quinta-feira, 30 de abril de 2009

mais sobre o Inverno dentro dos tímpanos

No site Terra Magazine, num sábado, 31 de janeiro, 2009, em São Paulo, Roberto de Sousa Causo, publicou a seguinte resenha sobre os livros da Kafka Edições, Coleção Antena, que o meu Inverno dentro dos tímpanos agrega.
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Interessante que ela se chame "Antena", sugerindo ao mesmo tempo que seus autores (todos curitibanos) e os enfoques que adotam, dentro mesmo do absurdismo, estão mais antenados à realidade atual - e que a coleção funciona como uma antena irradiando a mensagem do grupo para o restante do Brasil. É de se perguntar o que há no clima de Curitiba, cidade simpática que conheci no final de 2007, que leva a uma intimidade tão grande com o absurdo...
Os seus editores são Paulo Sandrini e Luci Collin. Collin faz em Acasos Pensados (Curitiba: Kafka Edições, Coleção Antena, 2008, 102 páginas) ataques à narrativa convencional com contos que fundem poesia, prosa e recursos de montagem, e que apontam para a arbitrariedade a escrita ficcional (assumindo portanto um caráter metaficcional). Mas são os seus contos que configuram as vozes de mulheres de diferentes estratos sociais, os de maior interesse: "Daqui", "Fotinha", "Caso Pensado", "Traçadaslinhas" e "Literatura Feminina - Questão de Regras". A poeta e contista Collin está na antologia Geração 90: Os Transgressores (2003), de Nelson de Oliveira, e publicou mais de dez livros.
Sandrini comparece com Osculum Obscenum (Curitiba: Kafka Edições, Coleção Antena, 2008, 80 páginas), intensa novela claramente absurdista com elementos de ficção científica (girando em torno de uma empresa de clonagem e engenharia genética), composta em torno de imagens do inferno na cultura ocidental. Os diálogos têm um peso maior aqui, assim como o humor e certo espírito brincalhão, bem pós-modernista. Não escondem, porém, a atmosfera perturbadora e o conteúdo de sexualidade explícita. Sandrini é um agitador cultural em Curitiba, e designer gráfico (fez um ótimo trabalho com esta coleção). Tem outros dois livros publicados e está na antologia de Nelson de Oliveira, Futuro Presente, de ficção científica, a sair no primeiro semestre de 2009.
Um problema da ficção absurdista é a tendência de repetir que a vida não faz sentido. Não no mundo moderno, supõe-se. No meu ver, quanto mais específica, maior o alcance dessa crítica. Nesse sentido, os contos de Inverno Dentro dos Tímpanos (Curitiba: Kafka Edições, Coleção Antena, 2008, 106 páginas), de Luiz Leprevost, e Arquivo Morto (Curitiba: Kafka Edições, Coleção Antena, 2008, 188 páginas), de Marcelo Benvenutti, trazem o absurdo mais para junto da experiência brasileira.
Leprevost tem um talento para os diálogos e para a construção de atmosferas. Seus contos em Inverno Dentro dos Tímpanos tratam da vida em Curitiba e por isso ganham em especificidade e seus tipos humanos são mais concretos. Há algo de hipnótico na sua prosa, especialmente quando lida com personagens destemperados, rancorosos com uma sociedade que não conseguem entender. Não obstante, seus contos não escapam de certa repetição justamente nessa atitude irada contra tudo e contra todos. Os textos são entremeados por uma série de quatro vinhetas: "Soluções Físicas e Químicas para se Fazer um Kafka" (que em si denuncia a influência onipresente do autor tcheco). Leprevost é formado em Artes Cênicas (daí a habilidade com diálogos e com a atmosfera dos contos?) e tem outros cinco livros publicados, dois deles pela Kafka Edições.
B
envenutti tenta ser ainda mais incisivo. Seus contos curtos, organizados no livro de forma enciclopédica (de acordo com a letra inicial do título), exploram tipos e situações contemporâneas e têm um alcance maior, indo da metrópole ao campo sem hesitações. O absurdo assume formas igualmente diversas, indo do meramente curioso nas relações humanas, ao francamente ofensivo. Melhor são aqueles dos quais escapa alguma simpatia pelos personagens e suas circunstâncias, como "Alberto", sobre um casal que vive se encontrando num bar - claramente feitos um para o outro, mas sempre bêbados demais para reconhecê-lo. No conjunto, o livro sofre com a brevidade dos contos (escritos para o blog do autor, Vidas Chatas) e da repetição de estruturas e abordagens. Certamente também há aí uma crítica implícita ao absurdo da vida moderna, já que a brevidade enfraquece o envolvimento do leitor (num cenário de pouco envolvimento real entre as pessoas) e a repetição espelha a rotina supostamente massacrante das nossas vidas. Eu teria apreciado outras saídas para este Arquivo Morto, porém. Benvenutti tem outros dois livros de contos publicados.
As imagens surrealistas do capista Marco Sandrini são perfeitas para a coleção, que também caprichou no papel e diagramação. A maior novidade, porém, está no uso da nova ortografia. A Kafka Edições resolveu se antecipar à outorga da nova reforma ortográfica pelos nossos burocratas da língua e da intelectualidade. Como sou contra a reforma, é impossível não enxergar no seu uso pela Kafka Edições um outro traço do absurdo. Uma boa razão para posicionar os membros da Academia Brasileira de Letras na linha de frente da guerra contra os Taedos.
Roberto de Sousa Causo
de São Paulo

roberto.causo@terra.com.br

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