Olho fixo para o relógio na parede, esse objeto deslocado de meus dias digitais, antigo sobrevivente. Respiro fundo. Minha respiração voa o passado. O relógio enruga as sobrancelhas. Em comunhão com o seu tempo franzido rememoro a infância. É como se eu contemplasse a paisagem daqueles anos ainda intacta em algum lugar, mesmo sem poder domá-la. Lá estamos eu e meus primos descendo uma ladeira com nossos carrinhos de rolamento. Nossa corrida não aponta perdedores nem vitoriosos, os rolamentos trepidam o asfalto. O Tempo feito as rodas de aço gira em torno de si mesmo, renova-se, não se gasta. Para as crianças que éramos nos carrinhos de rolimã não havia destino, apenas a necessidade de frear em algum momento. Para as crianças que fomos as tardes não estremeciam entre bússolas. A isso chamo estilo de vida, pois a memória é minha, mas não é minha. É, a memória, daqueles diques, daqueles interstícios agarrados por mofo. Porém é ela, a memória, que mentindo (falsificadora), remete-se as minhas mais escondidas verdades. Pois que à memória (falsificadora) falta a capacidade maligna da mentira, embora não do mentido, do fabulado. Nisso, impõe-se o paradoxo: a memória mente para não mentir, e não mente para mentir. Não sei se me conto bem, que contar sempre é pouco ou quase nada, e a memória só não é mesquinha com as miudezas. Sim, e mesmo em tais insignificâncias falta à memória precisão, mas não a urgência das frinchas do precisado. Ocorre que ela não vai, a memória, como a água, fluída ou empoçada. Nem como que estourada feito a luz. Pode que funcione igual a um espelho ao mesmo tempo enorme e estilhaçado. Grãos de alguma coisa indefinível, senão que por fagulhas. Dos estilhaços não se enxerga o todo da superfície, tampouco o fundo deles. Necessita que se penetre o espelho, para que lá nos abismos (talvez) possa nos apalpar o nosso avesso, e não nós a ele. Ainda assim são prenúncios, mas não só prenúncios, senão que prenúncios sós. Olha-se para cada pedaço isoladamente, um a cada vez, estilhaçados que somos por trajetos da existência, na medida que mais vivemos se mais nos dividimos. Procurar as galerias da memória é ir onde somos mínimos, ínfimos e sem comparação. Eu deveria me lembrar com nitidez, mas não acontece assim.
quinta-feira, 21 de maio de 2009
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dr.
ResponderExcluirsinceramente, gosto muito deste lugar!
mas não sofra muito, só o suficiente pra deixar as notas soarem...
beijos
li.
tá certo, vou fazer assim. beijo aí, li. lepre.
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