sexta-feira, 17 de julho de 2009

amargava sabe-se lá em que abismos

Rodrigo de Souza Leão
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Bia de Luna
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A primeira pessoa que me falou sobre o escritor carioca Rodrigo de Souza Leão foi o poeta Fernando Koproski, que havia concedido uma entrevista a ele. Então, um pouco de longe acompanhei a produção de Rodrigo. Lia suas resenhas na Folha de São Paulo. Lia eventualmente o seu blog http://www.lowcura.blogspot.com/. Ele foi um profícuo escritor, de inegável qualidade. A obra está aí para sempre.
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Imagino (mas não alcanço um isso) o sofrimento que esse rapaz passou ao longo da vida, lutando, obrigado a conviver com a esquizofrenia. Vejo muitos artistas posando de loucos por aí. Se soubéssemos o que realmente é a loucura, nos envergonharíamos de tratar a doença mental com tanta banalidade em nossa vida comezinha. Isso só revela quanto somos ignorantes e alienados em relação a tudo o que ela representa na história trágica das civilizações e na vida particular daqueles que sofrem.
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Algumas vezes estive muito próximo da poeta Bia de Luna, que também morreu numa clínica psiquiátrica de ataque cardíaco na mais angustiada solidão. Alguém que conheço intimamente e também estava internada foi a última pessoa que conversou com Bia e a primeira a pegá-la nos braços já sem vida. Todos nós os amigos tínhamos resistências, senões, escusas para a Bia. Não era fácil para a gente, quem iria se comprometer? Todavia, estou certo que muita gente a amou intensamente. E me incluo entre os seus principais admiradores.
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Havia ocasiões em que Bia parecia absolutamente curada disso que não tem cura. Sua simpatia, sua vivacidade desmentiam qualquer diagnóstico de condenação. Noutras, amargava sabe-se lá em que abismos. Mesmo assim ela não parou de escrever um dia sequer durante a vida. Pergunto-me onde e sob o poder de quem estará esse material.
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Diferentemente do Rodrigo que registrava seus poemas num blog e foi bem editado, para proveito da obra e sorte dos leitores, Bia, por sua vez, tinha um processo criativo dos mais caóticos. Organizar o material exigirá paciência e muito carinho. Espero que alguém o faça. E se quiserem colocar em minhas mãos tal responsabilidade, não me esquivarei. A poesia de Bia de Luna merece atenção e revisão. Talvez, como investimento no presente para os futuros, a Secretaria de Estado da Cultura ou mesmo a Fundação Cultural de Curitiba devessem cuidar de uma reedição de seus livros trazendo junto material inédito, isso sem que houvesse atrapalho em burocracias demoradas.
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Bia morreu ainda jovem. Foi o ofício de escritora, no entanto, que na minha opinião a ajudou chegar a casa dos 50 e poucos anos, senão teria nos deixado antes. Evoquei minha singela amiga porque encontro pontos de ligação entre ela e Rodrigo, em especial dois deles: a poesia e a loucura.
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De todo modo, no caso do poeta carioca, o que me deixa admirado é que ele, embora investigasse a fundo sua condição, em sua obra artística e crítica revelou a todo momento lucidez lucidez e mais lucidez. Não foi a doença que o presenteou com a arte, assim como acredito que não foi a doença de Van Gogh que o fez ser um gênio da pintura. Muito pelo contrário, creio com bastante ênfase que a arte, nesses casos, funciona como uma respirada de alívio das mais fundas. É algo que domina a doença, que controla a dor e o sofrimento e faz com que o mundo se torne um lugar possível, plausível. Não é um estado de graça, mas uma vontade, algo psicofísico, um maneira que o ser humano encontra para ser maior que si mesmo quando enfrenta conscientemente e sem piedade a sua pior fraqueza.
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Eu não conhecia o Rodrigo de Sousa Leão pessoalmente, nem nunca nos falamos via internet ou telefone. Eu não conhecia Michael Jackson. Eu não conhecia Pina Bausch. Mas sabia de seus trabalhos. Além de tanta gente que jamais saberemos, o mês de julho levou embora três fantásticos artistas. Festejo agora suas obras e cuntinuarei a festejar no futuro. Lamento profundamente tais perdas humanas. Eu que conhecia muito bem a graciosa Bia de Luna, que se despediu no verão de 2008.
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De tudo restou
Uma solidão amarga
E corrosiva. Poro a Poro.
- E é quando suor e lágrimas
Se encontram numa pororoca
Larga e amiga que
A saudade bate. Choro.
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Bia de Luna
do livro Clivagens.
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Morrendo a cada
Dez minutos uma vez
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O círculo se fecha
E cada vez mais
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O que vai indo vai
Pra nunca mais
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O que fica é o futuro
Uma criança na foto
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Por que nenhuma
Mãe guardou
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Nossas fotos
Quando adultos
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Rodrigo de Souza Leão
Sunday, June 14, 2009
do blog dele

5 comentários:

  1. Como sempre, lindo texto. Doi. Texto de verdade. Gruesse.

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  2. Chega junto no wonka hoje! vamo quebrá tudo... abs!

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  3. A novela da globo deixou a esquizofrenia na moda. E assim caminhamos. Escritores, há muito, são vistos como loucos e aqueles que realmente sofrem de algum problema psicológico, têm suas obras e sua genialidade agregadas aos problemas mentais. Muito triste isso. No entanto, a arte continua, mesmo que a torcida seja contrária.

    E que descanse em paz a Bia de Luna.

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  4. valeu, n.
    gruesse maria, obrigado pela atenção, sempre.
    pois é letícia, tudo é tão complexo, né. às vezes sinto que para alguns falta um pouco disso que poderia chamar agora de "loucura boa", digamos, que pode fazer com que em nossa arte sejamos mais livres. mas a doença mental é outra coisa, e muito muito séria. é um debate que inclusive está no ar, e isso já é alguma coisa. obrigado pelo teu comentário. e festejemos a bia.
    flavião, peguei teu recado tarde demais, pena, quero muito dividir esse rock nervoso com você. tô ensaiando a banda nova, drinks baratinhos, já já vamos pra rua juntos.
    beijo a todos. lepre.

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