quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

só é ilusão aquilo que não esqueço, o resto foi real

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.....Perdoe, Mana, a velocidade, o modo elíptico e às vezes digressivo com que narro. Faço-o aqui nesse caderno que possivelmente jamais será lido, mas ainda assim me parece um documento importante, ao menos pra mim e algum parente a mais, talvez algum dos seus filhos com Tatit, quando forem mais velhos e puderem entender.
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.....Acho que nunca disse isso a você quando estávamos juntos, mas não posso deixar de acreditar que, num primeiro momento, minha verve poética aflorou quando na quinta série, com uma menininha bem feia chamada Vani, que engraçado, dei meu primeiro beijo na boca, de língua. Selinho já tínhamos dado muito antes eu e você, nas tardes longas de inverno em que a chácara ficava submersa na chuva.
.....Mas aquele beijo deslizando sobre o cio da vergonha, aquela língua que flutuava, a mais sincera, a mesma língua que depois diria para as amigas que meu beijo era doce, sem veneno, que espalharia a fama do meu beijo-anzol, aquele era um acontecimento inédito. Quero dizer, você não foi o meu primeiro beijo de verdade. Será que eu fui o seu? Mas talvez tenha sido melhor assim, quando nos encontramos, as línguas já tinham alguma experiência.
.....Nossa, quanto tempo esperei por você. Veio a pré-adolescência e eu senti que tinha perdido o sabor natural, o gosto das descobertas dos beijos. Meu beijo parecia que tinha se automatizado, se tornado áspero fruto da espera. E era você que eu esperava. Mesmo assim meu beijo se fez arma de caça, um beijo que derrubava a presa de imediato nas festas. Mas na verdade era um beijo meio que matemático, megálito e medroso.
.....Até que naquela noite você entrou no meu quarto para me devolver um livro e a gente começou a falar sobre a estória do Holden Caulfield, que me fazia lembrar o Tatau, embora o Tatau não fosse rebelde e então, finalmente, deu-se. Eu abri num leque as palmas das mãos e como colhesse um fruto grande segurei de leve seu rosto quente. Você beijou minhas palmas, a direita, depois a esquerda. Seus olhos umedeceram como se pupilas e retinas, aos poucos, fossem sendo sobrepostas pela luminosidade do abajur.
.....De repente, passos imprimiram um peso e ritmo no assoalho que eu conhecia bem. Minha mãe com o camisolão que alcançava os calcanhares vinha pelo corredor. Você se escondeu atrás da poltrona verde musgo. Você não piscava, não respirava de apreensão. Minha mãe entrou no quarto sem bater na porta: O que você está fazendo que ainda não dormiu, Jassei?
.....Lendo, mãe.
.....É muito tarde para leitores da tua idade.
.....Eu já tenho 14 anos.
.....Jassei, não me retruque.
.....Eu só queria acabar o capítulo.
.....E já acabou?
.....Acabei.
.....Então agora durma.
.....Tá.
.....Me virei na cama dando as costas para ela do lado de fora da porta: Boa noite, mãe.
.....Durma com os anjos, filho.
.....Apaguei a luz do abajur. Ela se foi. E você, meu anjo, lívida, saiu de trás da poltrona.

3 comentários:

  1. Desculpe comentar algo nada a ver com o texto, mas vc viu isso: http://portal.rpc.com.br/gazetadopovo/blog/sobretudo/ ??

    haha...

    Maria

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  2. vi sim, maria. obrigado. bj.

    valeu, iza. saudade. bj.

    lepre.

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