sábado, 25 de julho de 2009

notas para um livro bonito

você não é a porcaria de um robô
então o que fazer com a necessidade de
fazer as coisas diferentes se não
sabemos nem para onde olhar
se não sabemos quando será
positivo pôr as mãos no bolso ou
depreciativo acariciar o gato
o que fazer se não temos
onde ir senão às favas?
que confusão dos diabos
você se decepciona consigo
e acaba patinando
agora mesmo dá para ver seu
rosto se retorcendo como se
tivesse mascado limão
você não sabe mentir por muito tempo
a falsidade é a mais perfeita denúncia
banhos de fogo lavam mais do que água
mas o preço que se paga é muito alto
assim, vez ou outra
queimamos as solas dos pés
vasculhando bibliotecas de
navios afundados
furamos as palmas das mãos com espetos
vazamos os olhos em tragédias gregas exemplares
sempre que alguém está
prestes a desesperar chora baixo
tranca-se num cubículo qualquer
e o dia lá fora não é exatamente um
bibelô azulado e limpo que até
parece de mentira
e então virá a óbvia reflexão: santo Deus
não passo de um obsceno comedido
a nudez que encontro em mim corre
feito o rio de Heráclito e a cada dia me
sinto mais feio a apodrecer
então sons de alaúdes soarão em
excessos de balbúrdia que são
o meio possível para contribuir com
esquecimentos momentâneos
de resto só as contrações inexprimíveis
e é isso o que você conhece porque é
isso que existe, e é isso que existe porque é
isso que você inventa
uma nudez que vem por baixo da
nudez, os olhos abertos feito lanternas que
procuram alguém perdido na escuridão
e esse alguém é você mesmo com
olhos que também são lanternas a
procura de alguém perdido na escuridão
tudo como um apelo
no apartamento, livros e
vídeos de histórias
e são coisiquinhas tão infantis a dividir
prateleiras, odes mundanas de
páginas apunhaladas que
para o bem de todos
jamais se farão compreender totalmente
e a filosofia então não significa mais que
a escavação dos próprios pulsos em parágrafos
apunhalados, frutos sanguíneos que
em meio a nervos e cartilagens
restituam a vida
mas quem sabe nada disso seja possível
ou verdadeiro, ou até mesmo
plausível de ser cogitado
então você pensa em qualquer personagem da
literatura com o qual tenha
absolutamente se identificado, eis
monstrinhos semióticos jamais
serão felizes, você os vê sussurrar entre
lábios quando na sala do
apartamento soa alguma
balada do Nick Drake que
paira como morcego ferido
sobre o tapete rubro
você reconhece seus silêncios
cujos meandros não são
perscrutáveis, e eles desejam
sair ilesos dali mas se
convenceram que a tua tartamudez
é um privilégio porque podem
bebê-la nessa cinzenta tarde
do mês de julho, e é claro que
há o risco de cães latirem no
lado de fora, assim
como é possível que os
pestinhas dos vizinhos da
frente espionem o semi-sublime
festival de ininterruptas e
perfuradoras presenças
fantasmáticas no bailado sutil das
respirações em equilíbrio entre
o chá quente e o bafio da
fera humana em repouso quase
absoluto com o Uivo de
Allen Ginsberg numa das mãos
e esse quase estóico cidadão em quem
você se transformou, justamente
jamais será feliz, mas que bobagem
tal estupidificado desejo, dirão
alguns, felicidade é não
precisar dela, mas isso qualquer
leitor de revistas e livros de
auto-ajuda já pensa, ou pensa que
pensa, e você, o tolo, poderia perguntar
a cada um: o que é terrível, amigos?
para você? você? e você?
a resposta chegaria em
uníssono: a treva tentando
entrar debaixo das cobertas
criaturas bestiais do desejo a se
proliferarem nas gavetas
lágrimas que rasgam as faces feito
hélices de helicópteros
eis um rascunho do medo
mas essas são apenas suas
mínimas dimensões, um nada de
suas medidas, então de novo você
perguntaria, dessa vez (há muitos
por aí, basta olhar) para um bobo de
Shakespeare: o que é terrível?
e ele: só o que é terrível...
daí que você pode entender que
tudo o que não for péssimo
desastroso, nauseabundo, será
apenas o mundo se abrindo
em bondade sem que sejamos
capazes de descrevê-la em
especulações sobre o amor simples ou
até mesmo nos darmos conta, e afinal
talvez o bem jamais venha dos
que se fecham em seus frágeis
casulos, o que dizer dos que são
eles seus próprios bunkers?
é claro que a felicidade, esse
último capítulo das sessões da tarde
é uma balela, mesmo assim
apesar do clichê, é imperativo a
todo momento nos perguntarmos
se estamos ou não alegres e não
esperar resposta alguma
e, analisando de longe
seguros (seguros?) em casa
ter a sensação que sem umas
gotas de ódio ninguém teria conseguido
conseguido o quê?
chegar a tal e tal e idade
já que elas são um pouco a idade de sua raiva
de seus lamentos, de seus arrependimentos
sem isso ninguém, ou pode ser que
alguns consigam, é
possível, possivelmente
possivelmente, possivelmente os robôs consigam
os robôs e todas aqueles engrenagens a
nos gritar que sim
que podemos inclusive
anestesiar a realidade, mas todos seremos
nesse momento o espírito de
Hamlet baixando feito
um Exu nos motores das máquinas
nas engrenagens a
contradizer qualquer ilusão dopada
pelo fato de que não se sobrevive a tanto

3 comentários:

  1. agora declame sem olhar

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  2. caralho! Não sei se falo que o texto é ótimo ou se pergunto "precisa de ajuda?" Prefiro acreditar que este poema genial já está distante do teu espirito (tipo, soltou pra fora). De qualquer forma, vale a máxima "qualquer coisa, liga". Abrax

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  3. declame sem olhar... ufa...! trabalho duro...

    francinha, valeu. que bom que gostou do texto. pode ficar tranquilo, tô vivo ainda. e vou te ligar, sem dúvida (risos). forte abraço. lepre.

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