sexta-feira, 1 de maio de 2009

pecinhas para uma tecnologia do afeto

Ampulheta
viver é morrer diante
do espelho
(Baudelaire)
A trilha aqui são aqueles sons que você ouve em máquinas de ressonância. O ambiente tem uma atmosfera quase gótica. Os olhos dela não devem piscar, ela está proibida de piscar. Ela deve tentar sumir diante de si mesma, diante da própria aparência. Ela deve viver por e para esse instante. Ela quer se esconder, acuar-se, nisso a contradição, por que tantas testemunhas afinal? Ela esmaga o rosto como se ele fosse um plástico duro, ela o esmaga até vira-lo do avesso. Ela aniquila suas próprias feições.

você não segura meu rosto
por que você não segura meu rosto?
você me ouve
você me ouve porque você fabrica a noite
mais sombria do ano mas logo em seguida
você faz fazia a coisa certa
você se salva
você me ouve
você se salva sabe o quanto as coisas vão mal
pior
você não lembra
você não vai lembrar de nada
por isso você me inventou isso
foi?
por isso você amontoa estórias?
e as estórias
elas podem parecer com tudo
o que você queria?
o que você quer queria que elas sejam fossem?
o inverno
você é era o inverno
você é era o inverno, filho da puta
filho da puta
inimigo
você acha que essa armadura essa caixa
você acha que vai se proteger
você não canta
por que você não canta?
você espera que eu seja uma lareira
o que é isso meditação budista?
hein cordeiro?
olhe a ampulheta ela
mas você ama
venha então
me tire desse lugar de gelo
claro que você ama
o teu corpo ele não é teu amigo
mas você ama
me salve da janela que se fecha
você sabe sabia me salvar
você sabe sabia rugir
ruja mesmo se teu corpo diz mantenha a calma
você canta eu sei
me leve
por que você não canta?
vamos juntos
sussurrando cante as urticárias do teu corpo
sem esforço
cante sem esforço
e logo te perguntam se isso não é feliz demais
é que você tem fé
você tinha fé?
você precisava ter
você tinha que ter tido fé, caralho
o que você foi fazer?
me ensine de novo
tente
dessa vez eu quero conseguir
só mais essa
é claro que você tem tinha fé
senão não tinha
humilde
você humilde
você não ri
por que você não ri?
por que você não ri, idiota?
o que mais você podia eu podia fazer?
eu sei
eu sei o quê?
mas a ampulheta ela tá
você tem tinha um faro e tanto
volte pra cá e essa noite branca
a noite branca ela vai embora de nós
você não sabe que as pessoas partem
eu sei que as pessoas partem
você não pode podia pensar que
as pessoas tem que ter compaixão
menininho tolo
compaixão
compaixão
não paixão
você você
lobo sanguinário
me dá tua mão
segura
cadê tua força?
você abandonou a força
você queria que eu fosse teu airbag
é isso que você quer agora?
a terra do nunca
por que isso?
esperança
conquistar o ser profundo
isso é esperança?
o que então?
se você pode podia fazer o sol se pôr
depois da meia-noite
se você quisesse
você não deixava a temperatura despencar
você segurava minha mão
você amparava a frente fria com a língua
você é era a tua língua
por que você não pede?
peça pra eu te tirar daqui
meu gênio
você é era o maior
você me ouve
eu sou era tua fã
peça então
você me ouve
peça fique comigo
você me
eu sei que mas a ampulheta
por que você mastigou os gritos?
foi rápido e sem som
você comeu o teu violão
foi rápido tranqüilo doeu?
foi pior do que eu?
será que você sabe
que tem um monte de gente chorando aqui?
foi assim, hein, você chorou
as pessoas ´tão sofrendo por tua culpa
você sente alguma culpa?
sentiu?
agora que acabou tua sede
você ouve?
ouve ouve escuta escuta
escuta que não se sai da vida como se sai do banho?
agora já acabou tua cólera
ouve?
ouve
as moscas
você é só uma paisagem agora
criancinha assustada
então foi assim que você quis?
insetos
os sentimentos são insetos
você e eu
inseticidas da marca desprezo
você e
de novo
você vai ser esquecido

Aqui a música com arranjos de ressonância magnética já está bem incomodativa. O que está acontecendo? Enfrentamos certa dificuldade para enxergá-la, parece que sua imagem oscila entre a escuridão da invisibilidade e a silhueta de alguém humano.

você abandonou a força
você queria que eu fosse teu airbag
é isso que você quer queria?
você me ouve
porque você fabrica a noite
mais sombria do ano
mas logo em seguida
você queria que eu fosse teu airbag
é isso que você quer?
a terra do nunca
por que isso?
esperança
conquistar o ser profundo
você mastigou os gritos
foi rápido e sem som
você comeu o teu violão
foi rápido tranqüilo doeu, né?, muito
foi pior do que eu, né?
bem pior
você não deixa não deixava a temperatura despencar
você segurava minha mão
você amparava a frente fria com a língua
você é era a tua língua
será que você sabe que
tem um monte de gente chorando aqui?
escuta
não se sai da vida como se sai do banho
agora já acabou tua cólera
ouve?
ouve
as moscas
você é só uma paisagem
criancinha assustada
então foi assim que você quis?
insetos
os sentimentos são insetos
você e eu
inseticidas da marca desprezo
você é só agora
criancinha assustada
então foi assim
quê?
você me ouve?
não
são os insetos
insetos
os sentimentos são insetos
você e eu
o desprezo
você e
de novo
você vai ser esquecido

Aqui a música com arranjos de ressonância magnética, que está bem mais incomodativa, cessa. Praticamente sem rosto, como se aos poucos uma borracha tivesse tornado ela quase transparente, assim, sem rosto, semi-etérea, ela, de forma muitíssimo lenta, finalmente pisca. Talvez seu abrir e fechar de pálpebras passe despercebido.

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