. Sem a pizza de domingo depois de um futebol na tv e antes ainda uma feirinha no largo. Por quê? Porque amo muito tudo isso. Belo texto, grande abraço.

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  3. valeu cesar felipe... legal você sempre por aqui. mas olha, não é tudo isso mesmo, digo, autobiográfico? se bem que falar sobre nós mesmos, nisso vai quando mais mentimos, já que é impossível nos olharmos de fora. curita é esse quintal louco. fico feliz que tenha gostado do fragmento. abração.

    é isso aí, flavião... tô contigo e não abro. dessa tua rotina só não vou no futebol. de resto sou parceiro. legal que cê gostou do texto. abração.

    lepre.

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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  5. tb acredito q transpareça muito da própria história; olho esses escritores "não sou autobiográfico" com olhos ressabiados..

    e respondendo ao mister gruvox jacobsen (aliás, belo disco esse último, hein!): também dispenso o futebol!

    esses dias marcaram comigo: "apareça lá domingo na hora do futebol".. e eu: ok! depois tive de ligar perguntando q horas é o futebol... huahua...

    outra engraçada foi: "vc viu o casos e causos com o felipe leprevoST?" (dito como se escreve!) - mas vc já deve tá acostumado com isso...

    é isso!; abs...

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  6. diga lá, cesar nero felipe... que bom que viram o casos e causos. foi bem divertido fazer. esse OST é clássico já. qualquer hora dessas marcamos um esporte (etílico). abraço. lepre.

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