.....Bem, o ano de 2009 não foi dos mais fáceis pra mim. Em julho eu estava na pior afetivamente - coração partido, cabeça pensa e confusa, e um calombo crescendo na mão direita que, quando infeccionou doía e talvez se chamava tendinite aguda. Então tomei uma resolução, ia escrever uma série de letras que se pretendiam positivas, de bem com a vida. Mas esse tipo de canção simplesmente não surgia. Ninguém fica alegre de uma hora pra outra quando passa por uma maré ruim. É preciso dar tempo ao tempo, ter calma e sabedoria. E eu não sou muito calmo, tampouco sábio. Mas aquela onda negativa passou e eu toquei o barco. No final do ano o ar se tornou um tanto irrespirável novamente. Segui.
.....Passei a virada em Guaratuba com minha família. Meus sobrinhos me deram uma injeção vida. É sempre bom estar com quem nos ama e amamos. De Guaratuba fui a Pontal do Sul. Fiquei na casa de meus primos. Uma semana inteira indo passear na Ilha do Mel, Superagüi (onde resgatamos outro primo, esquecido por lá desde o Natal), comendo peixe e camarões fresquíssimo. De noite a gente espalhava citronela pelo corpo para espantar os mosquitos, bebia um rum cubano saboroso, com água de coco e gelo no copo. Curtíamos uma variedade de músicas populares do mundo inteiro. O único dia em que a chuva deixou os passeios realmente impraticáveis foi na sexta-feira. Então tomamos o rum também durante a tarde. Agora já estou em Curitiba, renovado, escrevendo em meu quarto, em Santa Felicidade, acreditando que tudo continuará bem bom daqui pra frente, já que 2010 começou da melhor maneira possível.
.....Certo, sobre as canções positivas que eu queria escrever... Veja bem, tem algum tempo já venho fabricando letras com personagens cuja história e características, por mais desiludidas e sem perspectiva de futuro, procuro não julgar. E assim meio que fiz uma minha galeria de desesperados. É o caso, por exemplo, de Ótima, parceria com o Troy Rossilho e Solitária, letra minha e música do Troy, do Carlito Birolli e do Matheus Lacerda.
.....De qualquer maneira, em pleno inverno curitibano, 2009, me enfiei no apartamento que Thiago Chaves dividia com a escritora Lígia Oliveira, no primeiro andar de um prédio rudimentar, na rua da Mão Inglesa, no centro de Curitiba. Grudei no Thiago e comecei, como que as tirando do fundo daquelas garrafas de vinho tinto, a jogar na mão dele uma letra depois da outra. Compusemos muita coisa nesse período em que andei amargo. O Thiago também passava por problemas íntimos. Então, as primeiras canções vieram pesadas, tristes demais, violentas. Uma delas, por exemplo, após falar de porões e desvãos, acabava com um verso que dizia “eu não tenho simpatia pelo Diabo”, numa citação aos Stones. Compusemos uma outra que, meses depois, após eu revelar ao Thiago os reais motivos da letra, foi batizada por ele de Amnésia Conveniente. O Otávio Linhares e o Alexandre França estavam lá naquela madrugada, sugeriram pequenas variações pra melodia, cantaram-na junto com a gente por horas e acabaram parceiros.
.....Finalmente, numa noite dessas em que parece que você está dentro de um freezer, escrevi os versos de Boa Pessoa. Lembro que a Lígia, num primeiro momento, achou que era um poema meio bobo. E era. Ela estava certa. Eu também tinha achado que não passava de uma coisinha um tanto melacueca. E um pouco curta demais. Na verdade, jamais disse isso antes a qualquer um deles, não tinha levado muita fé no poeminha, era demasiado simples e tinha surgido rápido demais da minha mão. Mesmo assim não dei o braço a torcer. Não queria acrescentar nem mudar nada. Era aquilo e pronto. Deixei a folha de caderno com o Thiago e vim embora pra Santa Felicidade. Uns dois dias depois, na sala do mesmo apartamento, ele tocou a canção. Minhas palavras musicadas tinham adquirido um novo plano existencial, o das boas músicas populares. E isso me pareceu bastante especial. A melodia que o Thiago criara era contagiante, conduzia os versos a uma identificação imediata, pra então emergir numa explosão de alegria coletiva. Depois dela, tomei gosto pela esperança e escrevi a letra de Felicidade Extra e ainda outra, bem curtinha, brincando com aquilo de se ter consciência sobre as coisas ou não, consciência pesada e tranquila etc. E mais uma, duas, dez vezes o Thiagão estava lá elevando a qualidade das palavras com seus acordes que nos fisgam fundo.
.....Quando o Alexandre Nero, com quem, dada sua estada no Rio de Janeiro, eu já não falava alguns longos meses, me ligou contando que ia começar a gravação de um álbum novo e que gostaria de ouvir as coisas que eu vinha compondo, não tive dúvida, além das canções todas que tenho com o Troy, França, Octávio Camargo e demais parceiros, fiz questão de apresentar a ele o Thiago e o que tínhamos criado. Especialmente, após ouvir Nero discorrer sobre o conceito do novo trabalho, intuí que Boa Pessoa trazia consigo muito da cara e do coração daquilo que ele procurava. Bom, pra encurtar a estória, Thiago e Nero ficaram amigos e, mesmo sem mim (os músicos são promíscuos, hehe), compuseram algumas outras obras de estalar de admiração os ouvidos da gente. Boa Pessoa acabou mesmo sendo incorporada ao repertório do disco do Nero, que deve ser lançado até março, com arranjos e execuções que são um primor.
.....Não pretendo ignorar o turbilhão de acontecimentos marcantes do ano recém findado. Talvez profissionalmente eu nunca antes tenha sido tão bem recebido, especialmente na área teatral. E isso graças a uma mocinha das mais geniais, generosas e graciosas chamada Nina Rosa Sá, diretora de relevante parcela do que vem acontecendo de real e bom no teatro de Curitiba. Mas a Nina é um capítulo à parte. Quem sabe escrevo sobre ela qualquer dia desses. Ah, e de coisas muito legais que aconteceram, tem também a imperturbável amizade que nasceu entre mim e os namorados Fabiano Vianna (inventor e editor da revista pulp Lama - http://www.revistalama.com.br/, um herói escudado pela produtora Milena Buzzetti) e Raquel Deliberali, novos amigos que já estão na "galeria do pra sempre" que trago no coração.
.....Mas por enquanto, o que quero dizer, é que não tenho a menor dúvida de que Boa Pessoa e Felicidade Extra, com toda sua carga emocional de esperança e superação no âmbito da intimidade e da relação entre nós e os nossos, salvaram-nos o ano de 2009 (ou devo dizer salvaram-nos do ano de 2009?), tanto o meu quanto o do Thiago. Por isso, apesar de já começar 2010 imediatamente subvertendo um compromisso (quase promessa), o de me manter longe do computador e da internet durante janeiro, coloco aqui no blog as duas letras. Mas, já que sem a participação fundamental das melodias o valor dessas minhas poesiaszinhas se torna um tanto só osso, peço encarecidamente que, quem tiver interesse, não deixe de acessar o myspace do Thiago Chaves (http://www.myspace.com/thiagozpchaves), onde há gravações das duas, em versão violão e voz, com Thiago cantando e tocando.
.....Pra finalizar, quero ainda e apenas dizer que a publicação das letras nesse blog tem a intenção de que elas sirvam como mensagens positivas, faíscas de estímulo para um ano inteiro que aponta futuros (de todos esses meus amigos e amores) repletos de alegrias, dias e noites que pretendo atravessar de bem com a vida. E desejo o mesmo a todos que me visitam e visitarão.
......
.....Ps1. Peço desculpas àqueles que tentaram falar comigo via e-mail ou telefone e não conseguiram. Vou responder seus recados o mais rápido possível, agora que retornei a, chamemos levianamente assim, civilização.
.....Ps2. Nesses primeiros dias de 2010 li e me abalei com os poemas de Pássaro Ruim, do Rodrigo Madeira. Sem modéstia, esperto eu de ter aberto as leituras do ano com essa preciosidade. Fazia tempo que um livro de poesia não me dava tamanho gozo. Pela sua sensibilidade, temática e estilo. Pela ousadia do discurso e domínio de linguagem. Pelas camadas de realidade, memória e invenção que em seu bojo fervem. Pretendo falar mais detalhadamente sobre o Pássaro Ruim nos próximos dias.
.....Ps3. Fiquei muitíssimo feliz com a notícia de que no próximo Festival de Curitiba, em março, haverá montagens já confirmadas de duas peças minhas, A matou B ene vezes e, em sua terceira temporada, Na verdade não era.
.....Ps4. Acabo de entrar em seu blog (http://atirenodramaturgo.zip.net/index.html) e ficar sabendo que, após angustiados dias na UTI da Santa Casa, em São Paulo, meu amigo Mario Bortolotto está recuperado dos três tiros que levou no final do ano passado. Que maravilha.
.
Felicidade extra
(Thiago Chaves, LF Leprevost)
.
inda quero ver você
deixar pra trás
as coisas burras
ficar em paz
sem fazer juras
inda quero ver
inda quero ver
trazer o futuro
na garupa
quitado o seguro
da tua fuga
inda quero ver
o mal menor
que uma pulga
na cidade
mil olhos
feito lupa
admirando
a felicidade
na tua cara
na testa
na nuca
felicidade extra
(Thiago Chaves, LF Leprevost)
.
inda quero ver você
deixar pra trás
as coisas burras
ficar em paz
sem fazer juras
inda quero ver
inda quero ver
trazer o futuro
na garupa
quitado o seguro
da tua fuga
inda quero ver
o mal menor
que uma pulga
na cidade
mil olhos
feito lupa
admirando
a felicidade
na tua cara
na testa
na nuca
felicidade extra
agora ou nunca
.
Boa pessoa
(Thiago Chaves, LF Leprevost)
.
se você dormiu bem
se você comeu bem
se você quer o bem
de uma boa pessoa
nessas manhãs de frio
quando a geada pinta a grama
e o azul do céu
é de uma beleza que caçoa
quando nada
nada te faria tirar o pijama
não fosse o vento
que vai lá fora
é a voz do teu amor
que chama agora
e você vem
(Thiago Chaves, LF Leprevost)
.
se você dormiu bem
se você comeu bem
se você quer o bem
de uma boa pessoa
nessas manhãs de frio
quando a geada pinta a grama
e o azul do céu
é de uma beleza que caçoa
quando nada
nada te faria tirar o pijama
não fosse o vento
que vai lá fora
é a voz do teu amor
que chama agora
e você vem
.
"muito bem sucker" hahaha
ResponderExcluiré bom de ler uma coisa que sai do peito e não da cabeça da gente!
é isso lufe!!!
é isso, meu caro detetive linhares. abração. lufe.
ResponderExcluirIrmãozinho...
ResponderExcluirAdoro saber o que esta por tras da genialidade!
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