quinta-feira, 23 de julho de 2009

o butô do mick jagger

Jagger, outro dia desses
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Se você me perguntar, eu vou finalmente te revelar que nunca compreendi o rock´n roll, mas o que há pra ser entendido nessa demência de dinossauros?, eu nunca aprendi nem vou aprender a falar inglês, e como é que alguém compreende o rock se nunca vai escutar como se deve as canções do Bob Dylan?, mas que se foda, que se foda que eu tô perdendo conteúdos deslumbrantes das letras do Dylan, eu nunca entendi, tá percebendo...?
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Tô, tô perceben...
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...acontece que teve um momento em que o rock se tornou possível pra mim, foi quando resolvi eu mesma dar meus berros, igualzinho o Kurt dentro do teu estômago, ou você acha que alguém gritando lá dentro é privilégio só do teu estômago?, se você quer saber, sim, o rock mudou minha vida, assim como acontece com qualquer adolescente com o cérebro ainda em forma de girino, assim como acontece com qualquer um, eu poderia virar road de qualquer banda e ficaria feliz com uma merda dessas, eu poderia liderar o fã-clube da Sandy e Júnior e eu tava feliz, mas você não, você achava o rock´n roll revolucionário, tudo bem, não vou comprar essa briga, pelo menos a gente concorda que os Beatles foram um pouco mais que uma mera brincadeira de adolescentes, e eu compus um monte de canções mas elas só se tornaram alguma coisa na tua voz, eu só existi quando você cantou a minha vida, eu sou absolutamente dependente de você e não espero que você concorde com a minha idéia de que a tal da atitude rocker sempre tão almejada, treinada e esbanjada, na maioria das vezes não passa de algo completamente imbecil e ingênuo, e quando eu comecei a dar os meus próprios berros pelos porões da cidade, sinceramente, eu era a mais imbecil de todas, uma Nina Simone Jacu, até que você assumiu os vocais e eu nunca reclamei, porque aquilo com você era real, era a nossa potência, e a gente conquistou o mundo desse jeito, com a minha guitarra e a tua garganta e com a nossa mania de rir de tudo ao mesmo tempo em que vomitava monstros em cima deles, a gente era tragicamente vulgar, e isso nos conferia uma condição estóica, épica, e a crítica nos adorou, e mesmo os que tentavam nos derrubar acabavam esmagados que nem mosquitos, e você veio com aquela teoria que os vampiros começam mosquitos e evoluem até se tornarem verdadeiros vampirões, e a gente fez o nosso primeiro clip na esquina da casa do Dalton Trevisan e o caralho... (Algum tempo) Quer saber?, o que adianta ficar lembrando essa merda agora, só quero que você saiba que isso aqui não é sobre rock´n roll, até um dia desses eu nem sequer sabia escrever a palavra rock´n roll, eu escrevia com R, O, Q, U, E, N, R, R, O e um L só, isso aqui não é sobre rock´n roll, eu nem acho essa merda grande coisa, isso aqui é sobre amor, se tá entendo?
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Eu...
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É claro que você tá entendo, eu também vivo de um jeito queixoso, e quem me estica as mãos?, Edward mãos de tesoura?, eu não quero saber de nada disso, sou apenas uma garota tentando se manter acordada enquanto assiste de longe o Butô do Mick Jagger.
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(Silêncio, silêncio, silêncio, silêncio)
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(...)
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....às vezes eu tava na meio do show e pensava: Caralho, o que eu tô fazendo aqui?, poderia estar na casa dos meus avós, com meus primos assistindo A Praça é Nossa, e eu pensava: Se os músicos não são felizes, então é porque a felicidade definitivamente não existe, porra... Mas foi divertido pra caralho também...
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Claro que foi...
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...claro que foi, e suportar a chegada do tédio de tudo talvez seja a maior façanha do ser humano, quer abandonar tudo?, abandona, mas abandona por outras coisas, por outra merda qualquer, mas não dá pra abandonar algo que você tem, que é você em troca desse nada utópico, quer morrer?, quer se matar?, você já se mata faz tempo, você se mata todo dia porque na verdade você não quer se matar, vamos jogar limpo, não tem faz de conta nem porcaria nenhuma, a gente fez parte de uma banda que foi fudidamente produtiva, foi lindo enquanto durou, mesmo o Lesma não é a pior pessoa do mundo, é verdade que nunca a gente teve um baixista que prestasse, mas que se foda, o baixo não serve pra merda nenhuma mesmo, não dá pra enganar ninguém de cima de um palco, pelo menos eu não conseguia, pelo menos eu me esforçava pra ser real, íntegra, tudo que eu sei é que eu sempre adorei subir lá na frente da platéia e dar uns berros ao teu lado, depois passar longas madrugadas no teu quarto no hotel conversando sobre os Yardbirds, ou sobre como o Roberto Carlos era o maior roqueiro do país, justamente porque ele era o mais cafona, e como a gente nunca chegou aos pés dessa gente e mesmo assim vendia discos feito Red Bull, então eu sempre ficava imaginando e me comovendo com essas coisas, tipo o Robertão indo visitar o Caetano Veloso no exílio em Londres, e lá tomando uns chás de fresco que provavelmente o Caetano serviu pra ele, o Rei cantando As curvas da estrada de Santos e o Caetano chorando, emocionado pra caralho, e o Rei dizendo apenas um bobo, e juro, eu nunca entendi, apesar da tua história toda, não dava pra entender por que você sempre tinha que ser tão brutal, porra, o que a gente era afinal de contas?, duas compositoras de baladinhas pra casais dançarem agarrados, a gente sempre foi isso, que se foda se um dia nos obrigamos a gritar tira o pé do chão, foda-se, eu não fiz isso à contra gosto, você também não, essa aqui é a nossa Tumba, a velha garagem de guerra, de guerra, foi aqui que a gente inventou as nossas batalhas, e elas ainda não chegaram ao fim, eu não continuei vindo aqui porque tava ganhando dinheiro pra caralho, nem era por amor à arte e essas merdas que vivem dizendo, eu sempre voltava pra cá porque era como se eu estivesse voltando pra casa, se você me perguntasse agora porque é que eu continuei ao lado de uma demente como você durante todos esses anos, eu ia te dizer que foi porque o que a gente faz não é pra qualquer um.
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São dois trechos da minha peça O Butô do Mick Jagger.
Porque tenho uma banda outra vez.
Bota pra fudê Drinks Baratinhos!

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