quinta-feira, 7 de maio de 2009

pecinhas para uma tecnologia do afeto

Correção de coluna
"Evite florear. Não tenha medo de ser fraco.
Não tenha vergonha de estar cansado.
Você fica bem quando está cansado.
Você fica como se pudesse continuar
para sempre." (Leonard Cohen)
Ele não é um robô nem um Frankenstein. Ele é só um cara feito com pedaços de muitos trecos: um parangolé tecnológico, em resumo. Nem mesmo ele se pergunta o por quê desse colete para correção de coluna que está usando.

isso agora é música, isso é que, eu torço pra que essa pessoa não esteja felozmente se transformando numa, vamos dizer assim, Anita Bryant, triste figura que assisti em fevereiro de 2009 no filme Milk, estrelado por Sean Penn, com direção de Gus Van Sant, mas é isso, tô falando dessa pessoa, essa pessoa, saibam, se irrita quando dizem que ela não tem humor nenhum, bom, se ela se irrita quando dizem que ela não tem humor nenhum é porque ele não tem, ora bolas, humor nenhum, isso não é bom?, essa pessoa vive me implorando, implorar é uma coisa que essa pessoa faz bem, ela vive me implorando assim, que suas vísceras precisam de férias, que sim ela sente muita pena desse Frankenstein em quem me transformei, que eu mais pareço uma droga de uma animação stop motion, isso não é bom, hein?, que não interessa que tudo não passe da imaginação de vocês, que não sei mais o que e bláblabla blog, á tá!, essa pessoa fala também que eu preciso me arrumar logo, que onde já se viu, que eu praticamente moro nessa garagem, que é um laboratório dos mais toscos em que essa pessoa já esteve, mas ela acha o quê?, que eu nunca li urgentemente O chamado da floresta, do Jack London?, que eu pareço que tô à passeio perdido no mundo, ah, quer saber, isso agora é música, então vá se danar, vá se fudê, vá se matar, me deixe aqui com minhas overdoses de barbitúricos, isso não é bom?, é, eu então tento explicar pra essa pessoa que eu acho que não sou de lugar nenhum, que não sou filho de ninguém, que essa cena é um deserto gelado, e que nesse deserto gelado é noite, que aqui dentro da rede eu tô em casa, que eu devia ficar bem doente, porque daí sim essa pessoa me trataria bem, que eu devia pegar um vírus terrível, que daí sim, mesmo que essa pessoa não seja enfermeira, não interessa, porque assim ela ia ver que eu não tenho mesmo coração, não tem coração, isso não é bom?, ãh?, não ter coração, mas isso não interessa, eu não tenho mesmo, não tenho porque não tenho, simples, assim como houve um tempo em que não existia nada disso, celular, computador, caneta, Anita Bryant, é como se eu tivesse vindo com um defeito de fabricação, basta saber se o fato de não ter coração decorre de uma descendência dos homo sapiens, ou se dos neandertais, mas também isso não interessa, isso não é música agora, porque é bem provável que tanto homo sapiens quanto neandertais praticassem canibalismo, e é claro que existem setenta e sete mil vezes oitocentos e oito maneiras de se praticar a maldade, canibalismo é só uma delas, eu falo isso e essa pessoa se põe desesperadamente a rezar, essa pessoa reza sua reza inédita, inaudível, isso agora é música, sua reza biológica, sua reza que mais se assemelha a uma dança, e esse é o Deus bondoso dessa pessoa?, nesse Deus então eu acredito?, acredito porque eu tô vendo esse Deus bondoso, e ele vem falar comigo, ele entra pela minha porta dizendo eu tô aqui, e você quem é?, ele quer saber de mim, eu sou, Senhor, um animal extinto, o que o Senhor vê de mim são apenas esse punhado de minúsculas sequências de DNA, profunda e minuciosamente pesquisado por essa pessoa que entende de alguma coisa, talvez disso que vocês chamam de técnicas genômicas.

Deitado no chão ele se debate de um lado ao outro como fosse um ovo sendo fritado.

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