quinta-feira, 2 de julho de 2009

manual de putz sem pesares

Vendedora de miudezas, da série "Ambulantes", de Marc Ferrez.
Foto feita aproximadamente em 1895.
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O resto também são miudezas
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Por mais que o troglodita tenha te ferido, te quebrado o braço, te sangrado o nariz, te deixado o olho roxo, os joelhos repartidos. Por mais que o professor tenha te dado zero, o diretor tenha te suspendido, o chefe te despedido, os amigos rido da tua cara. Por mais que você tenha sido assaltado, atropelado, enxovalhado, enganado, injuriado, ultrapassado, esquecido, deletado do sistema. Por mais que não saia água da torneira para você lavar o rosto, o elevador esteja quebrado, você tenha torcido o pé, um carro tenha passado por uma poça e tenha espirrado lama na tua roupa. Por mais que o mundo esteja sendo um filho da puta com você. Por mais que você tenha pisado em cheio no formigueiro ou no monte de merda do vira-lata. Por mais que você tenha dado perda total no carro, ou pior, nunca tenha tido a oportunidade de dirigir uma máquina dessas numa auto-estrada pista dupla em direção ao litoral. Por mais que você saiba que vai ficar banguela no final da vida, ou no próximo mês. Por mais que tua conta no banco esteja no limite do cheque especial, ou pior que isso, você nunca tenha tido conta em banco e todo o dinheiro que você escondia embaixo do colchão tenha sido furtado, ou pior, perdido o valor, pois não passavam de notas do Banco Imobiliário. Por mais que te maltratem, te humilhem, cuspam em você. Por mais que uma dinamite exploda no teu rabo. Por mais que tua tia tenha sido internada às pressas com profunda depressão, teu irmãozinho tenha caído da bicicleta e batido com a testa. Por mais que aquela garota cujos cheiros e formas você venera prefira o teu pior inimigo a você, ou pior, um paspalho qualquer cheio de pose, ou posses, ou manhas, e você só tosses, febres, cirrose hepática. Por mais que você não tenha belezas, não tenha talentos, não tenha perspectivas, nem esperanças, nem a quem recorrer senão ao Diabo e seus quiabos, nabos, pepinos, abacaxis com casca... a vida em algum momento entra nos eixos. Nem que seja por alguns míseros segundos a vida entra nos eixos. O resto também são miudezas.
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*E essa postagem dedico ao Abelardo de Carvalho, por seu amor ao Marc Ferrez. E por sua própria arte, que a todo momento desafia a brutalidade.

5 comentários:

  1. Leprevost,
    que saudade cara! Como é que vc foi embora sem falar comigo? Fiquei sem um beijo de despedida e agora me contento em te ler e reler ...Num livro Bonito " prá caramba! Bom pelo menos assim vou sabendo de tí, querido. Quando puderes, passa os olhos pela minha página:

    http//dascoisasqueeunaosei.blogspot.com

    um beijo enorme e maior que a nossa distância
    adriana monteiro de barros

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  2. oi adriana, quanto tempo, né?
    legal receber notícias.
    saudade daquelas rodas.
    bom que você me achou.
    venha sempre ver as
    coisas que eu também não sei.
    beijo enorme pra você. lepre.

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  3. Olá, Luiz Felipe Leprevost!
    Muito prazer! Cheguei ao seu blog e a esse belo texto por indicação do nosso amigo Abelardo de Carvalho. Creio que seu texto realmente traduza um pouco (ou muito) do Abel. Conheço ele a pouco tempo, mas tempo suficiente pra saber o quanto ele é um verdadeiro apaixonado pela arte. Uma arte sutil, delicada (mesmo quanto trata de assuntos "fortes". Uma arte, que como você mesmo disse, desafia a brutalidade.
    Parabéns e forte abraço.

    Elano Ribeiro

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  4. A Ambulante, O Amolador, O Futuro Cowboy Tonico...
    As botas de Iguatama;
    As virgens (não) santas no topo das Igrejas;
    As Igrejas! Coloridas como Carnaval...
    O Carnaval;
    A política como uma (não) santa campanha: mais parecia alegoria de carnaval.
    No final, só restou o olho atento. O resto se perdeu. No final, ganhou. Entrou e saiu: mas pelo menos fez o cidadão (honorário).
    Os outros? Alguns morreram, aliás vários.
    Outras foram mortas, várias.
    Pelo menos a arte continua, sempre deve continuar.
    Quem é artista não consegue fugir dessa sina. Assim como o sino da igreja da cidade do interior: não sai da gente, por mais que estejamos longe...
    Abelardo é artista

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  5. elano e bruno... legal vocês conhecerem e gostarem do abel. ele é um querido amigo. merece todo nosso afeto. abraço pra vocês. e obrigado pelo passeio por aqui. lepre.

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