domingo, 31 de janeiro de 2010
na verdade não era
sábado, 30 de janeiro de 2010
na verdade não era
sexta-feira, 29 de janeiro de 2010
três vivas pro tio jaques
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nosso mestre em Horácio
glutão quando churrasco
passa perna no carrasco
nos defende dos ataques
três vivas pro tio Jaques
..
viva! viva! viva!
..
professor de tantos vates
nosso guia em Virgílio
cordial com os vulgares
ensinou tudo aos Avatares
três vivas pro tio Jaques
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viva! viva! viva!
quinta-feira, 28 de janeiro de 2010
salinger se foi
.....Acabei me cansando de ficar sentado naquela pia, e aí me levantei e comecei a sapatear, só de farra. Não sei sapatear nem nada, mas o piso do banheiro era de pedra e por isso dava um som perfeito. Comecei a imitar um desses sujeitos do cinema, num desses musicais. Odeio o cinema como se fosse um veneno, mas me divirto imitando os filmes. O Stradlater me olhava pelo espelho, enquanto se barbeava. Tudo de que eu preciso é de uma platéia. Sou um exibicionista.
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.....(...)
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.....Me deram um quarto muito vagabundo. A única vista que eu tinha era a outra ala do hotel. Não que eu ligasse para isso. Estava deprimido demais para me preocupar se a vista do meu quarto era boa ou não. O empregado que me levou até o quarto devia andar pelos sessenta e cinco anos e conseguia ser mais deprimente que o próprio quarto. Era um desses carecas que penteiam todo o cabelo do lado por cima da cabeça para tapear. Eu preferia ser careca de uma vez a fazer um troço desses.
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.....(...)
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.....Me senti tão feliz de repente, vendo Phoebe passar e passar. Pra dizer a verdade, eu estava a ponto de chorar de tão feliz que me sentia. Sei lá por quê. É que ela estava tão bonita, do jeito que passava rodando e rodando, de casaco azul e tudo. Puxa, só a gente estando lá para ver.
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.....(...)
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.....Uma porção de gente, principalmente esse cara psicanalista que tem aqui, vive me perguntando se vou me esforçar quando voltar para o colégio em setembro. Na minha opinião, isso é o tipo da pergunta imbecil. Quer dizer, como é que a gente pode saber que é que vai fazer, até a hora em que a gente faz o troço? A resposta é: não sei. Acho que vou, mas como é que eu posso saber? Juro que é uma pergunta cretina.
quarta-feira, 27 de janeiro de 2010
cécile de france
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na verdade não era

terça-feira, 26 de janeiro de 2010
conto noir
.....Ok, eu faço
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.....Os caras chegaram pra me cobrar.
.....Eu não tinha a grana.
.....Então pague com serviço, disse um deles.
.....Que tipo de serviço, eu quis saber.
.....Apague o Ramón pra gente.
.....E se eu não fizer?, provoquei.
.....Aí quem vira presunto é você, apontou a arma pra mim.
.....Ok, eu faço, me resignei e completei, Só tem um problema.
.....Qual?, quis saber o Feioso.
.....Eu não tenho uma arma, respondi.
.....Púlia, dá uma arma pro rapaz.
.....Púlia me deu a arma.
.....Está carregada?, perguntei.
.....Claro que está carregada.
.....Então dei dois tiros.
.....Um no pescoço do Púlia, e outro na fuça do Feioso.
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lufus e linhares em ação
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na verdade não era

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010
na verdade não era

sábado, 23 de janeiro de 2010
só é ilusão aquilo que não esqueço, o resto foi real
.....Na manhã seguinte você entrou no meu quarto e disse que entre nós estava tudo acabado. Um calafrio subiu feito peixe elétrico em minha espinha. Tentei argumentar, ponderar. Conversamos e era como mastigássemos os cubos de gelo de nossos laços sendo desfeitos. Você estava decidida.
.....Três meses depois, você havia me trocado pelo Tatit. Isso acabou comigo pra sempre. Morar na chácara se tornou insuportável e me mudei pra uma república, no centro.
.....Passava os dias fumando maconha e lendo, a noite ia pra Reitoria. Após as aulas, perdia-me por madrugadas que duravam finais de semana inteiros, no centro, nos subúrbios, nas praias, pelo interior do estado. Tanto vaguei, sonâmbulo, maloqueiro, por entre os becos das bocas da carência, entre o cimento dos postes dos corpos das putas, que nunca me recuperei. Nunca mais me perdoei. Mas por perdoá-la a perdi, e assim eternamente.
sexta-feira, 22 de janeiro de 2010
se te conto uma mentira
tolera-se a visão do enfermo pois há a pele a definir leiaute comum, mas socialmente não se admite a indignidade da ferida no corpo humano
não, você não tá entendendo, deixa eu explicar, ela é a marida daquela outra, e esse ali é o esposo daquele moço de bigode
ciência é religião, senão vejamos, a fecundação é a única eternidade plausível
bilhete suicida: agora preciso mesmo ir
bilhete suicida: é isso aí, amiguinhos, tô caindo fora, é preciso pagar uns impostos ainda hoje. abraço pra quem fica
explicações de um poeta (gritado): eu não estou entendendo, não estou entendendo absolutamente nada, e não sei o que é a poesia
explicações de um poeta: não interessa se você escreve num laptop ou num guardanapo, não é isso que define a qualidade da literatura
não interessa se você escreve com uma Stabilo no Moleskini, ou com Bic num caderno Tilibra, não é isso que define a qualidade da literatura
explicações de um poeta: corro a caneta, a tinta queima o papel, as chamas avançam sobre minha mão
noite cheia de Exus, bem, se eu também estava lá era porque possivelmente era um deles
conto erótico: os olhos salivando, o coração entreaberto feito lábios, era macia como fosse de algodão por fora e de carne mesmo por dentro
sobre cinema: ganhar o Oscar de maquiagem é fácil, quero ver ganhar o Oscar sem maquiagem
recado pelo twitter a um amigo: quando tiver em Curita, reunião no meu escritório, fica em qualquer lugar que venda cerveja gelada
sobre cinema: eu já vi "não minha filha, você não vai dançar". achei poderoso. triste. sem solução
ainda não vi Avatar, mas quem tem um, digamos, avatar como Octávio Camargo por perto, não precisa sequer de aventuras hollywoodianas
conto de terror: ontem ao ser visto pela bruxa da vizinha, não tive dúvida, ela desejou fritar meus olhos e minha língua em gordura podre
nenhum homem sabe o que nem quanto vale, de modo que cada um põe em si o preço que quer, isso me parece explícito e até, que vergonha, vulgar
no entanto, não pôr-se preço algum, embora raro, também é bem possível, e é muitas vezes o que faz, aliás, com que o homem valha mais
veja, não é raro que ouçamos o que se diz de alguém que tem muito valor: esse não tem preço
explicações de um poeta: por que você escreve? eu sempre quis responder a pergunta "por que você escreve?"
explicações de um poeta: por exemplo, no Chile quando venta escuto versos de Neruda, ou, nos versos de Neruda escuto o Chile quando venta
explicações de um poeta: na Bahia o mar quando quebra na praia é Caymmi, é Caymmi... Caymmi deitado naquela rede, é o mar da Bahia deitado
explicações de um poeta: um poeta não se explica
um músico: o solo da guitarra, o berro do vocal não seriam nada sem o coração da platéia inventando junto essa espécie de monólogo coletivo
bilhete suicida: minha nossa, tô atrasado. até mais. beijo pra quem fica. fui
tem dias que tudo o que conseguimos é algo assim como, digamos, a vitalidade de lesmas entristecidas
podemos tentar a vida toda ser delicados feito os violinos, mas quem às vezes não mostra as garras acaba sendo agarrado
putz, não é nem um pouco fácil manter, digamos, a elegância quando se tem um caso de amor com Carrie, A Estranha
bilhete suicida: 1,2,3, desligando a máquina, boa noite a todos
aí ele disse: sério, cara, meu tendão de aquiles são minhas amígdalas, preciso operar logo
são elas, as crianças... as crianças comovem o futuro do mundo
a única certeza que tenho: só as crianças são de verdade
vou dizer, crianças nos dão aula de independência quando abandonam fralda, chupeta e, depois, quando aprendem a amarrar os cadarços sozinhas
dois piazinhos durante o recreio na escola: ah, cala-boca, foi meu vô quem inventou o peido. e o outro: mas foi o meu quem patenteou
gênio incompreendido? isso não existe... os gênios são gênios porque, de um jeito ou de outro, cedo ou tarde, foram compreendidos
um cliente (pentelho?) para o dono do bar: conquistar clientes é conquistar pentelhos
pro dia ser realmente um dia de sol, é preciso que esteja fazendo sol fora e dentro da gente
método teatral: de uma atriz feia tudo que espero é que ela tenha coragem e seja capaz de em cena se tornar absolutamente linda
método teatral: de uma atriz linda tudo que espero é que ela tenha coragem e seja capaz de em cena se tornar absolutamente horrível
hoje vai ser isso, o dia de comer sem molho os ossos desse mundo cão
o pessimista que quer mais e mais: não, amigos, se isso que está acontecendo está acontecendo mesmo, então o inusitado ainda não aconteceu
o egocêntrico realista ou, no mínimo, inevitável: fora de mim eu não existo
quinta-feira, 21 de janeiro de 2010
só é ilusão aquilo que não esqueço, o resto foi real
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.....Acho que nunca disse isso a você quando estávamos juntos, mas não posso deixar de acreditar que, num primeiro momento, minha verve poética aflorou quando na quinta série, com uma menininha bem feia chamada Vani, que engraçado, dei meu primeiro beijo na boca, de língua. Selinho já tínhamos dado muito antes eu e você, nas tardes longas de inverno em que a chácara ficava submersa na chuva.
.....Mas aquele beijo deslizando sobre o cio da vergonha, aquela língua que flutuava, a mais sincera, a mesma língua que depois diria para as amigas que meu beijo era doce, sem veneno, que espalharia a fama do meu beijo-anzol, aquele era um acontecimento inédito. Quero dizer, você não foi o meu primeiro beijo de verdade. Será que eu fui o seu? Mas talvez tenha sido melhor assim, quando nos encontramos, as línguas já tinham alguma experiência.
.....Nossa, quanto tempo esperei por você. Veio a pré-adolescência e eu senti que tinha perdido o sabor natural, o gosto das descobertas dos beijos. Meu beijo parecia que tinha se automatizado, se tornado áspero fruto da espera. E era você que eu esperava. Mesmo assim meu beijo se fez arma de caça, um beijo que derrubava a presa de imediato nas festas. Mas na verdade era um beijo meio que matemático, megálito e medroso.
.....Até que naquela noite você entrou no meu quarto para me devolver um livro e a gente começou a falar sobre a estória do Holden Caulfield, que me fazia lembrar o Tatau, embora o Tatau não fosse rebelde e então, finalmente, deu-se. Eu abri num leque as palmas das mãos e como colhesse um fruto grande segurei de leve seu rosto quente. Você beijou minhas palmas, a direita, depois a esquerda. Seus olhos umedeceram como se pupilas e retinas, aos poucos, fossem sendo sobrepostas pela luminosidade do abajur.
.....De repente, passos imprimiram um peso e ritmo no assoalho que eu conhecia bem. Minha mãe com o camisolão que alcançava os calcanhares vinha pelo corredor. Você se escondeu atrás da poltrona verde musgo. Você não piscava, não respirava de apreensão. Minha mãe entrou no quarto sem bater na porta: O que você está fazendo que ainda não dormiu, Jassei?
.....Lendo, mãe.
.....É muito tarde para leitores da tua idade.
.....Eu já tenho 14 anos.
.....Jassei, não me retruque.
.....Eu só queria acabar o capítulo.
.....E já acabou?
.....Acabei.
.....Então agora durma.
.....Tá.
.....Me virei na cama dando as costas para ela do lado de fora da porta: Boa noite, mãe.
.....Durma com os anjos, filho.
.....Apaguei a luz do abajur. Ela se foi. E você, meu anjo, lívida, saiu de trás da poltrona.
especulações sobre o amor simples
sábado assistindo filmes do Kurosawa
pra dançar até o chão pedir água
e pra dividir combinados de sashimi
e sujar toda a roupa com shoyo light
e pra gente dividir sonhos acordados
e afugentar os pesadelos enquanto
feito um anjo da guarda vela o sono do outro
e pra te assistir brincar com estudos de Chopin ao piano
pra viajar até Floripa fora da temporada de verão
e comer frutos do mar num lugarzinho que só eu conheço
na praia do Campeche
enquanto surfistas caminham o horizonte
enquanto a noite feito uma enorme ave azul pousa
e então em nosso quarto
numa pousada altamente ecológica
fazer amor loucamente, sem naufrágio
namorar você pra no cinema
segurar tua mão e dizer “calma, vai ficar tudo bem”
quando for um desses filmes que provocam catarse na gente
pra controlar minha alergia a rodinhas de
fumantes e ir lá pra fora
quando você precisar de nicotina e fumaça
pra no verão a gente tomar uns bons porrinhos
sentados na calçada em frente ao Torto Bar
pra gente deixar de beber por uns tempos
pra você me contar que acha que se identificou mais
com o próprio Tolstói do que com Anna Karenina
e pra, mesmo antes de apagar a luz de noite
ou depois de abrir as cortinas pela manhã
a gente fazer amor loucamente, sem loucura ou psicanálise
namorar você pra te levar em lugares
onde ainda existem pirilampos e vagalumes
pra te ensinar a diferença
entre ursinhos de pelúcias e gremlins
pra gente ir tomar sorvete de passas ao rum
naquela sorveteria do Parque Passaúna
pra darmo-nos de comer feito dois bebês
pra eu elogiar o macarrão da minha sogra
numa noite de sexta-feira chuvosa
pra você me ensinar francês
pra você me ensinar sobre paisagismo
pra ajudar você a tirar com acetona o esmalte das unhas dos pés
e ouvir você dizendo “que imagem clichê”
pra ler e falar sobre os Risíveis amores, do Milan Kundera
e rir de tudo e de nós mesmos
enquanto a gente faz amor loucamente, sem suicídio
namorar você pra inspirar teu canto sutilíssimo
tímido com minhas novas composições
que serão sempre cantigas de ternura
pra você recusar com meiguice
as pimentas fortes do meu pai
pra gente gastar até 140 reais (70 de cada um)
num vinho tinto muito bom
pra você repetir duas vezes a sobremesa
que minha mãe preparou
porque ela é feita com teus ingredientes prediletos
pra eu sorrir e encher os olhos
vendo meu sogro fazer macaquices com os netos
pra você sorrir e encher os olhos
vendo teu sogro fazer macaquices com os netos
pra gente exercitar nossa vocação pra alegria
e pra amparar teus seios
teus olhos queimando feito luas
enquanto, umbigo no umbigo
a gente faz amor loucamente
mesmo que devagarinho, como sempre
como sempre, mesmo trepando, como sempre
pra gente fazer amor, sem abandono
quarta-feira, 20 de janeiro de 2010
uma epígrafe

só é ilusão aquilo que não esqueço, o resto foi real
.....Ontem mesmo avancei na rua com anti-pó. A maioria das casas exibia a propaganda de um vereador, o amigo do bairro. Me aproximei da cerca da casa de madeira, um cachorrinho branco com manchas azuladas e marrons abanou o rabo pra mim. Abaixei, deixando que lambesse minha mão. Acariciando suas orelhas, perguntei: É aqui que mora Dona Elza?
.....É aqui mesmo, veio uma voz sem força da lateral da casa.
.....Levantei pra olhar e ali estava a velha empregada da família Brennelli, sua mãezinha, com os cabelos completamente cinzas, de camisola, óculos de leitura pendurados no pescoço e as mãos sujas de mexer na terra.
.....Jassei, quanto tempo, o que faz aqui?
.....Vim dar um oi.
.....Entre, entre, querido.
.....Elza abriu o portão e o cachorrinho veio brincar comigo.
.....Umbigo, deixe o Jassei em paz, vá, vá pra lá.
.....E o espantou. Mas Umbigo, dado a estripulias, não respeitou a dona. De modo que Elza precisou trancá-lo na cozinha. Voltou, e então me conduziu a sala com tantos retratos, você sorrindo, fazendo poses neles. Havia um em que estávamos todos nós, muito jovens ainda, vestidos à caráter. Era uma das festas juninas que aconteciam todo ano em nossa chácara, com fogueiras enormes e todas as brincadeiras típicas. Na foto, eu e Tatit abraçados em você, um em cada lado. Ainda ingênuos da confusão sem fim que nos meteríamos.
.....Tatau, que tinha um chamego pela filha do Seu Chiquinho, da padaria, em outra foto tem a mim de um lado e a menina de outro. Naquele mesmo dia Tatau a havia convidado pra dançar a quadrilha, mas a menina fora só recusas, até o momento em que a mãe, esposa de Seu Chico, interveio a favor de Tatau. Então, lá foram pro meio do salão, Tatau e a Chiquinha, que era como a gente chamava ela. E Tatit com você.
.....Lembra Elza?, eu fiquei emburrado, bebendo quentão escondido, pois nós crianças éramos proibidos de beber aquilo, se vó Beatriz nos pegasse a gente recebia uns bons puxões de orelha.
.....E teu tio Breno nem ligava, disse e riu Elza.
.....E assim entramos a manhã conversando. Elza disse estar bem. Estava um pouco mais animada porque os médicos disseram a ela que o seu quadro, Mana, graças a Deus, era estável. Essa foi a deixa pra que, finalmente, eu tomasse coragem e perguntasse como tinha sido o acidente.
.....Você não soube?
.....Não.
.....Então ela me contou que depois que você e Tatit assinaram os papéis do divórcio, saíram da Vara de Família e foram tomar um café, e que mais uma vez discutiram, e que você ficou muitíssimo nervosa e disse que agora que você era livre novamente iria me procurar naquele mesmo instante, e que então Tatit ficou louco, xingou você aos brados no meio da rua dizendo que um novo processo começaria, o da guarda das crianças, caso você fosse atrás de mim e, enfim, foi nessa hora que você entrou no carro gritando que ia atrás de mim e que ele podia fazer o que bem entendesse. Imagino que muitíssimo nervosa, chorando, você bateu o carro quando ia em direção ao meu prédio.
.....Mas quem te contou isso?, perguntei a Elza.
.....Tua tia Ruth.
.....E parece que foi assim mesmo, pois foi o próprio Tatit quem contou pra tia Ruth. O seu carro foi encontrado destruído perto de onde moro, com você dentro desacordada. Uma ambulância veio em seu socorro, mas, apesar de não desistirem de você, os médicos achavam bastante improvável que você sobrevivesse. Elza foi me revelando a trama e eu ficando sem reação. Enjoado. Sem saber o que pensar. Então se deu um silêncio no qual você cantava dentro. Até que Elza me ajudou com esse silêncio, fazendo meu pasmo crescer, perguntando: Você sabia que Tatit surrava ela, Jassei?
.....Sabia.
.....Isso não se faz, Jassei, não se bate em mulher.
.....Elza ia começar a chorar sua raiva ainda não apaziguada quando, súbito, veio um barulho da cozinha. Umbigo ganiu. Corremos em seu socorro entrando às pressas. O cãozinho estava encolhido num canto, quase atrás da geladeira, bastante assustado, a respiração opressa. Ele havia derrubado a chaleira na qual fervia a água pro nosso café. Por pouco não se feriu. Sua mãe o pegou no colo e o acariciou, até que, os ânimos se acalmaram.
terça-feira, 19 de janeiro de 2010
adorável bruna beber
.....Revolução íntima
.....Eu acho que nenhum retorno pode representar uma alegria superior a de receber um e-mail de uma professora do primário que marcou minha formação, e que eu não via desde que 1993 acabou, dizendo que hoje ela dá aulas de literatura na Favela da Maré, no Rio de Janeiro, e que levou A fila pras aulas que deu de poesia contemporânea.
.....Isso já bastaria.
.....Por ela ter lembrado de mim. Por ser alguém que me mostrou várias coisas das quais me lembro até hoje. Porque agora ela tá estudando, com outros alunos, dezoito anos depois de nossas aulas, o que eu escrevi. Por ser uma nova geração de leitores. Pela poesia sendo lida enquanto é feita. Porque chegar num colégio público da Maré, aos 25, é muito mais legal do que chegar ao Sion depois de morta.
.....Mas, além de tudo isso, ela disse que o livro foi sucesso e furor entre os alunos. E agora eu quero ir lá falar com eles.
Bruna Beber
só é ilusão aquilo que não esqueço, o resto foi real
.....Mas se você quer que eu seja franco, é melhor eu admitir logo, nunca fui bom em nada, senão que com algumas metáforas. Na época da escola minhas notas eram péssimas. Reprovei duas vezes de ano. Eu era rebelde. Brigava com os colegas, brigava na rua até alguém sangrar. Os Brennelli sempre tiveram esse andar de galo, de rei da rinha. Vi os mais velhos chegando no final da vida ainda com esse andar, mesmo que já não servisse pra mais nada.
.....Assim como eles, um dia fui eterno. Até que flertei com a memória de não ter havido. Até descobrir que desde protozoários até dinossauros, todos foram da minha família. Até o dia em que não soube mais quando foi que deixei de me permitir chorar entre os parentes.
.....Escrevo esse relato porque, sinceramente, não aprendi a dizer a verdade flagrada pelos olhos dos outros, fitando-os como me ensinou meu pai. Nem sempre os olhos são o melhor lugar para a verdade. Assim como sucede aos oceanos, a verdade independe da cor e profundidade da água. Desse modo, cri apenas em olhos que pediram afogamento. E nem sei como ainda não cansei de nadar como quem voa em céus com abismos. Talvez porque, imitando a coragem que tive quando criança, na época em que me esforcei nos esportes, em alguns até conquistando relativo destaque, colecionando meia-dúzia medalhas, acabei por exercitar o que é se iludir.
.....É verdade que floresci quase rude feito os pinheiros, porém não seco. Nunca fui capaz de ignorar carinhos e intimidades, daí que a mulher, graças a você, pra mim se tornou primordial. E por isso agora a evoco com devoção.
segunda-feira, 18 de janeiro de 2010
só é ilusão aquilo que não esqueço, o resto foi real
.....Meu avô era um tipo de leitor que se aproximava dos livros como se aproximasse da lareira em noites de geada. Vô Breno era mais carinhoso do que um pulôver. Nunca o vi fazendo raridade de si mesmo, distribuía abraços, sorrisos, falas. Era o sujeito de uma época em que os artesãos ainda tinham razão de ser. Um marceneiro primoroso e o grande poeta do meu mundo.
.....Vô Breno era uma árvore, o homem forte, cada passo seu carregava raízes. Certa vez ele me disse assim: Para que não seja a vida essa incandescência vã, revelo sempre demências a minha mão, isso é que é escrever, isso é que é a marcenaria, dominar a loucura, o caos, condensá-la e saná-la dando-lhe a estética.
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.....Lembro que no meu aniversário de nove anos ganhei uma caixa de ferramentas. E aos poucos a fui equipando. Era um investimento à médio prazo. Tanto Tatit quanto Tatau também ganharam as suas e rapidamente aprenderam a diferenciar os tipos de madeira. Aprenderam como protegê-las para que não estragassem. Quais produtos usar e como usar. Qual a melhor tinta a ser utilizada para a preparação das madeiras, as técnicas para se fazer decapê.
.....Quando uma vez a tábua da cozinha onde eram amassados os pães quebrou, Tatit de um dia para o outro confeccionou uma nova, de qualidade superior a que havia estragado, que era obra de meu pai. Ali estava revelado o primeiro talento de Tatit. Diferentemente de Tatau, Tatit vivia se vangloriando por saber confeccionar banquinhos, criados-mudos, armários com perfeição. Não tardou até que fizesse a pátina melhor que vô Breno. Sabia usar como ninguém os berbequins. Aplicar os moldes para fazer perfurações. Era bom em laminação, compensados. Um talento nato.
.....Como é que você consegue, Tatit?, eu perguntava.
.....A madeira, apesar de sólida, Jassei, é de fácil manejo, é elástica, porque está viva, repetia os ensinamentos do vô Breno.
.....Como marceneiro a única coisa que consegui fabricar foi um violino cuja acústica nunca se viu pior, com uma curva no fundo completamente tosca. E ali morreram minhas ilusões em relação a uma possível carreira musical, pois não era só o violino que era ruim, o violinista tampouco servia.
.....Desacreditado da música ainda tentei mais um pouco investir na marcenaria, mas com a morte de Tatau minha incompetência e consequente desinteresse só fez crescer. Assim, o caminho ficou aberto para que Tatit logo virasse o braço direito e depois passasse a dirigir a fábrica de móveis Brenelli, o que, na verdade, foi acontecendo da maneira mais natural possível.
só é ilusão aquilo que não esqueço, o resto foi real
.....Talvez pensar no redondo rosto de róseas bochechas de minha mãe seja o melhor jeito de dizer-me. Gica tinha aqueles olhões amplos, claros, olheiras que igualmente definiram meu rosto, esse leve tom arroxeado a conduzir às profundezas do verde miolo dos glóbulos. Minha mãe Gica... queria que toda vez que pensasse em seu rosto ela aparecesse e viesse me beijar a bochecha. Mas não funciona assim.
.....Bisneto de colonos italianos, nasci em Curitiba, em julho de 75, quando nevou pela última vez por aqui, mas isso você está careca de saber, como dizem. Embora eu pensasse que era bem possível que você tivesse esquecido totalmente de mim, da fisionomia, da voz, quem dirá da data de meu aniversário, até que no dia 21 de julho do ano passado recebi um presente seu, com aquele cartão revelador e tudo mais. Bem, ainda sou esse jornalista cada vez mais preguiçoso que no momento, após praticamente a redação inteira ter sido mandada embora, tem se virado como assessor de imprensa freelancer.
.....Fazia tempo que eu não ia até Santa Felicidade. É no mínimo anacrônico passear pelo bairro que tanto tempo atrás começou com meus antepassados e uma meia dúzia de outras famílias, sabe. Essas famílias e também os Brennelli eram famílias incansáveis, trabalhavam igual camelos, só bebiam água de duzentos em duzentos quilômetros, segundo contava vó Beatriz, que chegou no Brasil ainda criancinha de colo.
.....Nascemos de novo dos nossos filhos quando nossos filhos nascem, revelava-nos minha mãe.
Os Brennelli, dizia, descendem de uma reza.
.....Então lembro de quem descendo, e tento fingir que posso ficar em paz. Não espero o destino feito esperasse o troco. Mas sinto saudade... Saudade dos velhos da família que aos poucos foram saindo de cena, fugidos da vida para dentro da terra. E assim será conosco.
.....Vivia escondendo a pele branca sob um modo demasiado rústico de me vestir. E acho que me ainda me visto assim, pelo menos conceitualmente. Já as roupas de corte exato do meu primo Tatit de hoje contrastam drasticamente com as peças quase rotas de nossa adolescência, o que, mesmo para quem não conhece nossas diferenças, visualmente faz com que as intuam.
.....Tatau, irmão gêmeo de Tatit, entre nós era o campeão de espinhas na pré-adolescência e, infelizmente, não teve tempo suficiente para se tornar o homem alto, largo e bonito num futuro que para ele ainda insisto enxergar. Sua morte foi sem dúvida a pior tragédia que já acometeu a família.
.....Nós três herdamos esses supercílios volumosos e desalinhados do vô Breno, especialmente Tatit, que sobre os olhos parece ter espessos toldos que pelo meio se unem. Nós, os Brennelli, fomos e somos homens de compleição rústicas, embora altamente domesticados pela vida urbana, sem dúvida já deformados pelo conforto.
.....Se bem que você, Mana, vivia dizendo que o meu era um rosto carregado de ingenuidade. E eu não ligava de ter tais traços, isso realmente nunca me ofendeu. E é lógico que sei, caso viva até a velhice, que terei os mesmos lóbulos moles e despencados nas orelhas cheias de pêlos, como meu avô. Isso também não me incomoda. Incomodou, no entanto, Tatit a vida toda, como o incomodavam suas orelhas de abano, tanto é que ele resolveu operá-las assim que teve autonomia para isso. Essas orelhas certamente Tatit também herdou do vô Breno, apesar de que no vô, mesmo sendo grandes, elas soavam, vamos dizer assim, proporcionais, em parte porque Breno nunca esteve nem aí com a coisa, o que não era, todavia, o caso de Tatit.
.....O Tatit, infestado de sardas, acabou ficando, na minha opinião, o mais feio Brenelli de toda a história. Mas o que adianta dizê-lo, se causarei em você apenas a impressão de que vivo com uma dor de cotovelo constante, já que Tatit casou com a guria mais linda que nessa mesma história já existiu?
monstros de bares sujos
domingo, 17 de janeiro de 2010
só é ilusão aquilo que não esqueço, o resto foi real
.....E então me pus a escrever para você. E como eu acho mesmo que não vou chegar a ser um desses velhinhos simpáticos, com problema de audição, sobrancelhas desgrenhadas, vestindo calça de veludo e pulôver que cheiram a mofo e sopa, tentando curar uma tosse crônica com xarope de mel... agora... eu... É uma pena que eu não vá chegar lá. Tanto meu pai quanto vô Breno foram esse tipo de anciões. Mas o que você tem com isso? Ainda mais depois de tantos anos? Tua vida agora é outra, talvez você sequer volte a ter a chance de se recordar da família Brennelli, quem dirá da velha chácara que será vendida e possivelmente transformada em mais um condomínio de luxo, ou numa fábrica, ou ainda na porcaria de um shopping. Esse lugar que para nós, para mim pelo menos, foi uma espécie de paraíso assombrado, como são as infâncias.
sábado, 16 de janeiro de 2010
só é ilusão aquilo que não esqueço, o resto foi real
.....Tomei café com leite e um misto-quente na panificadora na esquina do meu prédio, em seguida entrei no primeiro ônibus e fui desembarcar só no terminal de Santa Felicidade. O dia ainda escuro. Andei até a nossa velha rua sem saída, quase não a reconheci com seu asfalto novo em folha, ainda molhado, por cima do chão batido.
.....Quase como um antropólogo, entrei. Você ficaria decepcionada. Mudaram as fechaduras. As fechaduras agora são não haver portas na casa. Circulei a antiga sala de estar. Há paredes ainda, mas são já pré-escombros. Os quadros onde estão? Nalgum museu, foram doados por tia Ruth após a morte de minha mãe. Mas mesmo não estando ali a memória dos quadros me pesou assim como a bagagem da existência nos ombros, nos ossos. Elogiar o que da casa de agora? Poeira e pernilongos. A casa, a casa, a casa prestes a ser varrida pelo vento. Aliás, varrida por ladrões de torneiras, vasos sanitários, azulejos, telhas, tomadas, interruptores de luz, fiação elétrica.
.....Está claro que a bancarrota desse lugar teve início com a saída de minha mãe e da tia Ruth quando, já sem o meu pai e com o Tatit fazendo especialização nos EUA, resolveram se mudar para o apartamento do Champanhat.
.....Imagino que seja assim, uma casa retém o espírito das pessoas que a habitaram. Quando essas pessoas vão embora seus espíritos tendem a segui-las, mas algo deles permanece. No caso da nossa, que nada mais guarda, que é já uma caveira, teve até mesmo o esqueleto depenado, nunca a tinha visto antes tão silenciosa. A mesma casa em que um dia a disposição interna dos móveis, a ausência de televisores, a mesa redonda na cozinha, obrigava-nos o vínculo.
sexta-feira, 15 de janeiro de 2010
só é ilusão aquilo que não esqueço, o resto foi real
.....Você sabe, ela fala muito rápido e alto e eu não consigo entender, ainda mais quando ainda nem acordei direito. Mas assim que ela fez uma pausa, perguntei: E Mana?
.....O quadro dela é estável, Jassei, não podemos fazer nada, só esperar.
.....E então, como que liquidando o assunto Mana, ela voltou imediatamente ao assunto chácara, como se fosse possível separar um do outro.
.....A chácara é um dos últimos bens restantes do espólio de nossa família. Por isso que, após a esbaforida intimação de minha tia, se antes de devolver o fone ao gancho tivesse caído no erro de não dizer enfaticamente um “sim, senhora, providenciarei tudo, pode ficar tranquila”, ela teria ficado uma fera comigo. Mas que remédio, eu sou o ovelha negra tem muito tempo, então que se fodam. Enquanto eles estão cuidando dos negócios, eu só tenho cabeça para você, Mana.
.....Mesmo assim a conversa não foi muito amigável quanto deveria ser entre o sobrinho e sua tia, talvez pelo fato de que em algum momento, sem esconder o tom de decepção na voz, acabei perguntando: Então vai ser assim, tia, vamos simplesmente vender o que restou da chácara?
.....É claro, Jassei, que vamos simplesmente vender a propriedade, ou, por acaso, você vai ficar com ela?
.....Ficar com ela?, coitado de mim, um pobretão, quase não tenho dinheiro suficiente para pagar o aluguel e me alimentar ao mesmo tempo, há meses que preciso escolher se como ou se continuo morando no meu quarto-e-sala precário. Ao menos se o Tatit, o rico da família comprasse a propriedade, mas não pode sequer ouvir falar daquele, como ele mesmo chama, elefante branco. A velha chácara não interessa aos projetos do Tatit. É lastimável no que ele acabou se transformando, nem vale a pena comentar.
quinta-feira, 14 de janeiro de 2010
Zilda Arns e a construção de um mundo melhor
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quarta-feira, 13 de janeiro de 2010
luiz felipe leprevost na confeitaria das famílias
deu na coluna acordes locais, da gazeta do povo
.....Esta fase de indicações seguirá até a semana que vem. As enviadas por e-mail (blogsobretudorpc@gmail.com) devem ter como assunto a expressão “Melhores de 2009” – é importante a especificação do assunto para que as mensagens não se percam. Os nomes também podem ser indicados nos comentários dos posts do blog Sobretudo que tratem do tema.
.....Valerão as indicações que chegarem até a zero hora da próxima terça-feira (19/1). Então, vou relacionar todos em suas respectivas categorias e aí partiremos para uma votação por meio de enquetes (uma para cada categoria). Os links serão indicados nesta coluna e no blog Sobretudo na próxima quarta-feira, dia 20. Se houver muitos indicados, faremos uma primeira seleção dos mais votados para escolhermos os finalistas em uma nova bateria de enquetes, mas isto vocês só vão saber se vai acontecer, na próxima quarta-feira. No blog Sobretudo, na medida do possível, vou dando umas parciais.
.....O músico Raphael Moraes, da banda Nuvens, mandou suas indicações e sugeriu mais duas categorias e eu reproduzo aqui com a argumentação e já as indicações dele:
.....“Melhor compositor: na qual eu votaria em Luiz Felipe Leprevost, que conheci esse ano e me surpreendi com suas canções!
.....Melhor show: nessa eu indicaria o show Síntese da Essência, de André Abujamra, que por morar em Curitiba há tanto tempo, não tem como não ser considerado daqui!”
.....Acho justo e, portanto, essas duas categorias serão incluídas, desde que surjam outras indicações para elas até a próxima segunda-feira.
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.....- Melhor grupo ou músico MPB/nova MPB
.....- Melhor cantor
.....- Melhor cantora
.....- Melhor instrumentista
.....- Melhor site ou blog ou twitter de música paranaense (não vale votar no meu Sobretudo, para não parecer marmelada)
.....- Melhor compositor
.....- Melhor Show
terça-feira, 12 de janeiro de 2010
só é ilusão aquilo que não esqueço, o resto foi real
só é ilusão aquilo que não esqueço, o resto foi real
segunda-feira, 11 de janeiro de 2010
se você quer o bem de uma boa pessoa

(Thiago Chaves, LF Leprevost)
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inda quero ver você
deixar pra trás
as coisas burras
ficar em paz
sem fazer juras
inda quero ver
inda quero ver
trazer o futuro
na garupa
quitado o seguro
da tua fuga
inda quero ver
o mal menor
que uma pulga
na cidade
mil olhos
feito lupa
admirando
a felicidade
na tua cara
na testa
na nuca
felicidade extra
(Thiago Chaves, LF Leprevost)
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se você dormiu bem
se você comeu bem
se você quer o bem
de uma boa pessoa
nessas manhãs de frio
quando a geada pinta a grama
e o azul do céu
é de uma beleza que caçoa
quando nada
nada te faria tirar o pijama
não fosse o vento
que vai lá fora
é a voz do teu amor
que chama agora
e você vem